quarta-feira, 30 de junho de 2010

Paul Krugman alerta para sinais de uma terceira depressão

Receio que estejamos nos primeiros estágios de uma terceira depressão. A probabilidade é que ela seja mais parecida com a Longa Depressão do que com a Grande Depressão. Mas o custo - para a economia mundial e para milhões de vidas será ainda assim, imenso. E essa terceira depressão será resultado de um fracasso das políticas econômicas. Em todo o mundo - mais recentemente na desanimadora reunião do G-20 - os governos estão obcecados com a inflação, enquanto que a grande ameaça é a deflação, recomendando cortes de gastos, ao passo que o verdadeiro problema são os gastos inadequados. O artigo é de Paul Krugman.

Paul Krugman

As recessões são comuns, mas as depressões são raras. Até onde eu sei, apenas dois períodos da história econômica foram chamados na sua época de "depressões": os anos de deflação e instabilidade após o Pânico de 1873 e os anos de desemprego em massa após a crise de 1929 a 1931.

Nem a Longa Depressão do século 19 nem a Grande Depressão do século 20 foram períodos de declínio ininterrupto - pelo contrário, ambas tiveram momentos em que a economia cresceu. Mas esses episódios de melhoria nunca foram suficientes para desfazer os danos do choque inicial e foram seguidos de recaídas.

Receio que estejamos nos primeiros estágios de uma terceira depressão. A probabilidade é que ela seja mais parecida com a Longa Depressão do que com a Grande Depressão. Mas o custo - para a economia mundial e, acima de tudo, para os milhões de vidas arruinadas pela falta de empregos - será ainda assim, imenso.

E essa terceira depressão será resultado de um fracasso das políticas econômicas. Em todo o mundo - mais recentemente na desanimadora reunião do G-20 no último final de semana - os governos estão obcecados com a inflação, enquanto que a grande ameaça é a deflação, recomendando cortes de gastos, ao passo que o verdadeiro problema são os gastos inadequados.

Em 2008 e 2009, parecia que havíamos aprendido com a história. Diferente de seus predecessores, que aumentaram as taxas de juros para enfrentar a crise financeira, os líderes atuais da Reserva Federal e do Banco Central Europeu cortaram radicalmente os juros e voltaram-se para os mercados de crédito. Diferente dos governos do passado, que tentaram equilibrar os orçamentos para enfrentar a economia em declínio, os governos de hoje permitiram que os déficits aumentassem. E melhores políticas ajudaram o mundo a evitar o colapso total: Pode-se dizer que recessão resultante da crise financeira terminou no verão passado.

Mas os historiadores nos dirão no futuro que esse não foi o fim da terceira depressão, da mesma forma que a melhora econômica em 1933 não foi o fim da Grande Depressão. Afinal de contas, o desemprego - especialmente o desemprego de longo prazo - mantém-se em níveis que seriam considerados catastróficos há alguns anos e não parecem estar a caminho do declínio. E tanto os Estados Unidos quando a Europa estão prestes a cair na armadilha deflacionária que atingiu o Japão.

Perante perspectivas tão sombrias, esperávamos que nossos legisladores se dessem conta de que ainda não fizeram o suficiente para promover a recuperação. Mas não: Nos últimos meses, observou-se a volta de um comportamento espantosamente ortodoxo com relação a empréstimos e orçamentos equilibrados.

Podemos observar uma volta mais evidente desse tipo de comportamento em discursos na Europa, onde oficiais parecem estar se inspirando em Herbert Hoover para compor sua retórica, incluindo a afirmação de que impostos mais altos e cortes de gastos irão de fato expandir a economia através da segurança comercial. Na prática, no entanto, os Estados Unidos não estão muito diferentes. A Reserva Federal parece saber dos riscos da deflação - mas não se propõe a fazer nada para mitigá-los. A administração Obama sabe dos perigos de uma austeridade fiscal prematura - mas, já que os republicanos e democratas conservadores se negam a autorizar um auxílio maior aos governos estaduais, essa austeridade é inevitável e se manifesta através de cortes de orçamento estadual e municipal.

