sábado, 22 de outubro de 2011

Ocupem os Bancos de Crédito Imobiliário

Por Simon Johnson - Valor 21/10

Os participantes do movimento "Ocupem Wall Street" estão certos em argumentar que os grandes bancos nunca passaram por investigação apropriada pela criação, agrupamento e securitização de hipotecas, motivos centrais da crise financeira - e da perda de mais de oito milhões de empregos.
Graças, no entanto, aos esforços do procurador-geral de Nova York, Eric Schneiderman, entre outros, foram iniciadas negociações sérias nos Estados Unidos em busca de um acordo sobre as hipotecas, fora dos tribunais, entre procuradores-gerais estaduais e empresas de destaque no setor financeiro. As conversas entre autoridades estaduais, o governo Obama e os bancos estão concentradas nas notícias de abusos nas hipotecas, execução de residências e despejos de moradores. Bancos importantes, contudo, também são acusados de comportamento ilegal - de induzir as pessoas a captar, por exemplo, enganando-as sobre as taxas de juros que teriam de pagar e de apresentar de forma distorcida os "títulos lastreados por hipotecas" (MBS, na sigla em inglês) resultantes aos investidores. Caso as acusações sejam verdadeiras, os executivos de bancos envolvidos devem temer que ações civis revelem evidências que possam ser usadas em ações criminais. Seu interesse, nesse caso, naturalmente seria buscar - como buscam agora - impedir que essas evidências cheguem aos tribunais. A estrutura e os valores de qualquer acordo fora dos tribunais sobre as hipotecas deveriam ser baseados nos danos provocados pelo suposto comportamento. Muitos americanos agora devem demasiado. Estima-se que cerca de 10 milhões de hipotecas estejam "debaixo d'água" (a residência vale menos que o empréstimo). E, em mercados importantes, nos EUA, depois de quatro anos de depressão nos preços residenciais, os valores continuam em queda. Se fossem créditos a empresas, os credores estudariam sua reestruturação - prorrogando os pagamentos e, normalmente, dando baixa contábil no principal. No mercado de hipotecas residenciais dos EUA, no entanto, isso é bem menos comum. Os bancos não querem milhões de negociações nem, muito menos, a necessidade de admitir as perdas que isso implicaria em sua carteira de crédito. Como resultado, as famílias tentam reduzir gastos e saldar suas dívidas. Até certo ponto, esse é o resultado natural de qualquer onda de alta expansão no crédito. E a desalavancagem das famílias nos EUA levará um longo tempo. As autoridades políticas e monetárias podem responder de três formas. Primeira, podem ficar sem fazer nada - aparentemente, a preferida da liderança parlamentar republicana, que recentemente escreveu ao presidente do Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA), Ben Bernanke, exigindo que ele não tente estimular de novo a economia. Segunda, poderiam continuar confiando na política monetária e fiscal convencional para tirar a economia da ociosidade. É a ainda favorecida pelo governo Obama, apesar do fraco desempenho da abordagem. Terceira, poderíamos adotar uma abordagem alternativa, que reduza diretamente o valor das hipotecas debaixo d'água. A essa altura, qualquer melhora no patrimônio dos consumidores estimularia diretamente a economia e criaria empregos. Comecemos pela proposta de Martin Feldstein, que recomenda uma troca: o governo deveria reduzir o valor das hipotecas quando estivessem suficientemente debaixo d'água, com o governo e os bancos dividindo os prejuízos; em troca, o captador concordaria que o novo empréstimo fosse do tipo de "recursos integrais". Isso significa que os credores poderiam ficar com outros ativos dos devedores - não apenas a casa -, em caso de inadimplência. A chave para a proposta é os bancos concordarem; é uma reestruturação voluntária das dívidas, sem pressão de nenhuma autoridade legal. Em princípio, os bancos deveriam sentir-se atraídos pela proposta, porque empréstimos reestruturados têm menor probabilidade de calote. Na prática, os bancos vêm relutando consistentemente em reestruturar hipotecas - e vêm demitindo pessoal, em vez de contratar as pessoas que poderiam ajudá-los a lidar com uma iniciativa dessa escala. Feldstein calcula que o custo com a redução do principal ficaria em torno a US$ 350 bilhões. Claro, em nosso atual cenário fiscal, seria difícil encontrar recursos adicionais no orçamento. Esses US$ 350 bilhões, contudo, são aproximadamente o que o setor financeiro lucrou, como um todo, em um trimestre normal durante a onda de auge do crédito - e os lucros nos trimestres mais recentes alcançaram ou superaram esse patamar. Portanto, se todo o custo fosse coberto pelos bancos, a maioria perderia o equivalente a menos de um ano de lucro - distribuído ao longo de vários anos. Esses lucros dos tempos de auge do crédito foram, de qualquer forma, superestimados, porque não foram ajustados ao risco, E quando os riscos de queda se materializaram, as perdas foram amplamente socializadas - principal motivo para a dívida pública dos EUA ter disparado nos últimos anos. Pedir aos acionistas e à administração das empresas para que paguem uma quantia relativamente pequena é inteiramente justo e apropriado sob essas circunstâncias. Alguns no setor financeiro, naturalmente, ameaçariam citando possíveis consequências sombrias. De fato, as ações dos bancos poderiam cair e seria inteiramente possível que a remuneração e bonificações encolhessem, pelo menos no curto prazo. Por outro lado, um acordo de grande escala que acabasse, de forma legítima e definitiva, com a ameaça de futuras ações legais removeria uma enorme sombra que paira sobre as maiores instituições de crédito, como o Bank of America, e cria riscos significativos para o resto do sistema financeiro. Se os bancos realmente fossem responsabilizados pelos custos sociais de seu comportamento, a conta excederia os US$ 300 bilhões a US$ 400 bilhões. Os riscos legais totais às instituições financeiras, avaliados de forma realista, superam o US$ 1 trilhão - se particularmente puder ser demonstrado que os MBS vendidos a investidores não eram lastreados por nenhuma hipoteca, porque a papelada legal apropriada nunca foi feita. Qualquer acordo também deveria incluir um acordo explícito dos bancos de apoio à alteração da lei de falências dos EUA, para permitir a inclusão das hipotecas nos processos nos tribunais. Se o movimento Ocupem Wall Street nos diz algo é que a última coisa que a economia dos EUA precisa é de mais famílias sufocadas por dívidas. (Tradução Sabino Ahumada) Simon Johnson foi economista-chefe do FMI, e é cofundador do blog sobre economia BaselineScenario.com, professor da MIT Sloan, membro sênior do Instituto Peterson para Economia Internacional e coautor de "13 Bankers" (13 banqueiros), com James Kwak. Copyright: Project Syndicate, 2011. Por Simon Johnson - Valor 21/10 Os participantes do movimento "Ocupem Wall Street" estão certos em argumentar que os grandes bancos nunca passaram por investigação apropriada pela criação, agrupamento e securitização de hipotecas, motivos centrais da crise financeira - e da perda de mais de oito milhões de empregos. Graças, no entanto, aos esforços do procurador-geral de Nova York, Eric Schneiderman, entre outros, foram iniciadas negociações sérias nos Estados Unidos em busca de um acordo sobre as hipotecas, fora dos tribunais, entre procuradores-gerais estaduais e empresas de destaque no setor financeiro. As conversas entre autoridades estaduais, o governo Obama e os bancos estão concentradas nas notícias de abusos nas hipotecas, execução de residências e despejos de moradores. Bancos importantes, contudo, também são acusados de comportamento ilegal - de induzir as pessoas a captar, por exemplo, enganando-as sobre as taxas de juros que teriam de pagar e de apresentar de forma distorcida os "títulos lastreados por hipotecas" (MBS, na sigla em inglês) resultantes aos investidores. Caso as acusações sejam verdadeiras, os executivos de bancos envolvidos devem temer que ações civis revelem evidências que possam ser usadas em ações criminais. Seu interesse, nesse caso, naturalmente seria buscar - como buscam agora - impedir que essas evidências cheguem aos tribunais. A estrutura e os valores de qualquer acordo fora dos tribunais sobre as hipotecas deveriam ser baseados nos danos provocados pelo suposto comportamento. Muitos americanos agora devem demasiado. Estima-se que cerca de 10 milhões de hipotecas estejam "debaixo d'água" (a residência vale menos que o empréstimo). E, em mercados importantes, nos EUA, depois de quatro anos de depressão nos preços residenciais, os valores continuam em queda. Se fossem créditos a empresas, os credores estudariam sua reestruturação - prorrogando os pagamentos e, normalmente, dando baixa contábil no principal. No mercado de hipotecas residenciais dos EUA, no entanto, isso é bem menos comum. Os bancos não querem milhões de negociações nem, muito menos, a necessidade de admitir as perdas que isso implicaria em sua carteira de crédito. Como resultado, as famílias tentam reduzir gastos e saldar suas dívidas. Até certo ponto, esse é o resultado natural de qualquer onda de alta expansão no crédito. E a desalavancagem das famílias nos EUA levará um longo tempo. As autoridades políticas e monetárias podem responder de três formas. Primeira, podem ficar sem fazer nada - aparentemente, a preferida da liderança parlamentar republicana, que recentemente escreveu ao presidente do Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA), Ben Bernanke, exigindo que ele não tente estimular de novo a economia. Segunda, poderiam continuar confiando na política monetária e fiscal convencional para tirar a economia da ociosidade. É a ainda favorecida pelo governo Obama, apesar do fraco desempenho da abordagem. Terceira, poderíamos adotar uma abordagem alternativa, que reduza diretamente o valor das hipotecas debaixo d'água. A essa altura, qualquer melhora no patrimônio dos consumidores estimularia diretamente a economia e criaria empregos. Comecemos pela proposta de Martin Feldstein, que recomenda uma troca: o governo deveria reduzir o valor das hipotecas quando estivessem suficientemente debaixo d'água, com o governo e os bancos dividindo os prejuízos; em troca, o captador concordaria que o novo empréstimo fosse do tipo de "recursos integrais". Isso significa que os credores poderiam ficar com outros ativos dos devedores - não apenas a casa -, em caso de inadimplência. A chave para a proposta é os bancos concordarem; é uma reestruturação voluntária das dívidas, sem pressão de nenhuma autoridade legal. Em princípio, os bancos deveriam sentir-se atraídos pela proposta, porque empréstimos reestruturados têm menor probabilidade de calote. Na prática, os bancos vêm relutando consistentemente em reestruturar hipotecas - e vêm demitindo pessoal, em vez de contratar as pessoas que poderiam ajudá-los a lidar com uma iniciativa dessa escala. Feldstein calcula que o custo com a redução do principal ficaria em torno a US$ 350 bilhões. Claro, em nosso atual cenário fiscal, seria difícil encontrar recursos adicionais no orçamento. Esses US$ 350 bilhões, contudo, são aproximadamente o que o setor financeiro lucrou, como um todo, em um trimestre normal durante a onda de auge do crédito - e os lucros nos trimestres mais recentes alcançaram ou superaram esse patamar. Portanto, se todo o custo fosse coberto pelos bancos, a maioria perderia o equivalente a menos de um ano de lucro - distribuído ao longo de vários anos. Esses lucros dos tempos de auge do crédito foram, de qualquer forma, superestimados, porque não foram ajustados ao risco, E quando os riscos de queda se materializaram, as perdas foram amplamente socializadas - principal motivo para a dívida pública dos EUA ter disparado nos últimos anos. Pedir aos acionistas e à administração das empresas para que paguem uma quantia relativamente pequena é inteiramente justo e apropriado sob essas circunstâncias. Alguns no setor financeiro, naturalmente, ameaçariam citando possíveis consequências sombrias. De fato, as ações dos bancos poderiam cair e seria inteiramente possível que a remuneração e bonificações encolhessem, pelo menos no curto prazo. Por outro lado, um acordo de grande escala que acabasse, de forma legítima e definitiva, com a ameaça de futuras ações legais removeria uma enorme sombra que paira sobre as maiores instituições de crédito, como o Bank of America, e cria riscos significativos para o resto do sistema financeiro. Se os bancos realmente fossem responsabilizados pelos custos sociais de seu comportamento, a conta excederia os US$ 300 bilhões a US$ 400 bilhões. Os riscos legais totais às instituições financeiras, avaliados de forma realista, superam o US$ 1 trilhão - se particularmente puder ser demonstrado que os MBS vendidos a investidores não eram lastreados por nenhuma hipoteca, porque a papelada legal apropriada nunca foi feita. Qualquer acordo também deveria incluir um acordo explícito dos bancos de apoio à alteração da lei de falências dos EUA, para permitir a inclusão das hipotecas nos processos nos tribunais. Se o movimento Ocupem Wall Street nos diz algo é que a última coisa que a economia dos EUA precisa é de mais famílias sufocadas por dívidas. (Tradução Sabino Ahumada) Simon Johnson foi economista-chefe do FMI, e é cofundador do blog sobre economia BaselineScenario.com, professor da MIT Sloan, membro sênior do Instituto Peterson para Economia Internacional e coautor de "13 Bankers" (13 banqueiros), com James Kwak. Copyright: Project Syndicate, 2011.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Assalariados pagam mais IR que os bancos

