terça-feira, 23 de março de 2010

Próxima meta a merecer atenção do FMI é o imposto mundial sobre transações financeiras

Por Dani Rodrik

12/03/2010



No mundo econômico e financeiro, revoluções são raras e muitas vezes detectadas apenas retrospectivamente. Mas o que aconteceu em 19 de fevereiro pode ser chamado, com certeza, de fim de uma era nas finanças mundiais.

Nesse dia, o Fundo Monetário Internacional (FMI) publicou uma nota sobre suas políticas de atuação que inverteu sua histórica posição sobre controles de capital. Impostos e outras restrições sobre fluxos de capital, escreveram os economistas do FMI, podem ser úteis e constituem uma "parte legítima" do conjunto de ferramentas de política econômica.

Redescobrindo o senso comum que, estranhamente, escapara ao Fundo durante duas décadas, o relatório observou: "A lógica sugere que, adequadamente concebidos, controles sobre fluxos de capital poderiam ser úteis para complementar" outras políticas. Ainda em novembro do ano passado, o diretor-gerente do FMI, Dominique Strauss-Kahn tinha jogado água fria sobre os esforços do Brasil para conter o afluxo de "dinheiro quente" especulativo, e disse que não recomendaria esse controle como uma receita padrão.

Em vista disso, a nota de política de fevereiro é uma reversão espantosa - equivalendo ao grau máximo em que uma instituição pode vir a se retratar sem dizer: "Desculpe, nós estávamos falando besteira". Mas isso acontece em paralelo com uma mudança geral na opinião de economistas. É revelador, por exemplo, que Simon Johnson, economista-chefe do FMI no período 2007-2008 tenha se tornado um dos mais fervorosos defensores de rigorosos controles sobre as finanças nacionais e internacionais.

A nota de política do FMI deixa claro que os controles sobre os fluxos transfronteiriços financeiro podem não ser apenas desejáveis, como também eficazes. Isso é importante, porque o argumento tradicional de última instância contra controles de capital é que não poderiam ser implementados de fato. Os mercados financeiros seriam sempre mais espertos do que as autoridades econômico-financeiras.

Mesmo se isso fosse verdade, driblar os controles exigiria custos adicionais de movimentação de recursos para dentro e para fora de um país - precisamente o que os controles almejam. Caso contrário, por que investidores e especuladores bradam indignados sempre que controles de capital são mencionados como uma possibilidade? Se realmente não vissem a possibilidade de controles como um obstáculo, então por que bradariam.

Uma justificativa para os controles de capital é evitar que o afluxo de dinheiro especulativo eleve excessivamente o valor de uma moeda nacional, prejudicando a competitividade. Outra é reduzir a vulnerabilidade a mudanças bruscas no "ânimo" do mercado financeiro, que podem causar estragos no crescimento e no emprego internos. Para seu crédito, o FMI não apenas reconhece isso, como também fornece evidências de que os países em desenvolvimento que implementaram controles de capitais foram menos impactados negativamente pelas consequências desfavoráveis do colapso no mercado de hipotecas subprime.

A mudança de opinião do FMI é importante, mas precisa vir acompanhada por outras medidas. Atualmente, não sabemos muita coisa sobre a estruturação de regimes de controle de capital. O tabu que acompanha os controles de capital desencorajou estudos práticos focados em políticas econômico-monetárias que ajudariam os governos a controlar diretamente os fluxos de capital. Existem algumas pesquisas empíricas sobre as consequências de controles de capital em países como Chile, Colômbia e Malásia, mas pouca investigação sistemática sobre o leque de opções adequadas. O FMI pode ajudar a preencher a lacuna.

Os mercados emergentes têm recorrido a uma variedade de instrumentos para limitar a tomada de empréstimos do setor privado no exterior: impostos, exigências de depósitos não remunerados, restrições quantitativas e persuasão verbal. Tendo em conta a natureza sofisticada dos mercados financeiros - o diabo está, frequentemente, nos detalhes - é improvável que o que dê certo num cenário funcione bem em outros.

Por exemplo, o uso, por Taiwan, de medidas administrativas que dependem muito de acompanhamento detalhado dos fluxos pode ser inadequado em ambientes onde a capacidade burocrática é mais limitada. Analogamente, exigências de depósitos não remunerados ao estilo chileno podem ser dribladas mais facilmente em países onde ocorrem muitos negócios com derivativos sofisticados.

