segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Justiça suíça congela US$ 13 mi das contas de Maluf

Se somado ao dinheiro ainda bloqueado nas ilhas Jersey, a família Maluf conta com um total de US$ 35 milhões confiscado temporariamente na Europa

18 de janeiro de 2011 | 15h 28


Jamil Chade, de O Estado de S.Paulo
GENEBRA - A Justiça suíça decide manter sob confisco mais de US$ 13 milhões em nome da família do ex-prefeito Paulo Maluf em contas nos bancos do país dos Alpes. Se somado ao dinheiro ainda bloqueado nas ilhas Jersey, a família Maluf conta com um total de US$ 35 milhões confiscado temporariamente na Europa.

A decisão do congelamento dos bens em contas na Suíça foi tomada nos últimos dias de 2010, mas apenas se tornou pública na segunda-feira. Dez anos depois de informar o Brasil sobre as movimentações suspeitas de Maluf, o governo suíço havia enviado um questionário à Justiça brasileira para saber se ainda queria manter o dinheiro congelado.

Em 2001, o Ministério Público de Genebra comunicou Brasília sobre a movimentação em nome do ex-prefeito que, naquele ano, retirou dos bancos da cidade dezenas de milhões de dólares e os transferiu, segundo o próprio ex-procurador-geral de Genebra, Bernard Bertossa, para as Ilhas Jersey, onde já possui conta. Mais de US$ 110 milhões teriam sido transferidos para o paraíso fiscal.

Nem tudo, porém, foi enviado e o montante que ficou na Suíça acabou sendo congelado, sob a suspeita de ser fruto de corrupção e desvio de verbas públicas. Segundo a Justiça, porém, o dinheiro estaria em grande parte em contas no nome de uma empresa offshore ligada à filha do ex-prefeito, Lygia Maluf, na cidade de Lausanne.

O objetivo do congelamento era o de permitir que um processo no Brasil pudesse avançar e, se condenado, Maluf teria de devolver o dinheiro aos cofres públicos. O problema é que, dez anos após a descoberta dos recursos, até hoje a Justiça brasileira não conseguiu condenar em última instância o ex-prefeito. Segundo confirmou a assessoria de imprensa do Ministério Público suíço, a devolução do dinheiro apenas pode ocorrer se houver uma condenação de Maluf no Brasil e nenhum recurso puder ser apresentado.

Ainda assim, o MP considerou que, diante dos indícios apresentados pelos promotores brasileiros, seria "justificável" manter os recursos em sequestro. Para renovar o bloqueio, os suíços avaliaram os estudos e investigações feitas no Brasil sobre o trajeto do dinheiro.

A corte de Jersey também havia aceitou em 2010 uma acusação apresentada pela prefeitura de São Paulo e congelou de forma preventiva US$ 22 milhões em ações que supostamente pertencem a empresas da família Maluf. O dinheiro seria parte do esquema que transferiu recursos públicos nos anos 90 para contas no exterior. A acusação apresentada indica que Maluf teria fraudado a cidade de São Paulo, com a ajuda de empreiteiras e de seu filho, Flávio Maluf.

Para tentar garantir a condenação, os advogados da prefeitura submeteram à Jersey uma série de documentos. Um deles aponta que, apenas no dia 8 de janeiro de 1998, uma transferência de R$ 2 milhões foi feita à família por uma construtora. Entre 1997 e 1998, essa construtora recebeu cerca de R$ 57,2 milhões da prefeitura de São Paulo como forma de pagamento por contratos obtidos. Esse dinheiro, segundo o documento, seria fruto de recibos falsos entregues pela construtora à prefeitura, que ainda assim os pagava.

O dinheiro das propinas a Maluf e sua família iam para a conta Chananim, no Banco Safra de Nova Iorque. De lá, os recursos seguia para as contas da Durant Internacional, uma offshore, nos bancos Deutsche, Morgan e Grenfell Limited em Jersey entre 14 de janeiro de 1998 e 23 de janeiro daquele ano.