Trabalhadores garantem 9,9% da arrecadação federal, mais que o dobro dos 4,1% pagos pelas instituições financeiras, aponta estudo 16 de outubro de 2011 ------------------- Iuri Dantas, de O Estado de S.Paulo -------------------- BRASÍLIA - As distorções tributárias do País prejudicam a classe média, que contribui com mais impostos do que os bancos. Análise feita pelo Sindicato Nacional de Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco), e confirmada por especialistas, indica que os trabalhadores pagaram o equivalente a 9,9% da arrecadação federal somente com o recolhimento de Imposto de Renda ao longo de um ano. As entidades financeiras arcaram com menos da metade disso (4,1%), com o pagamento de quatro tributos. "Os dados mostram a opção equivocada do governo brasileiro de tributar a renda em vez da riqueza e do patrimônio", avalia João Eloi Olenike, presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT). A face mais nítida desta escolha, segundo o especialista, é a retenção de imposto de renda na fonte, ou seja, no salário do trabalhador. "São poucos os países que, como o Brasil, não deixam as empresas e as pessoas formarem riqueza," afirmou. "Todos os tributaristas entendem que não está correto, era preciso tributar quem tem mais." O Sindifisco analisou a arrecadação de impostos federais no período de setembro de 2010 a agosto deste ano. Neste período, as pessoas físicas pagaram um total de R$ 87,6 bilhões em Imposto de Renda, incluídos os valores retidos na fonte como rendimentos do trabalho. No mesmo período, o sistema financeiro gastou apenas R$ 36,3 bilhões com o pagamento de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), contribuição para o PIS/Pasep, Cofins e Imposto de Renda. Procuradas, a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) e a Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF) não se pronunciaram. Motivo. Especialistas se dividem sobre as razões para a manutenção do que chamam de distorção tributária. Segundo o advogado tributarista Robson Maia, doutor pela PUC de São Paulo e professor do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários, o Brasil precisa cobrar tributos equivalentes aos de outros países, para não perder investimentos. Na avaliação de Olenike, do IBPT, a estrutura tributária tem relação com o poder de influência de bancos e instituições financeiras. "Se fosse em qualquer outro país, o governo já tinha caído, mas nós não temos essa vocação no Brasil, o povo é muito dócil e permite que o governo faça o que quer." No seu estudo sobre benefícios fiscais ao capital, o Sindifisco defende mudanças na legislação para reduzir as distorções e permitir menor pagamento de imposto por trabalhadores e maior cobrança de grandes empresas e entidades financeiras. "Não basta o Estado bater recordes de arrecadação de Imposto sobre a Renda, pois quem sustenta essa estatística é a fatigada classe média."

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Bancos dos EUA demolem casas de inadimplentes

13 de outubro de 2011 | 16h50 Sílvio Guedes Crespo De O Estadão A crise do mercado imobiliário americano gerou uma situação ao mesmo tempo dramática e curiosa. Primeiro, milhões de pessoas tiveram que sair de suas casas hipotecadas porque não conseguiram pagar dívidas. Só no ano passado, houve 1,05 milhão de hipotecas executadas. Agora, como o mercado imobiliário continua fraco, os bancos que ficaram com esses imóveis estão pagando para se livrar deles. “Pagando”, literalmente, porque eles destinam US$ 7,5 mil em média para demolir cada moradia e, em seguida, doam os imóveis a entidades sem fins lucrativos chamadas de “land banks”, que têm a missão de encontrar uma nova função para o endereço, como mostra uma reportagem do “Washington Post“. Isso está acontecendo porque o mercado imobiliário ainda não se recuperou e, para os bancos, não vale a pena pagar os impostos e a manutenção dos imóveis vazios. Além do aspecto econômico, a doação dos imóveis é também um trabalho de relações públicas. “É ótimo que a gente possa ajudar organizações sem fins lucrativos, ajudar bairros e famílias. [...] Mas é preciso também que faça sentido como negócio”, disse ao “WP” um executivo do banco Wells Fargo, que já doou 300 imóveis no ano passado e deve passar para frente mais mil endereços em todo o ano de 2011. Por “ajudar famílias”, ele se refere à decisão de doar as moradias para outras finalidades, o que valoriza os imóveis do entorno. Enquanto elas estão abandonadas, pressionam o preço dos demais imóveis da região para baixo. Os “land banks”, que recebem os imóveis, se encarregam de vender a preço baixo para igrejas, hospitais e outras organizações. Em alguns casos, simplesmente transformam o terreno em um jardim. “O que era um ímã para roedores, vândalos e mendigos agora virou um lote vazio, cheio de potencial”, disse o “Post”, sobre a demolição de um prédio residencial em East Cleveland (Ohio).

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Protesto em Wall Street termina com 700 presos

Protesto em Wall Street termina com 700 presos 02 de outubro de 2011 | 18h 15 DENISE CHRISPIM MARIN, CORRESPONDENTE - Agência Estado O maior protesto da organização Ocupar Wall Street terminou hoje com a prisão de 700 dos cerca de 1.500 manifestantes que bloqueavam a ponte do Brooklin, um dos principais acessos a Manhattan, em Nova York. Nas últimas duas semanas, esse movimento pacífico contra os excessos econômicos e políticos das grandes corporações e do mercado financeiro dos Estados Unidos manteve-se concentrado no Parque Zucotti (ou Liberdade), na vizinhança da Bolsa de Valores de Nova York. Na tarde de sábado, o protesto tomara as vias espressas da ponte. Respaldada pelo prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, a reação da polícia chamou ainda mais a atenção do país para o movimento. Trata-se de uma versão americana dos protestos em favor da democracia, no mundo árabe, e dos acampamentos contra o ajuste fiscal e a recessão, nos países europeus com risco de quebra. Nos EUA, o foco está na ação de grandes companhias e de agentes do mercado financeiro, supostamente beneficiados pela crise de 2008. Assim como nos países árabes e na Europa, não há lideranças, e as decisões são ditadas pelo voto da maioria em assembleias, das quais qualquer um pode participar. A ocupação simbólica de Wall Street foi acompanhada por manifestações similares em Washington, em Los Angeles, em Boston, em Chicago, em Albuquerque e em Portland, realizadas no último sábado. "É chegada a hora de os 99% serem ouvidos. Somos sindicatos, estudantes, professores, veteranos, famílias, empregados e desempregados. Somos de todas as raças, sexos e credos. Nós somos a maioria. Nós somos os 99%. E não vamos mais continuar silenciosos", resume o Ocupar Wall Street em sua página na internet. Nas últimas duas semanas, cerca de 300 manifestantes do Ocupar Wall Street foram detidos durante os protestos no Parque Zucotti, aos quais se juntaram celebridades, como a atriz Susan Sarandon e o cineasta Michael Moore, e veteranos dos protestos contra a Guerra do Vietnã nos anos 70. Ontem, porém, a polícia de Nova York foi acusada de ter permitido o acesso dos manifestantes à ponte sobre o East River para, horas depois, iniciar a trabalhosa e demorada operação de prisão das 700 pessoas. Os presos foram levados em ônibus para as delegacias, com as mãos presas por algemas de plástico. Liberados em seguida, responderão à Justiça por desordem pública. "A polícia fez exatamente o que se esperava dela. É muito fácil conseguir uma permissão (para uma marcha ou manifestação)", defendeu Bloomberg. A prisão das centenas de manifestantes, entretanto, acabou sendo comparada ao pequeno número de encarcerados entre os responsáveis pela crise financeira de 2008. "A economia mundial tem sido arruinada por esses negociantes gananciosos. Porém, são os manifestantes que vão para a cadeia", disse o escritor Salman Rushdie, por meio do Twitter.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Novo Código de Processo Penal limita crimes de colarinho-branco

Regras fixam pesadas fianças para que acusados de crime financeiro respondam em liberdade 12 de setembro de 2011 | 22h 40 Fausto Macedo, de O Estado de S.Paulo Colarinho-branco, que faz pouco da prisão porque nela quase nunca vai parar, agora anda assustado com o fantasma da fiança – instrumento legal que ataca sem contemplação seu ponto mais vulnerável, o bolso. Desde que entrou em vigor a Lei 12.403 – reforma do Código de Processo Penal –, em maio, magistrados estaduais e federais estão jogando pesado. Ausentes os requisitos que autorizam a decretação da custódia preventiva dos acusados, os juízes impõem severa sanção de caráter pecuniário. Fixam valores elevados a título de fiança para os réus, sobretudo os citados por violação aos princípios constitucionais da moralidade, honestidade e economicidade, acusados de burlar a Lei de Licitações e prática de crimes contra o sistema financeiro. Em Campinas, a Justiça impôs fiança de R$ 10,9 milhões a um empresário, alvo de investigação por suposta formação de cartel e fraudes em licitações na área de serviços. É a mais rigorosa fiança já aplicada. Equivale ao tanto que os Estados Unidos impuseram a Dominique Strauss-Kahn, ex-número 1 do FMI, recentemente envolvido em denúncias de violência sexual em passagem por Nova York. "Quem é que dispõe de R$ 10 milhões em dinheiro para prestar uma fiança dessas?", questiona o criminalista José Roberto Batochio. "No Brasil vamos contar nos dedos de uma mão as pessoas que podem dispor desse montante, da noite para o dia. É fiança para não ser paga, uma forma que os radicais estão encontrando para não dar eficácia à lei através de interpretação não razoável." A fiança não é bem novidade, mas tinha caído em desuso. A Lei 12.403 revitalizou-a, dando-lhe força de medida cautelar alternativa à prisão. Busca assegurar o comparecimento do denunciado a atos do processo e evitar a obstrução de seu andamento. Altera dispositivos do Decreto-Lei 3.689, de 1941 (Código de Processo Penal), relativos à prisão processual, fiança e liberdade provisória.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