Com o fim do estigma associado aos controles de capital, o FMI deveria agora começar a trabalhar no desenvolvimento de orientações sobre que tipo de controles funcionam melhor e em quais circunstâncias. O FMI proporciona assistência técnica a países em uma ampla gama de áreas: política monetária, regulamentação bancária e consolidação fiscal. É hora de adicionar a administração da conta de capitais a essa lista.

Com essa batalha vencida, a próxima meta merecedora de atenção é um imposto mundial sobre transações financeiras. Fixada em um nível muito baixo - 0,05% é uma taxa comumente mencionada - tal imposto levantaria centenas de bilhões de dólares para bens públicos mundiais e, ao mesmo tempo, desestimularia atividades especulativas de curto prazo nos mercados financeiros.

O apoio a um imposto sobre transações financeiras mundiais é crescente. Um grupo de ONGs que rebatizou-a de "imposto Robin Hood", iniciou uma campanha mundial para promovê-lo, contando até com um videoclip deliciosamente mordaz com o ator britânico Bill Nighy (www.robinhoodtax.org). Significativamente, a União Europeia jogou seu peso em favor do imposto e exortou o FMI a defendê-lo. O único grande bastião opositor são os EUA, onde o secretário do Tesouro Tim Geithner deixou claro seu desagrado.

O que tornou o mundo financeiro tão letal no passado foi a combinação de ideias dos economistas com poder político dos bancos. A má notícia é que os grandes bancos conservam um poder político significativo. A boa notícia é que o clima intelectual mudou decisivamente contra eles. Destituídos do apoio dos economistas, o setor financeiro terá muito mais dificuldades para evitar que o fetiche da total liberdade de movimentação de capitais seja lançada na lata de lixo da história.

Dani Rodrik é professor de Economia Política na Escola de Governo John F. Kennedy da Universidade Harvard, foi o primeiro a receber o prêmio Albert O. Hirschman do Conselho de Pesquisas em Ciências Sociais. Seu livro mais recente é "One Economics, Many Recipes: Globalization, Institutions, and Economic Growth" (Uma economia, muitas receitas: Globalização, instituições e crescimento econômico). .Copyright: Project Syndicate, 2010. Podcast no link: http://media.blubrry.com/ps/ media.libsyn.com/media/ps/rodrik41.mp3

www.project-syndicate.org

quinta-feira, 18 de março de 2010

Wolf: China e Alemanha se unem para enfraquecer a economia mundial

http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/fintimes/2010/03/17/wolf-china-e-alemanha-se-unem-para-enfraquecer-a-economia-mundial.jhtm

17/03/2010


Martin Wolf




A “Chermany” falou na semana passada e o mundo ouviu. O que ela disse foi coerente? Não. O que ela disse foi hipócrita? Muito. O que ela disse foi perigoso? Sim. Posições mais sábias prevalecerão? Eu duvido.

Você já deve ter ouvido sobre a Chimérica –um neologismo inventado por Niall Ferguson, o historiador de Harvard, e Moritz Schularick, da Universidade Livre de Berlim, para descrever a suposta fusão entre as economias chinesa e americana. Você também pode ter ouvido falar da Chíndia, inventada por Jairam Ramesh, um político indiano, para descrever o novo gigante asiático composto. Me permita introduzir a “Chermany” (algo como Chinemanha), uma composição das duas maiores exportadoras líquidas do mundo: a China, com um superávit em conta corrente previsto de US$ 291 bilhões (R$ 515 bilhões) neste ano, e a Alemanha, com uma previsão de superávit de US$ 187 bilhões (R$ 330 bilhões).

A China e a Alemanha são, é claro, muito diferentes uma da outra. Mas apesar de todas as suas diferenças, esses países compartilham algumas características: eles são os maiores exportadores de manufaturados, com a China atualmente à frente da Alemanha; eles possuem superávits imensos de poupança acima do investimento; e possuem superávits comerciais imensos.

Ambos os países também acreditam que seus clientes devem continuar comprando, mas deixem de tomar empréstimos de forma irresponsável. Como seus superávits resultam nos déficits dos outros, esta posição é incoerente. Os países com superávit precisam financiar aqueles com déficit. Se a dívida se torna grande demais, os devedores darão calote. Se isso acontecer, as exaltadas “poupanças” dos países com superávit provarão ser ilusórias: as finanças do vendedor se tornam, após o fato, subsídios abertos à exportação.