Por que então esse tropeço político? Os conservadores normalmente citam os problemas da Grécia e outros países europeus para justificar suas ações. É verdade também que os investidores de ações passaram a preferir os governos com déficits incontroláveis. Mas não há provas de que a austeridade fiscal repentina em face a uma economia em depressão ofereça alguma garantia a investidores. Muito pelo contrário: A Grécia optou pela austeridade severa e teve como resultado um aumento ainda maior da sua instabilidade; a Irlanda impôs cortes ferozes nos gastos públicos e foi tratada pelos mercados como um risco maior do que a Espanha, que até então havia sido mais relutante em aceitar a solução proposta pelos conservadores.

É quase como se os mercados financeiros conseguissem entender o que os legisladores não conseguem: apesar de a responsabilidade fiscal de longo prazo ser importante, o corte repentino de gastos em uma depressão, que aumenta mais ainda essa depressão e precede a deflação, é também uma estratégia autodestrutiva.

Por isso eu acho que a Grécia não é a culpada, nem a preferência realista por trocar empregos por déficits. Na realidade, tudo isso se resume a um conservadorismo que pouco tem a ver com análises racionais e cujo maior dogma é impor sofrimento ao povo para mostrar liderança em momentos de crise.

E quem pagará o preço pelo triunfo desse conservadorismo? Dez milhões de trabalhadores desempregados, muitos deles, inclusive, que ficarão sem trabalho por anos ou até mesmo pelo resto da vida.

(*) Paul Krugman é economista, professor da Universidade de Princeton e colunista do The New York Times. Ganhou o prêmio Nobel de economia de 2008.

Tradução: Terra Magazine

Versão original do artigo de Krugman no New York Times.

http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=16745&boletim_id=721&componente_id=12075

quarta-feira, 9 de junho de 2010

As duras previsões de Nouriel Roubini.

08/06/2010

"Estamos em uma zona perigosa", diz o economista Nouriel Roubini



Claire Gatinois

O economista norte-americano Nouriel Roubini, que ficou famoso por ter sido o primeiro a prever a crise econômica mundial, no Hotel Hyartt, em São Paulo

Nouriel Roubini, professor da Universidade de Nova York, é um dos raros economistas que previram a crise financeira de 2008. Convidado da conferência de Zermatt (Suíça) sobre o tema “Humanizar a globalização”, ele faz sua análise sobre a atual crise do euro.

Le Monde: O sr. mencionou uma possível “ruptura” da zona do euro. O sr. insiste nesse prognóstico?

Nouriel Roubini: O risco existe. O principal problema da união monetária, além dos déficits excessivos, é que alguns países perderam em competitividade. Um dos meios para restaurá-la consiste em abandonar o euro e voltar às moedas nacionais – dracma, peseta ou escudo.

Não fazê-lo obrigaria esses países a reduzirem os salários, o que provocaria uma recessão. Optar pela solução alemã, ou seja, reestruturar os meios de produção, levaria tempo demais. Afinal, a única opção para evitar uma ruptura da zona do euro e retomar competitividade é afundar o euro. Ele começou em US$ 1,50, e chegou a US$ 1,20; pode cair até ficar em paridade com o dólar. O Banco Central Europeu (BCE) deve exercer seu papel, adotando uma política monetária conciliadora.

Le Monde: Quais seriam as consequências da “ruptura” do euro para a Europa e para o resto do mundo?

Roubini: Se esse cenário se concretizar, o que não acredito que vá acontecer a curto prazo, somente um ou dois países deixarão a zona do euro. Esse processo pode ser feito de uma forma ordenada para limitar os danos ao sistema financeiro, como foi o caso no Paquistão ou na Ucrânia: a dívida antiga foi substituída por uma nova dívida, com uma maturidade mais longa e juros controlados.

Em compensação, se as coisas acontecerem de maneira desordenada e precipitada, os danos não atingiriam somente a região, mas o mundo inteiro, com consequências econômicas, políticas e sociais.

Se vários membros da união monetária decidissem deixar a zona do euro, a Europa voltaria a se centrar em torno de um núcleo composto por alguns países, mais homogêneos em termos de políticas econômicas e fiscais. Recomposta dessa forma, a união monetária poderia sobreviver, ainda que a transição seja delicada.

Le Monde: A Europa não é a única que está em dificuldades: os Estados Unidos, o Reino Unido e o Japão também enfrentam déficits públicos gigantescos...