MPF denuncia Edir Macedo por evasão de divisas

Líder da Igreja Universal e três dirigentes também foram denunciados por formação de quadrilha 12 de setembro de 2011 | 11h 38 Solange Spigliatti - estadão.com.br O bispo Edir Macedo Bezerra, líder religioso da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), e outros três dirigentes da entidade foram denunciados nesta segunda-feira, 12, pelo Ministério Público Federal (MPF) por lavagem dinheiro e evasão de divisas, formação de quadrilha, falsidade ideológica e estelionato contra fiéis para a obtenção de recursos para a IURD. Eles são acusados de pertencer a uma quadrilha usada para lavar dinheiro da IURD, remetido ilegalmente do Brasil para os Estados Unidos por meio de uma casa de câmbio paulista, entre 1999 e 2005. Segundo a assessoria de imprensa da Igreja Universal, os representantes jurídicos do bispo Edir Macedo ainda não tiveram acesso à denúncia, por isso não podem se pronunciar. "Tudo indica, pelo que a mídia está veiculando, que se tratam das mesmas acusações de sempre contra os dirigentes da Igreja Universal do Reino de Deus, que sempre se mostraram inverídicas", disse a assessora em resposta ao Estadão.com.br. Os quatro também são acusados do crime de falsidade ideológica por terem inserido nos contratos sociais de empresas do grupo da IURD composições societárias diversas das verdadeiras. O objetivo dessa prática era ocultar a real proprietária de diversos empreendimentos, qual seja, a Iurd. Os três dirigentes da igreja denunciados são o ex-deputado federal João Batista Ramos da Silva, o bispo Paulo Roberto Gomes da Conceição, e a diretora financeira Alba Maria Silva da Costa. Segundo a denúncia, do procurador da República Sílvio Luís Martins de Oliveira, o dinheiro era obtido por meio de estelionato contra fiéis da IURD, por meio do "oferecimento de falsas promessas e ameaças de que o socorro espiritual e econômico somente alcançaria aqueles que se sacrificassem economicamente pela Igreja". O Procurador da República Silvio Luís Martins de Oliveira também encaminhou cópia da denúncia à área Cível da Procuradoria da República em São Paulo, solicitando que seja analisada a possibilidade de cassação da imunidade tributária da IURD. O Caso. O Ministério público investiga desde 2003 o envio para o exterior cerca de R$ 5 milhões por mês entre 1995 e 2001 em remessas supostamente ilegais feitas por doleiros da casa de câmbio Diskline, o que faria o total chegar a cerca de R$ 400 milhões. Na ocasião, revelação foi feita por Cristina Marini, sócia da Diskline, que depôs ontem ao Ministério Público Estadual e confirmou o que havia dito à Justiça Federal e à Promotoria da cidade de Nova York. Cristina e seu sócio, Marcelo Birmarcker, aceitaram colaborar com as investigações nos dois países em troca de benefícios em caso de condenação, a chamada delação premiada. Cristina foi ouvida por três promotores paulistas. Ela já havia prestado o mesmo depoimento a 12 promotores de Nova York liderados por Adam Kaufmann, o mesmo que obteve a decretação da prisão do deputado federal Paulo Maluf (PP-SP), nos Estados Unidos - ele alega inocência. Ela afirmou aos promotores que começou a enviar dinheiro da Igreja Universal para o exterior em 1991. As operações teriam se intensificado entre 1995 e 2001, quando remetia em média R$ 5 milhões por mês, sempre pelo sistema do chamado dólar-cabo - o dono do dinheiro entrega dinheiro vivo em reais, no Brasil, ao doleiro, que faz o depósito em dólares do valor correspondente em uma conta para o cliente no exterior. Cristina disse que recebia pessoalmente o dinheiro. Subterrâneo. Na maioria das vezes, os valores eram entregues por caminhões e chegavam em malotes. Houve ainda casos, segundo a testemunha, que ela foi apanhar o dinheiro em subterrâneos de templos no Rio. Cristina afirmou que mantinha contato direto com Alba Maria da Silva Costa, diretora do Banco de Crédito Metropolitano e integrante da cúpula da igreja, e com uma mulher que, segundo Cristina, seria secretária particular do bispo Edir Macedo, fundador e líder da igreja. De acordo com a testemunha, ela depositou o dinheiro nos EUA e em Portugal. Uma das contas usadas estaria nominada como "Universal Church". Além dela, os promotores e procuradores ouviram o depoimento de Birmarcker. Ele confirmou a realização de supostas operações irregulares de câmbio para a igreja, mas não soube informar os valores.

sábado, 10 de setembro de 2011

Aumentam prisões por crimes ao consumidor

Delegacias especializadas já prenderam 120 pessoas neste ano, cinco vezes o total de 2010; número de boletins de ocorrência chega a 1.060.

10 de setembro de 2011 | 15h 03




Saulo Luz, de O Estado de S. Paulo

Nunca a polícia paulistana prendeu tantas pessoas que praticaram crimes contra o consumidor. Segundo levantamento feito pela Divisão de Investigações contra o Consumidor da Polícia Civil (Disic), as duas delegacias especializadas da capital prenderam ou detiveram 120 pessoas entre janeiro e agosto deste ano. O número já é cinco vezes maior do que o total registrado no ano passado - 24 prisões.

No ano, também foram registrados 1.060 boletins de ocorrência, enquanto 2010 inteiro somou apenas 945 BOs - crescimento de 12%. O delegado que coordena a Divisão de Investigações sobre Infrações Contra o Consumidor, Paulo Roberto Robles, revela ainda que já foram instaurados 856 inquéritos neste ano. "Fizemos muitos flagrantes e os consumidores estão recorrendo mais à polícia para denunciar empresas que violam os seus direitos", diz.

Móveis. Entre os principais casos investigados pela delegacia está o de mais de 70 consumidores lesados por um empresário que tinha três lojas de móveis planejados. Sem dar explicações aos clientes ou à fábrica, o empresário fechou as três unidades (Interlagos, Cotia e Washington Luís) no dia 19 de abril e sumiu. O coordenador fiscal Alexandre Rodrigues de França, de 34 anos, foi dos muitos consumidores que pagaram, mas nunca receberam os móveis encomendados na loja.

"Comprei projeto de R$ 18 mil, mas consegui sustar alguns cheques. Agora, quero a devolução dos R$ 8 mil que já foram pagos e indenização de R$ 1.500 dos gastos com advogados."

Móveis do bebê. A analista de sistemas Márcia Duque, de 44 anos, também conseguiu cancelar alguns cheques e pede de volta os R$ 3 mil que já pagou pelos móveis do quarto do bebê, que nunca chegaram. "Já fui à delegacia e até já contratei um advogado para processar o empresário. Mas, até onde sei, quem entrou na Justiça ainda não teve retorno, porque o cara não tem nada no nome dele", conta.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Governo reajusta multas por infrações à defesa do consumidor

Intervalo das quantias das punições que ia de R$ 212,82 a R$ 3,191 milhões, de acordo com a gravidade da infração, passará a ser de R$ 400,00 a R$ 6 milhões.

20 de julho de 2011 | 19h 29


Célia Froufe, da Agência Estado

BRASÍLIA - Corroídas pela inflação, as multas aplicadas pelo Ministério da Justiça (MJ) às companhias que descumprirem o Código de Defesa do Consumidor terão agora praticamente o dobro do valor. Assim, o intervalo das quantias das punições que ia de R$ 212,82 a R$ 3,191 milhões, de acordo com a gravidade da infração, passará a ser de R$ 400,00 a R$ 6 milhões. "Custará mais caro descumprir o Código. Vai custar o dobro, então o melhor negócio é respeitar o consumidor", disse a diretora do DPDC, Juliana Pereira da Silva.


Até então, a base utilizada para aplicação das penalidades pelo Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) do MJ ainda era a Unidade Fiscal de Referência (Ufir), que foi extinta em novembro de 2000. Como não havia alternativa, as punições às empresas estavam congeladas. O governo resolveu, então, trazer a valores atuais os patamares da Ufir, o que resultou no dobro das quantias.

Além do DPDC, outro órgão do governo ligado à Justiça que também utiliza a Ufir como referência para aplicação de multas é o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Segundo o presidente da autarquia, Fernando Furlan, que está na Suíça, não há previsão de alteração, neste momento.

Para que não se deparar com o mesmo problema no futuro, o Ministério da Justiça decidiu que usará o IPCA-e como referência para o reajuste dos valores da multa, quando achar relevante. O IPCA é o índice de inflação oficial do governo, divulgado mensalmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O IPCA-e faz parte da "mesma família" de índices, mas sua divulgação e taxas são referentes a três meses.

"Era um desejo antigo nosso atualizar os valores das multas. Tivemos que trabalhar com uma força-tarefa, partindo de uma analise econômica e também da consultoria jurídica do Ministério", comemorou Juliana.

No último ano e meio, o DPDC autuou companhias que realizaram 28 infrações. O valor total dessas multas foi de R$ 19 milhões, dos quais R$ 6 milhões aplicados apenas no setor de telefonia. A maior parte das penalidades estava relacionada ao descumprimento de normas relativas ao Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC), mais conhecido pelo termo "call center", em inglês. Cartão de crédito é o segundo segmento que mais dá dores de cabeça aos consumidores - e consequentemente é mais multado -, conforme a Justiça.

Juliana salientou que além desses dois setores já velhos conhecidos por não respeitar o consumidor, outro segmento tem chamado a atenção do DPDC recentemente, em função do aumento do poder de compra da população: é o de produtos tecnológicos, como aparelhos celulares, eletroeletrônicos e notebooks, entre outros. "A população tem tido mais acesso aos produtos, mas tem também encontrado dificuldades de assistência técnica. É um setor novo, mas que tem preocupado", destacou a diretora.

sábado, 11 de junho de 2011

A Terra está cheia. Crise que mudará hábitos de consumo já está a caminho.

11 de junho de 2011 | 0h 00

Thomas L. Friedman, The New York Times - O Estado de S.Paulo

Você deve se perguntar se daqui a alguns anos nós olharemos para a primeira década do século 21 - quando preços dos alimentos dispararam, preços da energia subiram, a população mundial cresceu, tornados arrasaram cidades, inundações e secas estabeleceram recordes, populações foram desalojadas e governos ameaçados pela confluência de tudo isso - e nos perguntaremos: o que estávamos pensando?

Como foi que não entramos em pânico quando havia evidências óbvias de ter cruzado algumas linhas vermelhas de crescimento/clima/recursos naturais/população todas de uma vez? "A única resposta pode se a negação", argumenta Paul Gilding, veterano empresário ambientalista australiano que descreve este momento em um livro intitulado The Great Disruption: Why the Climate Crisis Will Bring On the End of Shopping and the Birth of a New World (A grande ruptura: por que a crise climática trará o fim da compulsão da compra e o nascimento de um novo mundo, em tradução livre).

"Quando se está cercado por algo tão grande que requer que se mude tudo na maneira de pensar e ver o mundo, negar é a resposta natural. Mas quanto mais se espera, maior será a resposta requerida." Gilding cita o trabalho da Global Footprint Network, uma aliança de cientistas que calcula quantos "planetas Terra" precisaremos para sustentar nossas taxas de crescimento correntes. O grupo mede quanta área de terra e água é necessária para produzir os recursos que consumimos e absorver nosso lixo, usando a tecnologia existente.

Estamos crescendo a uma taxa que está usando os recursos da Terra bem mais rapidamente do que eles podem ser sustentadamente repostos, de modo que estamos comendo o futuro. Neste momento, o crescimento global está usando o equivalente a 1,5 Terra. "Ter apenas um planeta torna esse problema realmente significativo", diz Gilding. Isso não é ficção científica.

Quando estive no Iêmen, no ano passado, vi um caminhão-tanque entregando água na capital, Sanaa. Por quê? Porque Sanaa pode ser a primeira cidade grande do mundo a ficar sem água dentro de uma década. É isso que ocorre quando uma geração de um país vive a 150% de capacidade sustentável.

"Se você cortar mais árvores do que planta, ficará sem árvores", escreve Gilding. "Se colocar nitrogênio adicional num sistema de água, mudará o tipo e a quantidade de vida que a água pode suportar. Se engrossar o lençol de gás carbônico da Terra, a Terra ficará mais quente. Se fizer todas essas e outras ao mesmo tempo, mudará a maneira como o sistema todo do planeta Terra se comporta, com impactos sociais, econômicos e na sustentação da vida. Isso não é especulação, é ciência do colegial."

É também um assunto atual. "Nos milhares de anos de civilização da China, o conflito entre humanidade e natureza nunca foi tão grave como é hoje", disse recentemente o ministro do Meio Ambiente da China, Zhou Shengxian. "A diminuição, deterioração e exaustão de recursos e o desequilíbrio do ambiente ecológico se tornaram gargalos e empecilhos graves ao desenvolvimento econômico e social da nação." O que o ministro chinês está nos dizendo, diz Gilding, é que a Terra está cheia. Estamos usando agora tantos recursos e eliminando tanto lixo na Terra que atingimos uma espécie de limite.

A economia vai ter de encolher em termos de impacto físico." Não mudaremos sistemas, contudo, sem uma crise. Mas não se preocupem, estamos chegando lá. Estamos hoje apanhados em dois circuitos. Um é que aceleração do crescimento populacional e aumento do aquecimento global juntos provocam uma elevação dos preços dos alimentos. Uma elevação dos preços dos alimentos causa instabilidade política no Oriente Médio, que provoca uma alta nos preços do petróleo, que acarreta preços mais altos dos alimentos, que provocam mais instabilidade. Ao mesmo tempo, a produtividade aumentada significa que menos pessoas são necessárias em cada fábrica para produzir mais coisas. Sendo assim, se quisermos mais empregos, precisaremos de mais fábricas. Mais fábricas produzindo mais coisas causam mais aquecimento global. Aí os dois circuitos se encontram.

Solução. Gilding é, ao final, um "eco-otimista". Quando o impacto da Grande Ruptura iminente nos atingir, diz ele, "nossa resposta será proporcionalmente dramática, nos mobilizando como ocorre nas guerras. Mudaremos numa escala e velocidade que mal conseguimos imaginar hoje, reformando por completo nossa economia, incluindo nossos setores de energia e transporte, em poucas décadas".

Nós perceberemos, ele prevê, que o modelo de crescimento movido pelo consumo está quebrado e que temos de mudar para um modelo de crescimento mais movido pela felicidade, com pessoas trabalhando menos e ganhando menos. "Quantas pessoas", pergunta Gilding, "deitadas em seus leitos de morte dizem "gostaria de ter trabalhado mais duro construindo mais valor para acionistas" e quantas dizem "gostaria de ter jogando mais bola, lido mais livros para meus filhos, caminhado mais?""