Para tentar provar que o envolvimento de Maluf com as offshore, os advogados da prefeitura ainda entregaram ao tribunal cartas dos advogados de Maluf em Genebra, Schellenberg Wittmer, aos gerentes de contas do Deutsche Bank de Jersey, mostrando a relação entre o ex-prefeito e as empresas.

Gestão de capitais nos bancos

VE

24/1/2011 10:39:31

Reveste-se da maior importância a minuta colocada em audiência pública pelo Banco Central (BC) dispondo sobre a implementação da estrutura de gestão de capital pelas instituições financeiras, em especial, dos bancos. A estrutura de gestão de capital, segundo os preceitos e diretrizes do Comitê de Basileia, diz respeito ao gerenciamento do risco, da avaliação da necessidade de capital e da divulgação de informações das atividades empreendidas pelos bancos na intermediação e transmutação financeira. Ou, em outras palavras, como manter a conduta dos agentes financeiros em níveis prudentes? A recente crise de 2008-2009, que ainda ecoa nos mercados europeus, mostra que o assunto é sério.
Em essência, a minuta propõe repensar o conceito do capital dos bancos. Definindo a gestão de capital como um processo contínuo de monitoramento e controle, pretende forçar os bancos a avaliar constantemente a necessidade de capital e a planejar metas e objetivos estratégicos, com base no mutante cenário econômico. Há, portanto, a mudança de uma postura reativa para uma visão mais proativa. Evidente que há grandes conglomerados financeiros que já difundiram essa cultura, mas é certo que o mercado ainda não está afinado com a visão de que identificar problemas antes que eles ocorram, é sempre melhor do que remediar uma solução ex-post facto.
A forma de pensar em políticas de estrutura de capital num horizonte de mais longo prazo (na minuta, a proposta é de três anos) abrange um "Plano de Capital", de mecanismos de governança interna e de transparência, além da obrigatória implementação de procedimentos e parâmetros relativos à implementação do Processo Interno de Avaliação da Adequação de Capital (ICAAP) para as instituições financeiras que possuam ativos superiores a R$ 100 bilhões.
Finalmente, a minuta conclui que a estrutura de gestão de capital deve indicar um diretor responsável pela organização, assim como o seu departamento; seis meses depois, apresentar a definição de processos e procedimentos de sistemas necessários à sua implementação, que deve ocorrer até o final de 2012.
Minuta propõe contínuo monitoramento e planejamento de metas, com base no mutante cenário econômico
Os mercados mundiais aprendem com as crises. Simulações de condições extremas, os chamados testes de estresse não eram práticas usuais numa indústria coberta pelo segredo e pela aguda discrição. No auge da crise, pouca credibilidade tiveram, já que os mercados desconfiaram de seus critérios e agora precisam se reinventar. Neste sentido, a minuta avança e está na vanguarda, já que contempla, de forma ampla e macroscópica, sem os ranços dirigistas do passado, um modelo que procura transparência e responsabilidade, além da necessária disciplina de mercado.
Mesmo assim, é importante invocar as lições do passado. Bancos não são negócios comerciais comuns, por uma razão muito singela, apontada por David Ricardo, e citada por Walter Bahegot: "A característica distintiva do banqueiro, afirma Ricardo, inicia-se enquanto ele usa o dinheiro dos outros; enquanto usa o seu próprio dinheiro, ele é somente um capitalista."
Por serem negócios especiais, é que é preciso haver supervisão bancária intensa e eficiente. Ainda que a atual regulação de patrimônio liquido exigível seja mais rigorosa aqui do que no exterior, é uma ilusão acreditar que práticas de mercado substituem a boa e velha supervisão bancária e o nosso Banco Central, a despeito de todas as críticas (nem sempre justas), tem exercido esta função de modo eficiente e abrangente, e, principalmente, de modo coeso, abandonando de vez a ideia de que segregar a fiscalização da autoridade monetária. Mas é preciso mais recursos, treinamento e sistemas; intercâmbio de pessoas com outros bancos centrais incrementariam e aprofundariam o arsenal supervisório.
O sistema financeiro vive de precificar risco. Risco tem sinônimo com "álea", mas ao mesmo tempo um sentido diverso, já que risco é calculável. Álea tem sua origem no latim alea, que, naquela língua, tem, como substantivo, um significado preciso: "dado de jogar". Um bom resumo da noção de risco está exatamente na noção de jogo - não jogos de azar, mas simplesmente jogo. Em qualquer jogo, como se sabe, convivem, em igualdade de condições, e com o cumprimento de regras determinadas, a probabilidade da perda e a probabilidade de ganho. Risco contém, portanto, álea, ou seja, aquilo que traz, ao mesmo tempo, a chance de prejuízo e a hipótese de lucro. No entanto, risco, como mostra a minuta em comento, pode ser amortecido com um eficiente estrutura de gestão de capital. Valendo-se da lição de Kindleberger, o grande teórico das crises bancárias, riscos só se sentem quando "se tornam graves, quando as flutuações no valor da riqueza contaminam os bancos" - e isto nem sempre é óbvio ou visível. Oxalá as propostas apresentadas, com o devido aperfeiçoamento dos agentes de mercado, contribuam de modo certeiro para assegurar a estabilidade do sistema financeiro.
Jairo Saddi - Pós-Doutor pela Universidade de Oxford. Doutor em Direito Econômico (USP). Professor de Direito do Insper (ex-Ibmec São Paulo). Escreve mensalmente às segundas-feiras.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Os avanços e os recuos na regulamentação financeira