Eu estou começando a me perguntar se a economia aberta global sobreviverá à crise. A zona do euro já pode estar em perigo. As intervenções da semana passada por Wen Jiabao, o primeiro-ministro da China, e por Wolfgang Schäuble, o ministro das Finanças da Alemanha, ilustram perfeitamente esses riscos.
A base do argumento de Schäuble não envolveu o debate sobre um Fundo Monetário Europeu, que não poderia, mesmo se aceito e implantado, alterar as pressões criadas pelos imensos desequilíbrios macroeconômicos dentro da zona do euro.Suas ideias centrais são: combinar ajuda de emergência para os países com déficits fiscais excessivos com penalidades severas; suspensão dos direitos de votação dos membros que se comportam mal dentro da zona do euro; e permitir a saída de um membro da união monetária, apesar de permanecer dentro da União Europeia. De repente, a zona do euro não é irreversível: assim disse a Alemanha.

Três pontos podem ser extraídos desta mudança de posição do país mais poderoso da Europa: primeiro, ela terá um impacto altamente deflacionário; segundo, é inviável; e, terceiro, ela poderia abrir o caminho para a saída da Alemanha da zona do euro.

Eu expliquei o primeiro ponto na semana passada. Se as coisas ocorrerem como deseja a Alemanha, a segunda maior economia do mundo exerceria um papel negativo na busca por uma saída da recessão global na demanda agregada. A zona do euro não exportaria a demanda que o mundo atualmente precisa. Ela exportaria, sim, excesso de oferta.

Imagine que os países mais fracos da zona do euro fossem forçados a reduzir acentuadamente seus déficits fiscais. Isso certamente enfraqueceria toda a economia da zona do euro. Mas o resultado também seria uma deterioração fiscal na Alemanha e na França. Imagine então a Alemanha tendo que adotar a mesma política desagradável. Ela instruiria a França a fazer o mesmo? Afinal, a França já tem um déficit do governo geral previsto pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em próximo de 9% do produto interno bruto neste ano. Schäuble imagina que a França possa ser multada? Certamente não. Logo, não são as finanças públicas gregas que ameaçam a estabilidade da zona do euro. Elas são uma bagatela. A ameaça são as finanças públicos dos países grandes. Como a Alemanha não pode forçar esses países a se comportarem e não tem chance de expulsar nenhum membro que desaprove da zona do euro, ela mesma teria que sair. Essa é a lógica das ideias de Schäuble. Isto também deve ser óbvio para ele.

A Alemanha está em uma união monetária supostamente irrevogável com alguns de seus principais consumidores. Ela agora deseja que eles deflacionem seu caminho para a prosperidade em um mundo de demanda agregada cronicamente fraca. Wen tem a mesma ideia. Mas a economia que ele deseja que busque esta meta é a americana. Pode sonhar.

Falando no final do Congresso Nacional Popular, Wen declarou: “O que eu não entendo é desvalorizar sua própria moeda e tentar pressionar outros para que a valorizem, visando aumentar as exportações. No meu entender, isso é protecionismo”. Ele também insistiu estar preocupado com a segurança dos investimentos em dólar da China.

Eu me pergunto o que o primeiro-ministro Wen quis dizer com isso, além de dizer aos Estados Unidos para que deixem a política cambial da China em paz? Se o desejo americano de um dólar mais fraco é “protecionismo”, o que dizer da determinação da China em manter sua moeda desvalorizada, haja o que houver? Não há nada evidentemente “protecionista” em pedir a um país com um superávit imenso em conta corrente para reduzi-lo, em um momento de demanda global fraca. Se eu entendi a posição declarada da China corretamente, ela deseja que os Estados Unidos se deflacionem para terem competitividade por meio de contração fiscal e monetária e, presumivelmente, com queda dos preços domésticos. Isso seria temerário para os Estados Unidos. Mas também seria temerário para a China e para o restante do mundo. E também não vai acontecer. A China certamente sabe disso.

Por trás de tudo isso há uma divisão fundamental. Os países com superávit insistem em continuar como antes. Mas eles se recusam a aceitar que sua dependência em superávits de exportação atingirá eles mesmos, assim que seus consumidores quebrarem. De fato, isso é exatamente o que está acontecendo. Por sua vez, os países com imensos déficits externos no passado podem cortar os imensos déficits fiscais, que resultaram da desalavancagem pós-bolha de seus setores privados, apenas por meio de um grande aumento em suas exportações líquidas. Se os países com superávit não compensarem essa mudança, por meio de uma expansão da demanda agregada, o mundo será inevitavelmente pego em uma batalha “empobreça seu vizinho”: todo mundo buscando desesperadamente empurrar seu excesso de oferta aos seus parceiros comerciais. Esse foi um fator importante na catástrofe dos anos 30.