Para isso, é preciso um modelo de crescimento baseado em oferecer mais tempo para as pessoas gozarem a vida, mas com menos coisas." Parece utópico? Gilding insiste que é realista. "Estamos a caminho de uma escolha movida por crise", diz ele. "Ou permitiremos que o colapso nos atinja ou desenvolveremos um novo modelo sustentável. Escolheremos a segunda. Podemos ser lentos, mas não somos estúpidos." / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK

É COLUNISTA E ESCRITOR

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Suiça - O fim de um Paraíso Fiscal

29/04/2010 06h40
A maior lavandaria de dinheiro do mundo ameaça falir e poderá arrastar consigo, um país inteiro !!!



União de Bancos Suiços, a coisa está muito feia! Está pegando fogo!

Agoniza o segredo bancário suíço. Artigo de Gilles Lapouge - Paris.


A Suíça tremula. Zurique alarma-se. Os belos bancos, elegantes, silenciosos de Basileia e Berna estão ofegantes. Poderia dizer-se que eles estão assistindo na penumbra a uma morte ou estão velando um moribundo. Esse moribundo, que talvez acabe mesmo morrendo, é o segredo bancário suíço.
O ataque veio dos Estados Unidos, em acordo com o presidente Obama. O primeiro tiro de advertência foi dado na quarta-feira.

A UBS - União de Bancos Suíços, gigantesca instituição bancária suíça - viu-se obrigada a fornecer os nomes de 250 clientes americanos por ela ajudados para defraudar o fisco. O banco protestou, mas os americanos ameaçaram retirar a sua licença nos Estados Unidos. Os suíços, então, passaram os nomes. E a vida bancária foi retomada, tranquilamente.


Mas, no fim da semana, o ataque foi retomado. Desta vez os americanos golpearam forte, exigindo que a UBS forneça o nome dos seus 52.000 clientes titulares de contas ilegais!

O banco protestou. A Suíça está temerosa. O partido de extrema-direita, UDC (União Democrática do Centro), que detém um terço das cadeiras no Parlamento Federal, propõe que o segredo bancário seja inscrito e ancorado pela Constituição federal.
Mas como resistir!

A União de Bancos Suíços não pode perder sua licença nos EUA, pois é nesse país que aufere um terço dos seus benefícios.
Um dos pilares da Suíça está sendo sacudido. O segredo bancário suíço não é coisa recente.

Esse dogma foi proclamado por uma lei de 1934, embora já existisse desde 1714. No início do século 19, o escritor francês Chateaubriand escreveu que neutros nas grandes revoluções nos Estados que os rodeavam, os suíços enriqueceram à custa da desgraça alheia e fundaram os bancos em cima das calamidades humanas.
Acabar com o segredo bancário será uma catástrofe econômica.

Para Hans Rudolf Merz, presidente da Confederação Helvética, uma falência da União de Bancos Suíços custaria 300 biliões de francos suíços ou 201 milhões de dólares.
E não se trata apenas do UBS. Toda a rede bancária do país funciona da mesma maneira. O historiador suíço Jean Ziegler, que há mais de 30 anos denuncia a imoralidade helvética, estima que os banqueiros do país, amparados no segredo bancário, fazem frutificar três triliões de dólares de fortunas privadas estrangeiras, sendo que os activos estrangeiros chamados institucionais, como os fundos de pensão, são nitidamente minoritários.


Ziegler acrescenta ainda que se calcula em 27% a parte da Suíça no conjunto dos mercados financeiros "offshore" do mundo, bem à frente de Luxemburgo, Caribe ou o extremo Oriente.

Na Suíça, um pequeno país de 8 milhões de habitantes, 107 mil pessoas trabalham em bancos.

O manejo do dinheiro na Suíça, diz Ziegler, reveste-se de um carácter sacramental. Guardar, recolher, contar, especular e ocultar o dinheiro, são todos actos que se revestem de uma majestade ontológica, que nenhuma palavra deve macular e realizam-se em silêncio e recolhimento..

Onde páram as fortunas recolhidas pela Alemanha Nazi? Onde estão as fortunas colossais de ditadores como Mobutu do Zaire, Eduardo dos Santos de Angola, dos Barões da droga Colombiana, Papa-Doc do Haiti, de Mugabe do Zimbabwe e da Mafia Russa?

Quantos actuais e ex-governantes, presidentes, ministros, reis e outros instalados no poder, até em cargos mais discretos como Presidentes de Municipios têm chorudas contas na Suiça?

Quantas ficam eternamente esquecidas na Suíça, congeladas, e quando os titulares das contas morrem ou caem da cadeira do poder, estas tornam-se impossíveis de alcançar pelos legítimos herdeiros ou pelos países que indevidamente espoliaram?

Porquê após a morte de Mobutu, os seus filhos nuncam conseguiram entrar na Suíca?

Tudo lá ficou para sempre e em segredo...

A agora surge um outro perigo, depois do duro golpe dos americanos.

Na minicúpula europeia que se realizou em Berlim, em preparação ao encontro do G-20 em Londres, França , Alemanha e Inglaterra (o que foi inesperado) chegaram a um acordo no sentido de sancionar os paraísos fiscais.

"Precisamos de uma lista daqueles que recusam a cooperação internacional", vociferou a chanceler Angela Merkel.
No domingo, o encarregado do departamento do Tesouro britânico, Alistair Darling, apelou aos suíços para se ajustarem às leis fiscais e bancárias europeias. Vale observar, contudo, que a Suíça não foi convidada para participar do G-20 de Londres, quando serão debatidas as sanções a serem adotadas contra os paraísos fiscais.

Há muito tempo se deseja o fim do segredo bancário. Mas até agora, em razão da prosperidade económica mundial, todas as tentativas eram abortadas.

Hoje, estamos em crise.

Viva a crise!!!
Barack Obama, quando era senador, denunciou com perseverança a imoralidade desses remansos de paz para o dinheiro corrompido. Hoje ele é presidente. É preciso acrescentar que os Estados Unidos têm muitos defeitos, mas a fraude fiscal sempre foi considerada um dos crimes mais graves no país.

Nos anos 30, os americanos conseguiram laçar Al Capone.

Sob que pretexto? Fraude fiscal.

Para muito breve, a queda do império financeiro suiço!

sábado, 21 de maio de 2011

VENDO/TROCO APTO RESIDENCIAL À BEIRA-MAR, NA BELÍSSIMA PRAIA DE AREIA PRETA EM NATAL(RN), POR APTO NA PRAIA DE MANAÍRA, EM JOÃO PESSOA (PB) - R$ 300 MIL

O apto em Natal (RN): beira-mar, nascente, ventiladíssimo, na praia de Areia Preta, com varanda, 02 quartos, sendo 01 suíte, mais 01 banheiro social, cozinha, sala para dois ambientes, armários nos cômodos, área de serviço com tanque e instalação para máquina lavar, dependência completa de empregada, 01 vaga de garagem, terceiro andar, três por andar, 16 andares (48 aptos) 87 m2 área útil(consta na escritura) a 10 minutos do centro da cidade. O apto está escriturado e registrado em meu nome e regularizado no SPU e Prefeitura, sem nenhum débito. O imóvel tem exatamente 12 anos de construído, em perfeito estado. O prédio é dotado de área de lazer com piscina. O valor do condomínio é de R$ 521,00, considerado baixo para imóvel à beira-mar.
O edifício é dotado de Gerador e Central de Gás. Preço do apto: R$ 300 mil.
Sobre o apto que quero comprar ou trocar em João Pessoa, para onde estou de mudança, deverá ser na praia de Manaíra, próximo a Supermercado e deverá custar em torno de R$ 300 mil.
Meu e-mail para mais informações: ilza.ribeiro@gmail.com

terça-feira, 17 de maio de 2011

Wikileaks: Meirelles pediu lobby dos EUA para independência do BC

Próximo das eleições de 2006, o então presidente do Banco Central Henrique Meirelles pediu aos EUA que atuassem junto ao governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva para que fosse dada ao BC mais independência, de acordo com documentos secretos do Departamento de Estado norte-americano.


Em conversa com diplomatas norte-americanos em 9 de agosto de 2006, Meirelles prometeu pressionar nos bastidores por mudanças regulatórias que criassem um ambiente de investimento melhor para empresários norte-americanos no Brasil.


O documento, obtido pelo WikiLeaks, pode se tornar embaraçoso para Meirelles, que se prepara para assumir um novo e importante papel no governo brasileiro. Também pode colocar novamente no foco a suscetibilidade do BC à interferência política.


“Meirelles pediu que [o governo dos EUA] usasse discretamente sua relação [com o Brasil] para discutir a importância de levar ao Congresso uma legislação garantindo ao Banco Central essa autonomia”, escreveram os funcionários da embaixada norte-americana no documento, que detalhou o encontro inicial entre o embaixador Clifford Sobel e Meirelles.


Ele argumentou que o secretário de Tesouro Henry Paulson em particular seria capaz de tratar desse assunto com o presidente Lula e o ministro da Fazenda, Guido Mantega.


Meirelles nunca solicitou formalmente independência para o Banco Central, mas Lula deu ao então chefe do BC um mandato relativamente livre para definir a política monetária durante os oito anos em que ficou no posto. O comando de Meirelles terminou no final do ano passado, antes de Alexandre Tombini assumir o posto no governo de Dilma Rousseff.


A falta de autonomia legal abriu caminho para tensões entre Meirelles e Mantega sobre o patamar das taxas de juros, alimentando temores de que a política monetária poderia ser vulnerável a pressões políticas.


O gabinete de Mantega disse que nunca foi informado pelos Estados Unidos sobre a questão da independência do BC, enquanto Meirelles refutou o conteúdo do documento norte-americano.


“As declarações atribuídas a mim não refletem com propriedade o tema de qualquer conversa que eu tenha tido”, afirmou Meirelles via e-mail.


O ex-embaixador dos EUA Sobel não quis comentar o assunto.


De acordo com o documento do governo americano, Meirelles identificou “a falta de experiência governamental entre os principais assessores de Lula” como um “segundo conjunto de dificuldades” para investidores.


Ele elogiou Dilma, que era ministra-chefe da Casa Civil na ocasião, dizendo que ela era “muito esperta”, mas ressaltou que “ela ainda traz alguma bagagem ideológica à função”.


Meirelles se ofereceu para “contribuir nos bastidores em pressionar por reformas regulatórioas prioritárias para melhorar o clima de negócios”, segundo o documento.

terça-feira, 10 de maio de 2011

A onda global de crimes corporativos

Nos países desenvolvidos, a ligação cada vez maior entre políticos e grandes empresas causa uma rotina de subornos, fraudes e negociatas de dar inveja às nações mais pobres

08 de maio de 2011 | 0h 00

Jeffrey D. Sachs, do Project Syndicate - O Estado de S.Paulo

O mundo está se afogando em fraudes corporativas e o problema parece ser mais grave nos países mais ricos, aqueles que supostamente contam com um "governo responsável". Os governos dos países pobres, provavelmente, aceitam mais subornos e cometem mais crimes, mas é nos países ricos - anfitriões das empresas multinacionais - que as infrações de maiores proporções são observadas. O dinheiro move montanhas e está corrompendo políticos em todo o mundo.

É difícil que haja um dia em que não venha à tona um novo caso de práticas administrativas questionáveis ou ilegais. Ao longo da última década, todas as firmas de Wall Street pagaram multas significativas por causa de algum episódio de fraude contábil, negociatas, fraude com valores mobiliários, operações fraudulentas de investimento e até apropriação indébita por parte de diretores executivos.

Uma grande quadrilha que promovia transações valendo-se de informações privilegiadas está sob julgamento em Nova York e a investigação implicou alguns dos principais nomes do mundo financeiro. Isso ocorre após o pagamento de uma série de multas aplicadas aos maiores bancos de investimento dos Estados Unidos como punição por várias violações relacionadas à negociação de valores mobiliários.

No entanto, o que mais se vê é a impunidade. Dois anos após a maior crise financeira de todos os tempos, abastecida pelo comportamento inescrupuloso apresentado pelos maiores bancos de Wall Street, nem um único comandante de uma instituição financeira foi preso.

Quando as empresas são multadas em decorrência de práticas ilegais, o preço é pago pelos seus acionistas e não por seus diretores executivos. As multas nunca passam de uma pequena fração do lucro obtido de maneira questionável e, para Wall Street, a implicação disso é que a corrupção se mostra consistentemente lucrativa. Mesmo nos dias de hoje, o lobby dos bancos demonstra pouquíssima consideração pelos políticos e pelas autoridades reguladoras.