VE
14/1/2011 10:24:19

EDITORIAL
Quatro anos depois da eclosão da crise internacional, que começou em 2007 nos Estados Unidos com o estouro da bolha imobiliária, ainda não foi possível concluir e pôr em prática a reforma do sistema financeiro global, nascedouro da maior convulsão econômica desde o crash de 1929.
É verdade que o desafio não é simples e que houve alguns avanços. Os Estados Unidos caminharam paralelamente para reformar seu sistema financeiro, que desenvolveu várias aberrações como o "shadow banking", operações financeiras que corriam à margem do sistema fiscalizado; e as securitizações criativas. A nova regulamentação americana pretendeu pôr um fim a essas anomalias.
Em relação ao fortalecimento do capital das instituições financeiras, a discussão ficou no âmbito do Banco para Compensações Internacionais (BIS), o banco central dos bancos centrais, sediado na Basileia, Suíça. O novo acordo sobre o capital mínimo dos bancos, chamado de Basileia 3, foi concluído no fim de 2010, mas será implementado gradualmente de 2013 a 2019.
Os reguladores foram obrigados a optar pelo gradualismo porque exigir mais capital dos bancos significa menor capacidade de dar crédito, o que tem impacto direto na delicada recuperação da economia mundial.
Mas um grande passo foi dado, com o refinamento das definições de capital de mais alta qualidade, excluindo-se reservas voláteis ou temporárias, e a criação das reservas de proteção e do colchão contracíclico, cujas características somente vieram à luz na reunião do BIS do último fim de semana.
Pela regra acordada por 27 países-membros do Comitê da Basileia de Supervisão Bancária, inclusive o Brasil, o país que avaliar que sua economia está superaquecida deve exigir mais capital dos bancos para cobrir perdas potenciais. A determinação deve ser seguida por outros países cujos bancos também operam no mercado em que a bolha está se desenvolvendo.
Os reguladores poderão exigir dos bancos um reforço de capital equivalente a até 2,5% dos ativos ponderados pelo risco para a formação do colchão contracíclico. Essa exigência será adicionada ao capital mínimo de nível 1 de 4,5% e ao colchão de proteção de 2,5% fixados anteriormente. Assim, o capital mínimo dos bancos poderá chegar a 9,5%. Quando a bolha estourar, as reservas contracíclicas serão desfeitas para cobrir as perdas dos bancos. Essa é uma típica medida macroprudencial que tende a desacelerar um ciclo econômico, sem ser instrumento de política monetária.
Ao estender a exigência do capital contracíclico a todos os bancos que operam em determinado mercado, o BIS atacou um problema antigo. Quando a exigência de reforçar as reservas era feita apenas aos bancos de um país, eles alegavam que ficavam em desvantagem perante os de outras partes do mundo, que precisavam de menos capital.
Ainda há algumas dúvidas a respeito da nova regra. A principal delas é o critério para se detectar uma bolha. Em princípio, seria a relação entre o crédito e o Produto Interno Bruto (PIB) do país. Mas esse termômetro não é perfeito. No Brasil, por exemplo, a relação crédito-PIB está perto de 50%, bem inferior aos 100% da Tailândia, mas o próprio Banco Central (BC) diz que o crédito para pessoa física está muito aquecido.