Nesta batalha, os países com superávit dificilmente vencerão. Uma perturbação na zona do euro seria muito ruim para o setor manufatureiro alemão. Os Estados Unidos recorrerem ao protecionismo seria muito ruim para a China. Aqueles que os deuses desejam destruir, eles primeiro os enlouquecem. Não é tarde demais para a busca de soluções cooperativas. Ambos os lados precisam se ajustar. Esqueçam todo o moralismo hipócrita. Que tal experimentar um pouco de simples bom senso.

Tradução: George El Khouri Andolfato


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quarta-feira, 17 de março de 2010

A lição grega

FSP
17/3/2010 09:58:21

ANTONIO DELFIM NETTO

A CRISE GREGA que ameaça o euro mostra claramente o avanço que o Brasil realizou desde 2000 com a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Progresso técnico, inspirado pelo FMI depois da ajuda pedida às pressas em 1998, quando estávamos a ponto de declarar novo "default" no final do primeiro mandato de FHC. E progresso ideológico: o PT e Lula, que na ocasião a combateram com unhas e dentes, hoje reconhecem suas virtudes.
A Eurolândia (a Europa do euro) não é uma Área Monetária Ótima (AMO) por muitos motivos. O principal dos quais é a diversidade de organização dos países. A Alemanha, por exemplo, com a sua disciplina e a sua "economia social de mercado" fortemente competitiva e sindicatos cooperativos. E a França e a Itália, com suas frouxas e lenientes "social democracias" e sindicatos não cooperativos. Cada uma delas tem violado, um pouco mais, um pouco menos, à sua própria maneira, as condições fiscais exigidas pelo Tratado de Maastricht.
O fato quase inacreditável é que a Grécia violou sistematicamente aquelas condições. Mesmo antes de ser incorporada à Eurolândia, sabia-se dos truques fiscais realizados em conluio com renomadas instituições financeiras. Aparentemente, ela foi admitida porque quase todos os outros países usavam a mesma fantasia contábil. Agora estão sendo auditados 12 dos 16 países que usam o euro.
Sem um enorme esforço para restabelecer o equilíbrio fiscal de todos os membros da Eurolândia, é pouco provável que o euro tenha futuro como uma possível moeda de irrestrito uso internacional na próxima década. O maior risco à sua sobrevivência é que as políticas salariais e os avanços da produtividade dos países têm sido muito desiguais, o que altera as taxas de câmbio real e, consequentemente, o seu nível de emprego.
O Brasil transformou-se numa Área Monetária Ótima exatamente por causa da Lei de Responsabilidade Fiscal. Ela impôs um mínimo de exigências de equilíbrio fiscal entre os Estados-membros da Federação. É incrível, portanto, que ainda haja quem no Brasil deseje "flexibilizá-la", "afrouxá-la" ou "ajustá-la", como são prova as inúmeras e absurdas propostas que infestam o Congresso Nacional e a irresponsabilidade sugerida em alguns programas partidários. O exemplo grego deveria levar-nos a transformá-la em cláusula pétrea constitucional, por proteger-nos contra a ignorância e o oportunismo político.

contatodelfimnetto@uol.com.br
ANTONIO DELFIM NETTO escreve às quartas-feiras nesta coluna.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Instrumentos, mais instrumentos

Terça-Feira, 02 de Março de 2010 0


Ilan Goldfajn


Estou voltando da Coreia. São mais de 24 horas de voo. Tempo mais do que suficiente para escrever este artigo. Mas o jet lag, a fadiga do corpo por causa da viagem e da diferença de horário, parece um obstáculo quase intransponível. As propostas discutidas nos seminários internacionais na Coreia, nos últimos dias, também parecem sofrer de fadiga, mas da crise financeira e suas consequências. Como resolver o problema das dívidas e déficits dos governos após a crise? Como regular o sistema financeiro após o seu colapso? E as políticas regulatórias e macroeconômicas, como devem mudar ou ser aperfeiçoadas?

Dada a extensão dos problemas atuais, os participantes se esforçavam para apresentar propostas boas e originais. Mas, usando uma frase já folclórica entre os economistas: "Infelizmente, as propostas boas não eram originais, e as originais não eram boas."

Entre as originais, inclui-se a elevação das metas de inflação, proposta pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Entre as outras, o uso mais intenso de várias medidas para evitar bolhas e a necessidade urgente de divulgar planos de ajuste fiscal futuros para impedir a explosão das dívidas dos países avançados no longo prazo.