A corrupção é lucrativa também no âmbito da política americana. O atual governador da Flórida, Rick Scott, foi diretor executivo de uma grande empresa de saúde chamada Columbia/HCA. A empresa foi acusada de fraudar o governo por meio do superfaturamento de reembolsos e acabou se declarando culpada de 14 delitos graves, pagando por eles uma multa de US$ 1,7 bilhão.

A investigação do FBI obrigou Scott a deixar o cargo. Mas, uma década depois de a empresa assumir a culpa, Scott está de volta, dessa vez apresentando-se como político republicano defensor do "livre mercado".

Quando o presidente Barack Obama precisou de alguém capaz de ajudar no resgate da indústria automobilística americana, ele se voltou para Steven Rattner, conhecida figura de Wall Street, apesar de saber que ele era investigado por oferecer propinas a funcionários do governo. Depois de concluir seu trabalho para a Casa Branca, Rattner concordou em pagar uma multa de alguns milhões de dólares e, com isso, encerrar o caso.

Mas que motivo teríamos para nos ater apenas aos governadores e conselheiros presidenciais? O ex-vice-presidente Dick Cheney chegou à Casa Branca depois de trabalhar como diretor executivo da Halliburton.

Durante o período em que Cheney esteve à frente da empresa, a Halliburton envolveu-se na oferta de propinas ilegais a funcionários do governo nigeriano, conseguindo com isso o acesso às reservas de petróleo do país - cujo valor é estimado em bilhões de dólares.

Quando o governo da Nigéria acusou a Halliburton de suborno, a empresa preferiu chegar a um acordo fora dos tribunais, pagando uma multa de US$ 35 milhões. É claro que Cheney não sofreu nenhum tipo de consequência. A notícia quase não encontrou espaço na mídia americana.

Impunidade. A impunidade tornou-se um fenômeno generalizado - com efeito, a maioria dos crimes corporativos ocorre sem chamar atenção. Os poucos casos que são notados costumam acabar em algum tipo de repreensão formal e a empresa - leia-se, os acionistas - recebe uma modesta multa.

No alto escalão dessas empresas, os verdadeiros culpados não têm com o que se preocupar. Mesmo quando as companhias recebem multas consideráveis, seus diretores executivos permanecem no cargo. Os acionistas, de tão numerosos, veem-se em uma situação de impotência diante dos administradores.

A explosão da corrupção - nos EUA, na Europa, na China, Índia, África, Brasil e outros países - traz um conjunto de perguntas desafiadoras a respeito de suas causas e de como ela poderia ser controlada agora que atingiu proporções epidêmicas.

A corrupção corporativa fugiu ao controle por dois motivos principais.Primeiro, as grandes empresas são agora multinacionais, enquanto os governos permanecem presos ao âmbito nacional. As grandes corporações contam com tamanho poder financeiro que os governos têm medo de enfrentá-las.

Segundo, as empresas são as principais financiadoras das campanhas políticas em países como os EUA, onde os próprios políticos, muitas vezes, estão entre os sócios delas, sendo, no mínimo, discretamente beneficiados pelos lucros corporativos. Cerca de metade dos congressistas americanos é composta por milionários e muitos deles mantêm laços com empresas antes mesmo de chegarem ao Congresso.

Como resultado, os políticos, com frequência, ignoram as situações em que o comportamento corporativo ultrapassa os limites. Mesmo que os congressistas tentassem fazer cumprir a lei, as empresas têm exércitos de advogados que tentam antecipar sua próxima jogada. O resultado é uma cultura da impunidade, com base na expectativa - amplamente confirmada - de que o crime compensa.

Levando-se em consideração a proximidade entre o dinheiro, o poder e a lei, o combate ao crime corporativo será uma luta árdua. Felizmente, o alcance e a rapidez das redes de troca de informações dos tempos atuais podem atuar como uma espécie de desinfetante ou como um fator de dissuasão.

A corrupção prospera nas sombras, mas, hoje em dia, um volume cada vez maior de informações vem à luz por meio de e-mails e de blogs, além do Facebook, do Twitter e de outras redes sociais.

Precisaremos também de um novo tipo de político, na vanguarda de um outro tipo de campanha, que tenha como base a mídia online gratuita em lugar da mídia paga. Quando os políticos puderem se emancipar das doações corporativas, eles recuperarão sua capacidade de controlar os abusos corporativos.

Além disso, precisaremos iluminar os cantos mais sombrios das finanças internacionais, em especial lugares como as Ilhas Cayman e os bancos suíços mais suspeitos. Os casos de evasão fiscal, oferta de subornos, remessa ilegal de fundos, propinas e outras transações passam por essas contas. A riqueza, o poder e a ilegalidade possibilitados por esse sistema oculto têm agora dimensões tão vastas que chegam a ameaçar a legitimidade da economia global, especialmente no momento em que a desigualdade de renda e os déficits orçamentários atingem níveis sem precedentes, graças à incapacidade política - e, em alguns casos, até mesmo operacional - dos governos de obrigar os mais ricos a pagar impostos.

Assim, da próxima vez em que souber de um escândalo de corrupção na África ou em alguma outra região empobrecida, pergunte-se onde a fraude se originou e quem seriam os corruptores responsáveis. Os EUA e os demais países "avançados" não deveriam apontar o dedo acusador para os países mais pobres, pois os responsáveis pelos problemas costumam ser as mais poderosas empresas multinacionais. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

É PROFESSOR DE ECONOMIA DA UNIVERSIDADE COLUMBIA, DIRETOR DO EARTH INSTITUTE E CONSELHEIRO
ESPECIAL DO SECRETÁRIO-GERAL DA ONU PARA AS METAS DE DESENVOLVIMENTO DO MILÊNIO

terça-feira, 12 de abril de 2011

É URGENTE QUE O BRASIL APERFEIÇOE O COMBATE À LAVAGEM DE DINHEIRO.

O COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) é o órgão máximo para combate à lavagem de dinheiro no Brasil, instituído em 1998 como resultado de acordo internacional pós-Convenção de Viena, para estrangular as transações financeiras dos grandes cartéis do tráfico de drogas. O plenário do órgão é formado por Presidente indicado pelo Ministro da Fazenda, 11 Conselheiros (BC, CVM, Polícia Federal, Rel. Exteriores, Receita Federal, ABIN, MPS, SUSEP, CGU, PGFN e MJ) e um convidado da AGU.
Embora tenha obtido alguns resultados em seus mais de 10 anos de atividade – levou à prisão Abadia e os donos da Sundown, desvendou esquemas em prefeituras, desvendou as conexões ocultas do PCC, e outros –, os próprios responsáveis reconhecem que o sistema precisa melhorar.
O sistema financeiro, particularmente, é alvo de críticas fortes quanto à sua eficácia no combate à lavagem. No ano passado, o Grupo de Ação Financeira Internacional (Gafi), criado no âmbito do G7, apontou que no Brasil ainda há muita impunidade, principalmente por deficiências na Justiça. Entrar na lista de países de alto risco e não-cooperativos do Gafi significa que riscos da lavagem de dinheiro estão presentes em regiões de fronteira e na economia informal.
No caso do Escândalo do Banestado, por exemplo, a União conseguiu recuperar somente R$27,5 milhões das contas das remessas ilegais, de um total em torno de US$6 bilhões remetidos por contas CC5. Devido à “lentidão” da Justiça, dezenas de processos contra clientes do referido banco prescreveram ou foram arquivados pela Justiça Federal do Paraná e pelo Ministério Público Federal, principalmente remessas feitas entre 1996 e 1998. O próprio Banestado, objeto de processo administrativo desta Autarquia por abertura sem observância das normas relativas à abertura, manutenção e movimentação e por falta de identificação e de controles das pessoas responsáveis por depósitos em espécie, somente sofreu multa de R$25 mil após revisão de 2ª instância (CRSFN), assim como os diretores responsáveis envolvidos.
Assim, temos que, no Brasil, a maioria das investigações contra lavagem fracassa no sistema, não chegando ao resultado final que seria a prisão dos envolvidos. Além disso, poucas vezes o dinheiro objeto de crime retorna para seu local de origem. (Antonio Cerqueira)

quarta-feira, 23 de março de 2011

segunda-feira, 21 de março de 2011

Avanço tem que ser provocado

EDITORIAL DIÁRIO DE PERNAMBUCO 21.03.2011

Avanço tem que ser provocado

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, concluiu a sua visita de dois dias ao Brasil levando na bagagem mais demandas que agradecimentos. Mesmo assim, o saldo é positivo para o país. Afinal, viagens presidenciais, principalmente nas circunstâncias que enfrenta o atual presidente norte-americano, não têm como ir além da emissão de sinais de boa vontade. E isso não faltou. Mesmo pressionado pela decisão de colocar seu país numa nova guerra (na Líbia) e pelos poderosos lobbies que, no Congresso dos EUA, amarram as mãos do morador da Casa Branca, Obama, que veio para falar, não deixou de ouvir.

Orador de notória capacidade para agradar às plateias, Obama se esmerou em destacar, especialmente no discurso no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, as semelhanças entre os dois povos. Foi um bom preâmbulo para confirmar o interesse em retomar e fortalecer a histórica parceria comercial e política com o Brasil, relação arranhada nos últimos anos por atitudes que mais afastaram do que aproximaram os dois países.

Essa retomada interessa a ambos. Mergulhado nas consequências da crise financeira iniciada em 2008 e da qual foi o epicentro, o país de Obama enfrenta dramática necessidade de criar empregos. Para isso, precisa desesperadamente de exportar e de se livrar dos enormes déficits comercial (de décadas) e fiscal (engrossado pelo socorro aos bancos e grandes empresas, durante a crise). Obama veio vender a tecnologia e a disposição das corporações de seu país de ganharem dinheiro fornecendo materiais e financiamento para os próximos esforços brasileiros em infraestrutura, energia limpa e nos megaeventos da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos. Mas teve de ouvir - e nisso a presidente Dilma Rousseff soube ser firme, sem perder a deferência com que devem ser recebidos os chefes de estado - que o Brasil será pragmático nessa relação.

Afinal, depois de muitos anos, o país está em desvantagem de quase US$ 8 bilhões na balança comercial entre os dois países. Além disso, tem sofrido com as medidas de desvalorização do dólaradotadas pelo governo norte-americano. Dilma foi clara ao se referir a esse incômodo e ao pedir o fim das barreiras contra o aço, o etanol, o açúcar, o algodão, a carne bovina e o suco de laranja brasileiros. Obama se limitou a responder a essas questões comerciais, que, na prática, dependem mais do Congresso do que dele, por meio da assinatura de acordos de cooperação para combater essas dificuldades.

É verdade que avançou menos que poderia e que desejava o governo brasileiro, na sua pretensão de conseguir o decisivo apoio dos Estados Unidos para a candidatura do país a um assento definitivo no Conselho de Segurança da ONU, como o próprio Obama ofereceu à Índia, em 2010. No máximo, ele disse reconhecer o Brasil como um líder global que passou de receptor de ajuda internacional para doador. Mesmo assim, o saldo é positivo e cabe ao Brasil, com maturidade e profissionalismo, provocar os próximos avanços.

quarta-feira, 16 de março de 2011

DIA MUNDIAL DO CONSUMIDOR

Editorial de "O Diário de Pernambuco"
Edição de quarta-feira, 16 de março de 2011 ´

Calendário fixa data importante

O transcurso, nesta semana, do Dia Mundial do Consumidor, e os eventos que vêm assinalando a data em diversos estados, inclusive nas comissões especiais das Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais, suscitando, dessa forma, o debate de temas ao mesmo referentes, colocam a questão em evidência e ensejam avaliações e análises em entidades representativas de diferentes níveis, para aferir os avanços obtidos e os passos que ainda precisam ser dados para aprimorar o sistema de defesa de seus direitos, os quais refletem em boa medida uma proposta de valorização da própria cidadania. Essa é uma preocupação que deve, sempre, despertar as atenções de toda a sociedade brasileira, quando se sabe que o assunto tornou-se uma causa de amplitude planetária. Faz, aliás, muitos anos que isso aconteceu.

Registre-se, a propósito, que em 1985 a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas adotou Resolução estabelecendo Diretrizes para a Proteção do Consumidor, em função da qual se ressalta a importância da participaçãodos governos na implantação de políticas de defesa do consumidor. A tendência se tornou mais acentuada nas décadas subsequentes, em função das transformações sociais ocorridas, do processo de globalização econômica e do ritmo de desenvolvimento tecnológico, sobretudo no campo da informática, difundindo-se em grande escala, inclusive nos países em desenvolvimento, programas voltados à educação dos consumidores e à salvaguarda de seus direitos.