Nem tudo são avanços, porém. A recente discussão das autoridades inglesas com seus bancos em torno da distribuição de bônus mostra que velhas práticas ainda subexistem. Tudo começou quando foi divulgado que o presidente do Royal Bank of Scotland (RBS), Stephen Hester, receberia bônus polpudos neste ano. A notícia despertou a ira popular, pois o RBS só não quebrou na crise porque foi salvo com dinheiro público e acabou estatizado em 2008. Pertencem ao governo inglês 70% do seu capital.
Reagindo ao clamor popular e usando seu poder de acionista, o primeiro-ministro, David Cameron, afirmou que o bônus do presidente do RBS deveria ser o menor do mercado. Bob Diamond, presidente do Barclays, que abriu mão de seus bônus nos últimos dois anos, disse que deve ficar para trás o período "de remorsos e desculpas" dos banqueiros. Os bancos americanos já voltaram a distribuir os bônus, apesar de estarem devendo ao governo americano.
Sabe-se que é prática do mercado financeiro distribuir bônus para incentivar os executivos. Mas a memória dos banqueiros também parece curta. Uma das várias lições da crise financeira internacional é que a distribuição de bônus deve seguir regras que não prejudiquem a empresa, tirando do caixa o dinheiro que poderia reduzir seu endividamento, nem estimulem a tomada de risco excessivo.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

sábado, 8 de janeiro de 2011

Fica preservado o câmbio flutuante

Editorial Diário de Pernambuco
Edição de sábado, 8 de janeiro de 2011


A autoridade monetária do governo Dilma Rousseff deu, quinta-feira, a primeira demonstração de que não pretende abrir mão da credibilidade conquistada nos últimos anos. A reação do Banco Central (BC) às pressões geradas pela questão cambial acerta no timing e no conteúdo. Ninguém deve esperar mudanças bruscas nem profundas na trajetória do dólar nos próximos meses em razão da medida anunciada. Mas, sem dúvida, ela veio na hora certa. A criação do compulsório de 60% sobre o valor das posições vendidas em câmbio das instituições financeiras esfriou preocupações desnecessárias. Elas tinham sido provocadas pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, que na terça-feira convocou entrevista para falar sobre o câmbio e disse apenas que o governo tomaria medidas para ´evitar que o dólar derreta`.

Nada mais foi informado: agentes financeiros, exportadores e importadores ficaram na expectativa de um anúncio importante. Como a experiência já ensinou, a sensibilidade desses mercados é fortemente afetada por atitudes que sinalizam insegurança ou falta de ferramentas. Era preciso oferecer algo bem pensado, logo. A solução apresentada não fecha a porta aos dólares que entram no Brasil em busca de ganhos exclusivamente financeiros (juros elevados) e cambiais (apostas em mais desvalorização da moeda norte-americana). Mas torna a operação especulativa mais onerosa e, portanto, menos atraente. O recente aumento acelerado das posições vendidas em dólar no sistema indicam o convencimento da maioria dos agentes do mercado quanto à continuidade da valorização do real.