No papel de propostas nem boas nem originais se encontra a reavaliação do uso de controle de capitais pelo FMI. Em geral, a sensação é de uma busca frenética por mais instrumentos para resolver as agruras atuais, já que existem vários objetivos conflitantes (disciplina fiscal versus estímulo, juros baixos versus novas bolhas, evitar a crise futura versus sair desta).

Na questão fiscal, a dificuldade é evidente. Em um artigo do FMI, Carlo Cottarelli e Jose Viñals projetam que a dívida pública combinada dos países desenvolvidos irá subir de 73% do Produto Interno Bruto (PIB), em final de 2007, para 109% do PIB, em 2014 (usa-se aqui a dívida bruta, não a líquida ? que desconta da dívida os ativos dos governos. O número correspondente no Brasil seria de 63,8% do PIB hoje). Todos os países do G-7, com exceção do Canadá, teriam cada um uma dívida de pelo menos 85% neste ano.

Nem tudo é consequência da crise e do dinheiro público usado nos resgates. Uma boa parte do aumento se deve ao envelhecimento da população nessas economias (menos ativos para financiar mais aposentados) e às necessidades crescentes na área de saúde. A crise só piorou uma situação que já era delicada. O artigo calcula que, para conseguir estabilizar a dívida no valor de 60% do PIB, ao final de 2020, seria preciso um ajuste médio de 8% do PIB nos déficits públicos desses países. Para simplesmente evitar a explosão da dívida seria necessário um ajuste de 5% do PIB nos déficits, calcularam os autores na apresentação. O ajuste fiscal teria de ser uma combinação de corte de gastos correntes, inclusive redução dos benefícios previdenciários e de saúde esperados, e aumento de impostos.

Aqui não há solução de resgate entre os países desenvolvidos: a dívida mencionada é a soma do grupo, não muda seu tamanho se a Alemanha resgata a Grécia, Portugal ou Espanha. O problema é que todos os países (ou quase todos) desenvolvidos terão de fazer o ajuste fiscal simultaneamente. E se isso impactar muito o crescimento, a relação dívida PIB não cairá como deveria. Para um economista latino-americano parece o roteiro de um filme da década de 1980 (ou de um filme argentino mais moderno). O final termina em uma ou duas décadas perdidas.

De longe, a proposta mais polêmica foi a do economista chefe do FMI, Olivier Blanchard (num artigo com Giovanni Dell"Ariccia e Paolo Mauro), que sugere aumentar as metas de inflação dos países para pelo menos 4%. A ideia é não cair na próxima crise no piso dos juros nulos ? não se consegue reduzir os juros nominais para valores negativos ? mesmo quando a economia precisaria de mais quedas. Quanto maior a inflação, maiores os juros nominais e mais longe do piso estariam os países que adotassem essa meta.

A resposta do membro alemão do Banco Central Europeu à proposta foi um sonoro "não". O receio é a perda de credibilidade (por que não subir para 6% na próxima vez que precisar) e o risco de que nesses países venham a se desenvolver mecanismos de indexação já inexistentes. Além disso, há dúvidas se as medidas adotadas após os juros chegaram a zero ? como as emissões de moedas e compra de ativos podres não foram instrumentos suficientes na crise.

Ênfase foi dada ao uso de mais instrumentos na política macroeconômica. Não é necessário se concentrar na taxa de juros básica, controlada pelos bancos centrais, para resolver todos os problemas que surgem. Se há excesso de alavancagem (ou seja, excesso de risco), há que exigir mais capital, de preferência na hora do boom. Se há muita (ou, ao contrário, pouca) liquidez, modifiquem-se as razões de liquidez exigidas aos bancos. Quando houver bolha no mercado imobiliário, o regulador deve exigir valores mais altos de sinal na compra, em relação ao empréstimo tomado do banco. Se os mercados acionários parecerem destoar da realidade e dos fundamentos, exigem-se mais margens depositadas para efetuar as transações.

Todos esses instrumentos são falíveis, mas a ideia é que façam parte de um arcabouço macro-prudencial que possa diminuir a incidência e o custo das crises futuras.

E, para o Brasil, qual é a lição desses debates internacionais? A mesma dos países avançados: é quando a situação está sob controle que regras e programas de longo prazo devem ser desenhados. Por exemplo, está na hora de aprovar regras de controle de longo prazo no crescimento dos gastos correntes, rever a situação atuarial da Previdência (o Brasil não será um país jovem para sempre) e abrir espaço para o investimento (público e privado). Nada original, mas bom o suficiente.

Ilan Goldfajn é economista-chefe do Itaú Unibanco