No Brasil, a Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências, e em seu Art. 4º instaura ´a Política Nacional de Relações de Consumo, tendo por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo`. Figura ainda entre os princípios enunciados o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo e a ação governamental no sentido de sua efetiva proteção.

No conjunto dos programas desde então em curso, visando a esse objetivo, conquistas significativas foram obtidas, inclusive quanto à conscientização dos próprios consumidores em relação a tais direitos, na busca do equilíbrio nas relações de consumo, em consonância com um modelo de desenvolvimento compreendido em toda a abrangência de seus aspectos humanos, econômicos e sociais. As relações de consumo se constituem hoje, pela complexidade da própria economia, um dos pontos relevantes da vida moderna.

sexta-feira, 11 de março de 2011

Doleiro enviou US$ 20,7 milhões para os Estados Unidos

Marco Cursini, cuja delação é tida como peça-chave para manter Castelo de Areia, operou conta em nome de offshore das Ilhas Virgens

10 de março de 2011

Fausto Macedo, de O Estado de S. Paulo

O doleiro Marco Antônio Cursini, que a Procuradoria da República aponta como personagem-chave para manter de pé a Operação Castelo de Areia, movimentou US$ 20,7 milhões no exterior em conta de titularidade da offshore Goldrate Corporation - com sede nas Ilhas Virgens Britânicas e controlada por ele. Laudo da Polícia Federal mostra que o fluxo de recursos, supostamente de empresários e políticos, se deu entre janeiro de 2000 e junho de 2002.

Sob acusação de lavagem de dinheiro, evasão de divisas e sonegação, Cursini foi condenado em 2009 a 3 anos e 3 meses de prisão, convertida em prestação de serviços comunitários impostos pela Justiça Federal em São Paulo, e multa de R$ 2 milhões.

Cursini é o autor da delação premiada que, na avaliação do Ministério Público Federal, pode ser a peça crucial para impedir o arquivamento da Castelo de Areia - investigação da PF sobre crimes financeiros atribuídos a três executivos da Construtora Camargo Corrêa. Em seu relato, ele confessou serviços que teria prestado para um ex-ministro do governo Lula, apontou nomes de políticos e citou Kurt Paul Pickel, doleiro que, segundo Cursini, fazia câmbio para os dirigentes da empreiteira.

Na próxima terça-feira, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) retomará julgamento do habeas corpus 159159/SP, por meio do qual a defesa da Camargo Corrêa pretende trancar o processo judicial sob alegação de que os executivos não cometeram crime e que interceptações telefônicas e outras medidas invasivas foram autorizadas pela 6.ª Vara Criminal Federal em São Paulo com base exclusivamente em denúncia anônima.
A Procuradoria afirma que a delação de Cursini, feita em 2007, também deu sustentação à Castelo de Areia. A defesa, porém, alega que o depoimento do doleiro foi ocultado pela 6.ª Vara e que a Procuradoria tenta "confundir" os ministros do STJ.

Esquema CC5. Cursini já foi apontado pela PF como um dos mais atuantes doleiros do País, com escritório na Rua Joaquim Floriano, no Itaim-Bibi, zona sul de São Paulo. Inquérito da PF, que deu base à sua condenação, apurou que ele manteve a conta da Goldrate Corporation no Merchants Bank de Nova York - os ativos de cidadãos brasileiros depositados no Merchants foram bloqueados pelos Estados Unidos, por ordem da United States District Court of New Jersey.

A PF constatou que Cursini foi um dos principais operadores do esquema CC5, contas mantidas no País por residentes no exterior. Rastreamento da Receita indica que 11,2 mil brasileiros enviaram R$ 1,76 bilhão para paraísos fiscais. Cursini realizou 417 ordens de transferência em dois anos e meio de atividade.

Segundo o Ministério Público Federal, "a conta Goldrate no Merchants Bank facilitou a ocultação dos valores, dificultando a arrecadação tributária, a persecução criminal, o arresto de tais valores e o reconhecimento das pessoas físicas e jurídicas que, fugindo do controle das autoridades brasileiras e, em detrimento das reservas cambiais nacionais, utilizaram-se dos serviços dos doleiros para cambiarem moeda, evadirem divisas e manterem recursos no exterior criminosamente". Para a Procuradoria, Cursini adotou "esquemas típicos de lavagem de dinheiro".

A PF constatou que a Goldrate Corporation "não era uma empresa real, com sede física e atividades comerciais reais".

Cursini não retornou contato do Estado. Seu advogado, Antônio Figueiredo Bastos, também não se manifestou.

quinta-feira, 10 de março de 2011

O lado político da crise

10 de março de 2011
Rolf Kuntz - O Estado de S.Paulo

A crise da economia global é também uma crise para os economistas, disse o diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Dominique Strauss-Kahn, ao abrir uma conferência sobre as lições do desastre econômico e financeiro dos últimos três anos. A reunião, coordenada pelo economista-chefe da instituição, Olivier Blanchard, serviu para uma crítica das políticas dominantes nos últimos 20 anos, para um ato de contrição profissional e para um debate sobre um novo manual para os ministros de economia e finanças e presidentes de bancos centrais. Um pouco de humildade pode ser salutar, tanto quanto a disposição para rever teorias e políticas. Mas algumas questões propostas no encontro não são novas e algumas críticas talvez tenham sido mal dirigidas e resultem apenas em mais confusão.

Segundo uma dessas críticas, os bancos centrais erraram ao concentrar seus esforços no controle da inflação, sem levar em conta as condições da intermediação financeira. "A regulação financeira estava fora do esquema da política macroeconômica", escreveu Blanchard num resumo - um tanto caricatural, como ele advertiu - das ideias dominantes na fase pré-crise. Mas a simplificação pode ter ido longe demais. Os bancos centrais não deram prioridade ao controle da inflação em detrimento da regulação financeira. A história é outra. A regulação foi deficiente, nos Estados Unidos e em vários outros países, por uma combinação de ideologia e de outras motivações menos nobres.

Oficialmente, a estabilidade e a segurança do sistema financeiro têm estado há muito tempo na pauta das autoridades. Regras foram discutidas por dirigentes dos mais importantes bancos centrais e convertidas em esquemas de regulação pelo Banco de Compensações Internacionais, de Basileia. Normas até mais severas foram adotadas no Brasil, e isso explica, em boa parte, a resistência dos bancos brasileiros à crise. Mas nenhum desses esquemas foi adotado integralmente em muitas economias desenvolvidas e, além disso, os mecanismos de controle raramente - ou nunca, em muitos casos - se estenderam além dos bancos comerciais. Bancos de investimento e outras instituições ficaram livres de supervisão, nos Estados Unidos, e foram usados como canais de transmissão das operações de altíssimo risco.

A decisão de manter o sistema financeiro livre de controles não teve relação com as concepções de política monetária e muito menos com a adoção de esquemas de metas de inflação. Foi uma decisão política de outra natureza, resultante da combinação de uma pitada de ideologia com um balde de safadezas. Boa parte da história é contada no documentário Inside Job, premiado com o Oscar.

A crise pode ter sido uma surpresa por sua extensão e por sua gravidade, mas houve muitos sinais de alerta, alguns deles emitidos por gente do próprio FMI, dois anos antes do início da quebradeira dos bancos. Economistas e operadores do mercado, incluídos alguns dirigentes do setor bancário, haviam apontado os perigos embutidos no excesso de liquidez global e na formação da grande bolha de crédito.

O assunto foi discutido mais de uma vez no Fórum Econômico Mundial, em Davos, antes de começar a quebradeira dos bancos. Além disso, o grande desequilíbrio internacional entre deficitários e superavitários - um dos aspectos politicamente mais complicados da crise - foi discutido durante anos, por vários especialistas, antes de se tornar um dos temas centrais do Grupo dos 20 e do FMI. A crise deu uma dimensão dramática a problemas debatidos durante anos e realçou a urgência de novos e mais eficientes mecanismos de coordenação de políticas e de supervisão de mercados.

O grande problema não é avalizar a retomada de velhas políticas, como a limitação temporária do ingresso de capitais ou a regulação quantitativa do crédito, rebatizadas com o pitoresco nome de "medidas macroprudenciais". Dirigentes de bancos centrais e ministros de Finanças encontraram essas medidas nos quartos de despejo da política econômica e foram capazes de usá-las, novamente, antes de qualquer discussão acadêmica. Desafio sério, mesmo, é concretizar velhas propostas de regulação internacional do sistema financeiro, de instalação e operação de um mecanismo de alerta e prevenção de turbulências e - acima de tudo - de coordenação efetiva de políticas. Alguma coordenação ocorreu no começo da crise, mas já em outubro do ano passado Strauss-Kahn lamentou o enfraquecimento da cooperação. O assunto envolve dificuldades teóricas, mas os maiores obstáculos são políticos.


quarta-feira, 9 de março de 2011

Para quem gosta da língua portuguesa

Pergunta: Alguém sabe me explicar, num português claro e direto, sem figuras de linguagem, o que quer dizer a expressão ‘no frigir dos ovos’?

Resposta: Quando comecei, pensava que escrever sobre comida seria sopa no mel, mamão com açúcar. Só que depois de um certo tempo dá crepe, você percebe que comeu gato por lebre e acaba ficando com uma batata quente nas mãos. Como rapadura é doce mas não é mole, nem sempre você tem ideias e pra descascar esse abacaxi só metendo a mão na massa. E não adianta chorar as pitangas ou, simplesmente, mandar tudo as favas.

Já que é pelo estômago que se conquista o leitor, o negócio é ir comendo o mingau pelas beiradas, cozinhando em banho-maria, porque é de grão em grão que a galinha enche o papo.

Contudo é preciso tomar cuidado para não azedar, passar do ponto, encher linguiça demais. Além disso, deve-se ter consciência de que é necessário comer o pão que o diabo amassou para vender o seu peixe. Afinal não se faz uma boa omelete sem antes quebrar os ovos.

Há quem pense que escrever é como tirar doce da boca de criança e vai com muita sede ao pote. Mas como o apressado come cru, essa gente acaba falando muita abobrinha, são escritores de meia tigela, trocam alhos por bugalhos e confundem Carolina de Sá Leitão com caçarolinha de assar leitão.

Há também aqueles que são arroz de festa, com a faca e o queijo nas mãos, eles se perdem em devaneios (piram na batatinha, viajam na maionese...etc.). Achando que beleza não põe mesa, pisam no tomate, enfiam o pé na jaca, e no fim quem paga o pato é o leitor que sai com cara de quem comeu e não gostou.

O importante é não cuspir no prato em que se come, pois quem lê não é tudo farinha do mesmo saco. Diversificar é a melhor receita para engrossar o caldo e oferecer um texto de se comer com os olhos, literalmente.

Por outro lado se você tiver os olhos maiores que a barriga o negócio desanda e vira um verdadeiro angu de caroço. Aí, não adianta chorar sobre o leite derramado porque ninguém vai colocar uma azeitona na sua empadinha não. O pepino é só seu, e o máximo que você vai ganhar é uma banana, afinal pimenta nos olhos dos outros é refresco.

A carne é fraca, eu sei. Às vezes dá vontade de largar tudo e ir plantar batatas. Mas quem não arrisca não petisca, e depois quando se junta a fome com a vontade de comer as coisas mudam da água pro vinho.

Se embananar, de vez em quando, é normal, o importante é não desistir mesmo quando o caldo entornar. Puxe a brasa pra sua sardinha que no frigir dos ovos a conversa chega na cozinha e fica de se comer rezando. Daí, com água na boca, é só saborear, porque o que não mata engorda.

ISO/DESUP-SP (iso.sendacz@bcb.gov.br), em 4.3.2011

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Mundo de olho nos ditadores

Editorial de O Diário de Pernambuco
Edição de sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011


A revolta que tem feito governos ditatoriais sucumbirem no Norte da África e no Oriente Médio é fato histórico tão relevante que suas possíveis consequências ainda não foram completamente observadas. Analisando-se apenas as trajetórias da vítima mais recente da "revolução", o egípcio Hosni Mubarak, e do alvo da vez, Muamar Kadafi, da Líbia, organismos de defesa dos direitos humanos e instituições multilaterais, como as Nações Unidas, poderiam obter uma relação substancial de crimes passíveis de uma longa e aprofundada investigação.

Os desdobramentos judiciais da derrocada dos ditadores já causa certa dor de cabeça para as novas autoridades egípcias e regimes aliados. Afinal, caso o movimento para levar Mubarak ao banco dos réus por conta das cerca de 370 mortes durante a revolta ganhe impulso, detalhes ainda mais nefastos sobre as manobras que mantiveram o ditador no poder durante três décadas - com o beneplácito de outros governos, como o norte-americano e o israelense - podem vir à tona e implicar militarese políticos egípcios e de outras nações. Julgá-lo no próprio Egito não seria possível neste momento, visto que não há um precedente no país para o indiciamento de um ex-governante.

Em relação a Kadafi, sua personalidade excêntrica e o envolvimento mais claro em ações terroristas tornaria ´menos constrangedor` um julgamento em tribunal internacional. É necessário recordar, porém, que o ditador líbio - acusado de participação no atentado, em 1988, contra o voo da Pam Am em Lockerbie (Escócia), no qual 270 pessoas morreram, e na explosão de uma bomba em uma boate em Berlim, dois anos antes - se reaproximou do Ocidente na virada do século, entregando suspeitos do ataque ao avião e concordando em eliminar armas de destruição em massa.

Desde então, Kadafi cristalizou amizades, ou, ao menos, somou aliados para tornar seu governo linha-dura legítimo aos olhos de mais líderes estrangeiros. Foi assim com o italiano Silvio Belusconi, com o brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva e, à época, com o americano George W. Bush.As sansões contra a Líbia caíram, o país voltou a comercializar com liberdade seu petróleo, e, aos poucos, ganhou parceiros em vários continentes. Nada disso deve impedir que as Nações Unidas e os outros organismos competentes apurem à exaustão fatos criminosos atribuídos aos governos hoje questionados.

Ainda não se sabe qual a verdadeira vontade política das grandes potências para aproveitar o momento e fortalecer mecanismos de direito internacional já estabelecidos para casos de crimes contra a humanidade. Lembremos evoluções recentes nesse sentido, como os julgamentos de Slobodan Milosevic, da antiga Iugoslávia, e Charles Taylor, da Libéria, no Tribunal Internacional de Haia, e a detenção de Augusto Pinochet na Europa. Diante desse novo panorama, os ditadores estabelecidos em diferentes partes do planeta devem estar tremendo, o que é um sintoma positivo, quando se busca afirmação dos princípios democráticos, como atestam os dramáticos episódios que têm por cenário duas estratégicas regiões, onde o petróleoé o elemento dominante no jogo dos interesses econômicos e políticos.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

História feita pelo povo

19 de fevereiro de 2011 | 0h 00

MARIO VARGAS LLOSA - O Estado de S.Paulo

O movimento popular que sacudiu países como Tunísia, Egito e Iêmen e cujas réplicas chegaram a Argélia, Marrocos e Jordânia é o mais completo desmentido de quem, como Thomas Carlyle, acredita que "A história do mundo é a biografia dos grandes homens". Nenhum caudilho, grupo ou partido político pode se atribuir esse levante social sísmico que já decapitou as satrapias tunisiana de Ben Ali e egípcia de Hosni Mubarak, colocou à beira do colapso a iemenita de Ali Abdullah Saleh, e provoca calafrios nos governos dos países onde a onda convulsiva chegou mais fraca como na Síria, Jordânia, Argélia, Marrocos e Arábia Saudita.

É óbvio que ninguém podia prever o que ocorreu nas sociedades autoritárias árabes e que o mundo inteiro e, em especial, os analistas, a imprensa, as chancelarias e centros de estudos políticos ocidentais ficaram tão surpresos com a explosão sociopolítica árabe como ficaram com a queda do Muro de Berlim e a desintegração da União Soviética e seus satélites.

Não é arbitrário aproximar os dois acontecimentos: os dois têm uma transcendência semelhante para as respectivas regiões e provocam precipitações e sequelas políticas para o restante do mundo. Que melhor prova de que a história não está escrita e ela pode tomar, de repente, direções imprevistas que escapam a todas as teorias que pretendem sujeitá-la a procedimentos lógicos? Dito isso, não é impossível discernir alguma racionalidade nesse movimento contagioso de protesto que se inicia, como numa história fantástica, com a autoimolação pelo fogo de um pobre e desesperado tunisiano do interior chamado Mohamed Bonazizi e com a rapidez do fogo que se espalha por todo o Oriente Médio.

Os países onde ele ocorreu sofriam com ditaduras de dezenas de anos, corruptas até a medula, cujos governantes, parentes próximos e clientelas oligárquicas haviam acumulado fortunas imensas, bem seguras no estrangeiro, enquanto a pobreza e o desemprego, assim como a falta de educação e saúde, mantinham enormes setores da população em níveis de mera subsistência e, às vezes, de fome. A corrupção generalizada e um sistema de favoritismo e privilégio fechavam à maioria da população todos os canais de ascensão econômica e social.

Mas esse estado de coisas que foi o de incontáveis países ao longo da história, jamais teria provocado o levante sem um fato determinante dos tempos modernos: a globalização. A revolução da informação foi esburacando por toda parte os rígidos sistemas de censura que os governos árabes haviam instalado para manter os povos que exploravam e saqueavam, na ignorância e no obscurantismo tradicionais. Hoje, porém, é muito difícil, quase impossível, um governo submeter a sociedade inteira às trevas midiáticas para manipulá-la e enganá-la como outrora.

A telefonia celular, a internet, os blogs, o Facebook, o Twitter, as redes internacionais de televisão e demais recursos da tecnologia audiovisual levam a todos os rincões do globo a realidade de nosso tempo e forçam comparações que por certo mostraram às massas árabes o anacronismo e barbárie dos regimes que sofriam e a distância que os separa dos países modernos.

E esses mesmos instrumentos da nova tecnologia permitiram que os manifestantes coordenassem ações e pudessem introduzir alguma ordem no que, num primeiro momento, pôde parecer uma caótica explosão de descontentamento anárquico. Não foi assim. Um dos traços mais surpreendentes da sublevação árabe foram os esforços dos manifestantes para tolher o vandalismo e sair da frente, como no Egito, dos valentões enviados pelo regime para desprestigiar o levante e intimidar a imprensa.

Solução negociada. A lentidão (para não dizer a covardia) com que os países ocidentais - sobretudo os da Europa - reagiram, vacilando primeiro ante o que ocorria e depois com vagas declarações de boas intenções a favor de uma solução negociada do conflito, em vez de apoiar os rebeldes, deve ter causado uma terrível decepção aos milhões de manifestantes que se lançaram às ruas nos países árabes pedindo "liberdade" e "democracia" e descobriram que os países livres os olhavam com receio e, por vezes, pânico. E constatar, entre outras coisas, que os partidos políticos de Mubarak e Ben Ali eram membros ativos das Internacional Socialista! Bela maneira de promover a democracia social e os direitos humanos no Oriente Médio.

O equívoco garrafal do Ocidente foi ver no movimento emancipador dos árabes um cavalo de Troia pelo qual o integrismo islâmico poderia se apossar de toda a região e o modelo iraniano - uma satrapia de fanáticos religiosos - se estenderia por todo o Oriente Médio. A verdade é que a explosão popular não foi dirigida pelos integristas e, até agora ao menos, estes não lideram o movimento emancipador nem pretendem fazê-lo. Eles parecem muito mais conscientes que as chancelarias ocidentais de que o que mobiliza os jovens de ambos os sexos tunisianos, egípcios, iemenitas e os demais não são a sharia e o desejo de que alguns clérigos fanáticos venham substituir os ditadorezinhos cleptomaníacos que querem derrubar. Precisaríamos ser cegos ou preconceituosos para não perceber que o motor secreto desse movimento é um instinto de liberdade e de modernização.

Naturalmente, não sabemos ainda o rumo que tomará essa rebelião e, claro, não se pode descartar a possibilidade de que, na confusão que ainda prevalece, o integrismo ou o Exército tratem de tirar partido. O que sabemos, porém, é que, em sua origem e primeiro desenvolvimento, esse movimento foi civil, não religioso, e claramente inspirado em ideais democráticos de liberdade política, liberdade de imprensa, eleições livres, luta contra a corrupção, justiça social, oportunidades para trabalhar e melhorar.

O Ocidente liberal e democrático deveria celebrar esse fato como uma extraordinária confirmação da vigência universal dos valores que representa a cultura da liberdade e dar todo seu apoio aos povos árabes neste momento de luta contra os tiranos. Não somente seria um ato de justiça como também uma maneira de assegurar a amizade e a colaboração com um futuro Oriente Médio livre e democrático.

Porque esta é agora uma possibilidade real. Até antes dessa rebelião popular, muitos de nós considerariam isso difícil. O que ocorreu no Irã e, de certa forma, no Iraque, justificava certo pessimismo com respeito à opção democrática no mundo árabe. Mas o que ocorreu nestas últimas semanas deveria ter varrido essas reticências e temores inspirados em preconceitos culturais e racistas. A liberdade não é um valor que só os países cultos e evoluídos apreciam.

Massas desinformadas, discriminadas e exploradas também podem, às vezes por caminhos tortuosos, descobrir que a liberdade não é um ente retórico desprovido de substância, mas uma chave mestra para sair do horror, um instrumento para construir uma sociedade onde homens e mulheres possam viver sem medo, dentro da legalidade e com oportunidades de progresso.

Ocorreu na Ásia, na América Latina, nos países que viveram submetidos ao jugo da União Soviética. E agora, por fim, está começando a ocorrer também nos países árabes com uma força e heroísmo extraordinários. Nossa obrigação é mostrar-lhes nossa solidariedade ativa, porque a transformação do Oriente Médio em uma terra de liberdade não beneficiará apenas a milhões de árabes, mas ao mundo inteiro em geral (incluindo, é claro, Israel, embora o governo extremista de Binyamin Netanyahu seja incapaz de compreendê-lo). / TRADUÇÃO DE CELSO M. PACIORNIK

É GANHADOR DO NOBEL DE LITERATURA


quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Em 30 anos, o ditador Hosni Mubarak obteve fortuna de US$ 70 bilhões

Jornal "O Dia" em 16.02.2011

Ex-presidente do Egito depositou grande parte dos seus lucros em contas secretas
Cairo (Egito) - Se você ficou com algum tipo de pena porque o povo egípcio finalmente conseguiu enxotar o ditador Hosni Mubarak, que já estava há mais de 30 anos no poder, pode ficar tranquilo. A fortuna do ex-militar fica entre 40 e 70 bilhões de dólares, segundo o jornal britânico ‘The Guardian’. Boa parte do capital, como ocorre com as finanças de muitos tiranos, tem a origem no mínimo suspeita.

“Depois de 30 anos como presidente e mais tempo como um oficial militar, Mubarak teve acesso a transações de investimentos que geraram centenas de milhões em lucros. Muitos destes ganhos foram levados para fora do país e depositados em contas secretas de bancos ou investidos em casas de luxo e hotéis”, disse o jornal.
Um dos lugares preferenciais do ditador para investir seu dinheiro era a cidade de Londres, onde mantém várias propriedades, inclusive uma mansão de seis andares. Foi para lá que parte da família dele desembarcou no final de janeiro, quando o povo já protestava nas ruas. Os parentes de Mubarak chegaram à cidade num jato particular, com 92 bagagens.

MANSÕES NOS EUA

O egípcio também tem bens nos Estados Unidos. Segundo matéria do jornal árabe ‘Al Khabar’, o presidente que saiu do poder na sexta-feira tem propriedades em Manhattan, a região mais cara de Nova Iorque, e Berverly Hills, uma das mais valorizada de Los Angeles. Os filhos do ditador também são bilionários e ostentam propriedades luxuosas, como outra mansão também em Londres.

Em entrevista à rede americana ABC News, o cientista político da Universidade de Princeton, Amaney Jamal, comparou a fortuna de Mubarak às de outros líderes do Golfo Pérsico. “Houve muita corrupção e sufoco de recursos públicos para proveito pessoal”, explicou.

Suíça bloqueou possíveis fundos do político no país

Os relatos sobre a fortuna internacional de Mubarak motivaram, já na sexta-feira, dia em que o ditador renunciou, o bloqueio, pelo Conselho Federal suíço, dos possíveis fundos que o presidente egípcio e sua família tenham em bancos do país europeu.

O Executivo suíço publicou uma ordem pedindo aos bancos da nação que busquem e congelem os fundos do clã Mubarak, pouco depois da sua renúncia após 18 dias de grandes protestos populares.

“O Conselho Federal decidiu congelar com efeito imediato todos os fundos que eventualmente se encontrem na Suíça do antigo presidente egípcio e de seus familiares”, assinalou o órgão.