Era aconselhável alguma reação preventiva por parte da autoridade. O que não cabe a esta altura é a ameaça vazia, sem qualquer medida efetiva, concreta. Naturalmente marcado pelo imponderável, o câmbio dispensa e cobra caro por incertezas criadas em vão. Se está difícil a convivência de parte da indústria, especialmente dos setores menos competitivos ou mais tributados, com o real valorizado, a expectativa frustrada de mudanças anunciadas só serve para pressionar o governo por alguma reação. O novo BC passou no teste. Nesse cenário, tão ruim ou pior do que não fazer nada seria optar pela coisa errada. O compulsório não vai além de colocar um freio moderado no ritmo da especulação que, se exagerada, pode levar a desequilíbrios que exigirão remédios mais amargos e inconvenientes. Tem ainda a vantagem de evitar novas operações de swaps cambiais reversos que, embora úteis em algumas situações, podem estimular outra face da especulação: a do mercado contra o BC.

Também parece caminhar para o limite da conveniência a compra de dólares no mercado à vista. Só em 2010 o governo comprou US$ 41 bilhões para amenizar a desvalorização do real. Trata-se de operação onerosa para o Tesouro, já que a remuneração obtida no mercado internacional por esse dinheiro é muito inferior ao custo de captação em reais no mercado interno. Portanto, não bastasse a oportunidade da medida, é tranquilizadora a constatação de que o BC, em meio a tantas pressões, não deixou de oferecer uma resposta, mas - e isso éo que importa - nem de longe colocou em risco o paradigma do câmbio flutuante.

sábado, 1 de janeiro de 2011

Bancos centrais e o B de Brics

Bancos centrais e o B de Brics

21 de dezembro de 2010 | 0h 00

LOURDES SOLA - O Estado de S.Paulo

A questão da autonomia dos bancos centrais volta ao centro do palco nos cenários global e doméstico por vias transversas. Nos Estados Unidos, a heterodoxia do Fed - sobretudo o afrouxamento monetário - motiva a direita republicana a contestar o mandato dual da instituição: mirar a estabilidade de preços e a maximização do emprego. A prioridade do Fed no cenário atual é contornar a ameaça da deflação, cujas consequências são destrutivas para o tecido social e para a ordem política. Do outro lado do Atlântico, o Banco Central Europeu, um dos falcões da ortodoxia, recorre a medidas heterodoxas também em nome do interesse público: a preservação do euro e da unidade monetária da Europa. Por sua vez, as autoridades da China se recusam a abdicar da apreciação artificial de sua moeda indexada ao dólar, para preservar o impulso exportador. Afirmam que cabe aos Estados Unidos fazer os ajustamentos difíceis: disciplinas fiscal e monetárias de cunho ultraortodoxo, o que equivale a deflação e mais desemprego.

Nesse cenário movediço é irônica a reação simplista das autoridades brasileiras às políticas do Fed. Querem-se de esquerda e keynesianas e empenharam-se, corretamente, em políticas anticíclicas para enfrentar a crise global. Mas responsabilizam os Estados Unidos por manipulação cambial, descartando assim três tipos de evidência pertinentes. Primeira, embora a desvalorização do dólar seja, de fato, um problema para os emergentes, cujas moedas se apreciam, ela é apenas um subproduto das políticas de re-flação do Fed. Segunda, a apreciação do real se deve também às oportunidades de investimento que os emergentes oferecem, não só à política monetária dos Estados Unidos. Terceira: a apreciação artificial da moeda chinesa serve bem a uma estratégia de crescimento fundada no impulso exportador, mas, por ser ultranacionalista, não serve à causa da melhora nas condições de governança global, em nome da qual nossas autoridades falam.