Roubini: Sim, e acredito que tenhamos entrado em uma segunda fase da crise. A implantação de planos keynesianos de retomada para evitar que a recessão se transformasse em depressão moveu a pilha de dívidas privadas para o setor público. Nós socializamos as perdas do setor privado. E estamos em uma zona perigosa.

Le Monde: A situação é sustentável da forma que está?

Roubini: Certamente passará muito tempo até que os Estados Unidos percam sua classificação “AAA”. Mas a doença americana é um déficit orçamentário que ultrapassa 10% de seu produto interno bruto (PIB), US$ 1,5 trilhão (R$ 2,8 trilhões). A situação não é sustentável. Por enquanto o país está protegido, pois o apetite dos investidores pela dívida americana continua grande. Mas um dia os detentores dessa dívida poderão acordar, e dizer “até os Estados Unidos estão em uma situação crítica”.

Le Monde: O que o sr. pensa do aumento das políticas de rigor?

Roubini: Aumentar os impostos e reduzir os gastos é doloroso do ponto de vista social. Mas qual é a alternativa? Continuar com políticas orçamentárias generosas? Os mercados já deram o alerta, fazer isso seria ir à falência. Quanto à solução que consistiria em “imprimir dinheiro”, isso levaria a uma inflação galopante. A austeridade não é uma opção facultativa.

Le Monde: Deve-se temer uma recaída da economia?

Roubini: Na Europa, sim. Antes da crise grega, o crescimento na zona do euro estava estimado em menos de 1% em 2010. Levando em conta o choque nos últimos três meses, se a economia não entrar tecnicamente em recessão o crescimento será de quase zero, as Bolsas continuarão a cair, os custos de empréstimos aumentarão, faltará liquidez, e haverá uma deterioração na confiança dos investidores, das empresas, dos cidadãos. O crescimento ficará ainda mais anêmico.

Le Monde: O G20 se reunirá no fim do mês para discutir reformas necessárias para a regulação financeira. Estão no caminho certo?

Roubini: O G20 é o órgão de governança mundial apropriado, pois os países emergentes que se tornaram indispensáveis como a China, o Brasil, a Índia e a Rússia, estão na mesa de discussões. Já foram feitos progressos para melhorar a regulação financeira, ao criarem princípios elementares de reforma da regulação financeira. É preciso ir até o fim. As crises não são um “black swan” (cisne negro), um acontecimento imprevisível, mas sim um “cisne branco”, um acontecimento previsível e evitável.

Le Monde: Nos Estados Unidos, seu apelido é Dr. Doom (Dr. Desgraça) por causa do seu pessimismo. O sr. tem alguma boa notícia para nos dar?

Roubini: Não sou o Dr. Doom, sou mais o Dr. Realidade. Não se trata de ser otimista ou pessimista, mas de analisar os fatos. E as coisas que anunciei, infelizmente muitas vezes aconteceram. A boa notícia é que, diante da crise mundial, está havendo uma reação política. Além disso, ainda que os países do Norte continuem em crise, a economia está mais robusta nos países emergentes. Estamos assistindo ao deslocamento da economia do Ocidente para o Oriente, da Europa e dos Estados Unidos para a Ásia, do G7 para o G20.

Os economistas do centro financeiro de Londres já enterram a zona do euro

A zona do euro não existirá mais em sua forma atual daqui a cinco anos, afirmam 12 dos 25 economistas do centro financeiro de Londres, entrevistados pelo “Daily Telegraph”. “A probabilidade de que a zona do euro sobreviva em sua composição atual é praticamente zero”, afirma Andrew Lilico, economista-chefe do grupo Reflexion Policy Exchange. “Os alemães não querem pagar pelos outros”, diz por sua vez David Blanchflower, ex-conselheiro do Banco da Inglaterra. Tim Congdon, consultor da International Monetary Research, prevê que “a zona do euro perderá 3 ou 4 membros – Grécia, Portugal e talvez a Irlanda”. Entre os outros especialistas entrevistados pelo jornal britânico, oito acreditam que a zona do euro será poupada; os cinco últimos não responderam.

Tradução: Lana Lim
UOL Oline