O documento explicou que a decisão tem o objetivo de evitar “qualquer risco de desvios de bens que pertencem ao povo egípcio”. A ministra de Exteriores suíça e presidente da Confederação, Micheline Calmy-Rey, explicou à imprensa suíça que o texto foi publicado às 17h30, ou seja, meia hora depois do anúncio da renúncia de Mubarak.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Dinheiro ilegal no exterior pode receber anistia

CIDADANIA FISCAL

POR LUDMILA SANTOS

O Projeto de Lei 354/09, conhecido como Projeto de Cidadania Fiscal, que concede vantagens fiscais para facilitar a repatriação de valores mantidos no exterior e não declarados à Receita, pode ser votado neste mês na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. De autoria do senador Delcídio Amaral (PT-MS), a proposta tem sido alvo de críticas daqueles que acreditam que, se aprovada, a propositura vai "deslavar" dinheiro de brasileiros sonegadores e beneficiar quem mandou para o exterior valores obtidos por meio do tráfico de drogas, lavagem de dinheiro, corrupção e crimes financeiros.
De acordo com o texto, pessoas físicas e jurídicas que tenham no exterior dinheiro ou bens de origem legal não declarados à Receita poderão incluir esses valores nas declarações de 2011, ano-base 2010, caso ele seja aprovado ainda este ano. O imposto será de 5% em cota única ou de 10%, se for parcelado, sobre o valor repatriado.
A proposta já recebeu parecer favorável do relator na Comissão de Constituição, Justiça (CCJ), o então senador Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN), que agora chefia o Ministério da Previdência. Garibaldi apresentou 13 emendas ao texto original, entre as quais a que diz respeito ao tipo de crime a ser perdoado, caso o titular do patrimônio aceite as regras do retorno. A sugestão do relator é a de que a anistia alcance apenas o delito de evasão de divisas, um dos antecedentes para a caracterização do crime de lavagem de dinheiro, perdoado pela proposta original.
A emenda do relator também permite que a tributação seja reduzida pela metade se o contribuinte aplicar no mínimo 50% do valor dos bens e direitos em cotas de fundos de investimentos dirigidos a projetos de infraestrutura, habitação, agronegócio, inovação e pesquisa científica ou em bônus e títulos de dívida de empresas brasileiras no exterior.
No caso de pessoa jurídica, a regularização se dará pela incidência do IRPJ e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), com alíquotas de 10% e 8%, respectivamente. Após passar pela Comissão de Assuntos Econômicos, em caráter terminativo, o projeto seguirá para a Câmara dos Deputados.
Origem do dinheiro
Apesar de o artigo 9º do projeto excluir do rol de delitos perdoados os crimes previstos na Lei 9.613/98, que dispõe sobre a lavagem ou a ocultação de bens, direitos e valores, a proposta é alvo de críticas por não esclarecer como será comprovada a origem do dinheiro nem como ele foi parar no exterior. “Fica extinta a punibilidade dos crimes com a simples declaração dos bens e valores, não havendo obrigação legal de se comprovar se os recursos são ou não lícitos. Dessa forma, o projeto acaba premiando aqueles que não estão seguindo a lei. Tem muito dinheiro não declarado fora do país proveniente de lavagem de dinheiro e do tráfico de drogas e de armas”, explicou o delegado da Polícia Federal Bruno Titz de Rezende, que atua na Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros em São Paulo.
Segundo o delegado, a maior parte dos recursos mantidos fora do país ilegalmente por brasileiros foi enviada para o exterior há muito tempo, por isso, muitos crimes de evasão de divisas podem estar prescritos. Mesmo assim, a manutenção de dinheiro não declarado no exterior é crime permanente, com prescrição contada a partir do momento em que os recursos retornam ao Brasil. “Ou seja, com a aprovação do projeto, o contribuinte não poderá mais responder pela manutenção ilegal do dinheiro. Haverá uma anistia penal e o ordenamento jurídico não mais permitirá a punição dos crimes dessa espécie cometidos antes da edição da lei”.
O delegado também destacou que o projeto propõe uma inversão de valores, uma vez que quem aufere renda no país e o declara paga uma alíquota maior do que aquele que manteve recursos ilegais no exterior. “As alíquotas do Imposto de Renda vão até 27,5%, mas para quem participar desse projeto de ‘cidadania fiscal’, a alíquota será de no máximo 10%. O projeto representa um retrocesso. Enquanto países, como os Estados Unidos, estão ampliando o combate aos crimes financeiros e tributários, o Brasil avalia a possibilidade de premiar quem não cumpre a lei”.
Preocupada com a possibilidade de tratamento benéfico ao dinheiro que vai para o exterior de forma criminosa, a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) entregou uma nota técnica a todos os senadores. A entidade acredita que haverá grande dificuldade para discriminar a natureza e a origem do dinheiro repatriado. O presidente da Ajufe, juiz Gabriel Wedy, chegou a considerar que o projeto viola o princípio constitucional da moralidade e que o envio de dinheiro ao exterior é feito geralmente por organizações criminosas. "O dinheiro da corrupção na política brasileira é obviamente encaminhado de forma ilícita."
O promotor do Patrimônio Público e Social de São Paulo, Silvio Marques, também levantou a hipótese de a constitucionalidade da lei ser questionada, caso ela seja aprovada. "A legislação já permite que o contribuinte que sonegou não responda criminalmente, caso ele pague todos os tributos. Por outro lado, não acho que seja justo uma lei beneficiar quem não declarou seus bens no exterior em detrimento dos que cumpriram suas obrigações no Brasil, que não vão ter uma alíquota menor", explicou. "A proposta pode até ter um resultado inverso, uma vez que demonstra ser vantajoso o envio e a manutenção de dinheiro não declarado no exterior."
Ele avaliou ainda que é preciso deixar claro como será feita a repatriação dos recursos, para que não sejam beneficiados contribuintes que não declararam dinheiro de origem ilícita. "O projeto não pode abarcar esse tipo de bens. Seria a mesma coisa que lavar dinheiro com a chancela da lei."
Na vertente oposta, o advogado tributarista Raul Haidar considerou boa a intenção do PL 354/09, por viabilizar o retorno de dinheiro que foi para fora do país. "As críticas giram em torno da origem dos recursos, da possibilidade de eles serem fruto de atividade ilícita. É melhor que esse dinheiro fique aplicado no Brasil para pagar imposto e gerar emprego. Por outro lado, é difícil imaginar que um traficante vá trazer seu dinheiro para cá porque vai ser anistiado."
Ele afirmou ainda que, apesar de o projeto não beneficiar quem deixou o dinheiro no país, o contribuinte que não enviou seu dinheiro para o exterior acaba sendo favorecido de outra forma. "Os juros no mercado interno são bem maiores. Se ele não enviou o dinheiro para fora é porque não teve oportunidade. Mas ele saiu ganhando, de alguma forma."
Para o professor de Direito Tributário da USP, Heleno Torres, as críticas ao projeto são pouco consistentes, pois não consideram a lista de crimes que não serão perdoados, disposta no artigo 9º, muito menos os benefícios ao país. “Nos anos 80 e 90, a propriedade era depauperada pelo Estado, que não controlava a inflação e chegou a confiscar bens do contribuinte. Havia muita insegurança e por isso muitos brasileiros enviaram dinheiro para o exterior sem declará-lo. Com a anistia fiscal, é possível que possamos usar esses recursos em infraestrutura. E mesmo que se cobre uma alíquota mais baixa para esses contribuintes, os recursos passarão a gerar mais impostos se forem aplicados em melhorias para o país, que é a proposta do projeto de lei”.
Rebatendo as críticas sobre a possibilidade de beneficiar que não declarou seus bens, prejudicando aqueles que cumpriram suas obrigações fiscais, Torres afirma que deve ser avaliado o que é mais interessante para o país. “Cerca de R$ 300 bilhões poderão ser injetados na nossa economia. Só de imposto de renda, mesmo com a alíquota menor, serão arrecadados cerca de R$ 30 bilhões. O restante poderia ficar um período incubado, em fundos de investimento”. O professor também comparou o PL 354/09 ao Refis, muito difundido em todo o Brasil. “Ao se utilizar do Refis para recuperar tributos, o governo acaba por incentivar a concorrência desleal entre os contribuintes, com reduções das multas que podem chegar até 90% para quem está devendo ao Fisco. Isso também não é uma deslealdade com quem paga os impostos em dia?”, questionou.
Ele destacou, no entanto, que devem ser anistiados apenas os crimes vinculados a saída de dinheiro por omissão de informação. “Há inúmeras investigações em andamento sobre crimes financeiros. Se for verificado que alguém que está sendo investigado quer participar do programa, bloqueia-se os valores para que eles fiquem à disposição da Justiça”. Apesar de apoiar o projeto, Torres argumenta, que ele só dará certo, ou seja, só conseguirá incentivar o retorno dos recursos ao país, se o contribuinte sentir que há segurança institucional. “Se a polícia começar a abrir inquéritos, o Fisco começar a abrir procedimentos de cobrança de tributos, o contribuinte não vai se sentir seguro. É preciso que se tenha a garantia da anistia fiscal e se investigue apenas os crimes antecedentes”.

Investimento
O senador Delcídio Amaral, que presidiu a CPI dos Correios, defende o projeto como forma de viabilizar investimentos no país, principalmente quando o Brasil se prepara para sediar grandes eventos esportivos, como a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016. "Cerca de US$ 50 bilhões de brasileiros circulam fora do país. Esse dinheiro pode ser investido em infraestrutura, habitação, agronegócio, ciência e tecnologia. Só faz crítica ao projeto quem não leu o texto."
Para preparar a proposta, o senador consultou normas de estímulos fiscais da Itália, Alemanha, Estados Unidos e Bélgica, entre outros. "A intenção é repatriar dinheiro obtido por meio de trabalho. Em virtude da incerteza jurídica provocada por planos de estabilização monetária fracassados, muitos brasileiros passaram a enviar seu dinheiro para o exterior para se proteger. Esses recursos que são alvo do projeto."
Amaral rebateu as críticas afirmando que os mecanismos para separação do dinheiro ilícito do dinheiro limpo serão estabelecidos com a regulamentação da norma, que será feita pela Comissão de Valores Mobiliários, pelo Conselho Monetário Nacional, pela Secretaria da Receita Federal, pelo Banco Central e pelo Conselho Federal de Contabilidade. "Uma das ideias é que se indique bancos de primeira linha para rastrear os recursos dos participantes e que haja a responsabilização, caso haja algum equívoco ou irregularidade na internacionalização dos recursos. O contribuinte vai ter de apresentar um história sobre o dinheiro."
Segundo o projeto, a regulamentação deverá ser feita no prazo de até 60 dias após a entrada em vigor da lei. Para o juiz convocado do Tribunal de Justiça de São Paulo Carlos Henrique Abrão, até lá, o contribuinte poderá repatriar o dinheiro e se beneficiar da anistia. "Minhas dúvidas são em relação ao tempo de apuração da origem do dinheiro. Até que se identifique se a origem é lícita ou não, o contribuinte já trouxe o dinheiro para cá, teve a isenção, foi anistiado e até usou o dinheiro."
Na opinião do juiz, o projeto deveria separar o dinheiro que foi enviado ao exterior como simples aplicação daquele que é fruto de ato ilícito. "Se a origem é lícita, houve somente o crime tributário. Dessa forma, não haveria vantagens a quem participa do crime organizado, para traficantes, para pessoas que desviam dinheiro público. Mas, para isso, é necessária uma fiscalização e uma Polícia judiciária financeira que combata os crimes tributários e financeiros, mas essa situação vivida no Brasil é precária."
Ele destacou que, ao contrário de países como França, Itália e Alemanha, o Brasil não possui um departamento de Polícia financeira e a articulação com órgãos do exterior para identificar o repatriamento de dinheiro ilegal é insuficiente. Abrão defendeu a possibilidade do governo sequestrar os valores nos casos em que a origem dos recursos não for comprovada ou for ilícita. "Os paraísos fiscais guardam milhões de dólares oriundos do crime organizado."
No entanto, o promotor Silvio Marques destacou que o país possui sim expertise para investigar os crimes financeiros, por meio do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão do Ministério da Fazenda que atua na investigação de casos de suspeita de lavagem de dinheiro e aplica penas administrativas. "A unidade de inteligência financeira possui meios para verificar a origem do dinheiro, inclusive no exterior, por meio de cooperação internacional."
Para ele, se o projeto for aprovado, o Coaf vai verificar a origem dos recursos repatriados e, no caso de suspeita de crime, fará uma representação ao Ministério Público para que o caso seja investigado, inclusive pela Justiça.
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