A relativa independência em relação aos Estados Unidos é uma das marcas registradas da tradição diplomática brasileira, avessa a alinhamentos automáticos (bandwagonning). Outra é o pragmatismo. Juntas, significam que a ênfase negativa deve recair sobre o "automático", por isso deve-se incluir também o desalinhamento automático com os Estados Unidos, típica do viés antiamericano. Diante de um quadro global instável, cabe ao B de Brics, com seu apreço pela paz cambial, cultivar nossos dotes de liderança no terroir do G-20: coordenando com outros emergentes democráticos soluções cooperativas para minimizar os efeitos de uma apreciação cambial.

O viés ideológico distorce a percepção dos nossos interesses também quando se trata de converter a autonomia operacional de fato do nosso Banco Central (BC) em autonomia de jure. Em menos de seis dias o tema foi trazido à tona. De um ângulo positivo, episódios que compõem um quadro de relativa continuidade: o aumento do compulsório dos bancos; as homenagens a Henrique Meirelles, a nomeação de Alexandre Tombini. Ao mesmo tempo, o parecer do senador Francisco Dornelles, que dá estatuto legal à autonomia operacional do BC, apresentado à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE) em 3/12, ilustra as dificuldades recorrentes sempre que a autonomia de jure da instituição entra em pauta.

Os cuidados do senador evidenciam as dificuldades, mais imaginárias do que reais, que enrijecem desnecessariamente o debate no Brasil. Se aprovada, a medida entraria em vigor apenas em 2015, valendo apenas para o(a) sucessor(a) da presidenta eleita. Os argumentos são sintomáticos: "em respeito à prerrogativa da presidente Dilma Rousseff", pois "poderíamos dar a impressão de estarmos jogando uma aura de desconfiança na presidente eleita, o que não queremos fazer" (Valor, 6/12). Tais cuidados atestam a permanência dos elementos conservadores de nossa cultura política, intensamente mobilizados quando se trata do tema. Por um lado, a reiteração da tendência a prorrogar a decisão, já observada oito anos atrás, quando da transição do governo FHC para o atual. Por outro lado, a identificação errônea entre um problema de construção institucional, a ser debatido à luz de uma perspectiva de longo prazo, com uma restrição à pessoa de quem exerce a autoridade constituída. Omite-se que a autonomia operacional de jure institucionaliza também os poderes do Conselho Monetário Nacional, órgão que determina as metas de inflação e cujos integrantes dependem da nomeação da presidente, ou seja, o ministro da Fazenda, o do Planejamento e o presidente do Banco Central.

Entre um viés ideológico e antiamericanismos, perdem-se de vista dois aspectos relevantes. Um, a importância do debate em torno ao desenho institucional que se quer para o nosso BC. Dois, o que podemos aprender com os Estados Unidos. Pois é em tempos de crises sistêmicas que o desenho institucional de uma instituição é posto à prova. É quando se revela sua capacidade de absorver choques sem ruptura institucional e sem perder eficácia em termos de governança.

A crise global hoje evidencia que a flexibilidade do Fed é inerente ao seu desenho institucional, ou seja, é inseparável de seu mandato dual. Os legisladores americanos, sob o impacto da crise de 1930, delegaram ao seu presidente e ao comitê que preside a responsabilidade e o poder (enormes) de compatibilizar estabilidade econômica com maximização do emprego. E em sintonia fina com as circunstâncias vigentes. Por isso nos anos 70, seu então presidente, Paul Volcker, confrontado com inflação desatada, pôde mirar o objetivo de estabilidade; enquanto Ben Bernanke, hoje, pode privilegiar a maximização da atividade econômica e do emprego - sem confrontar a Constituição. Sem antiamericanismos, deveríamos apreciar as vantagens desse desenho flexível.

PHD EM CIÊNCIA POLÍTICA PELA UNIVERSIDADE DE OXFORD, PROFESSORA APOSENTADA DA USP, É MEMBRO DA ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIA