segunda-feira, 24 de maio de 2010

Europa pisca, especulação ataca, Alemanha reage, euro sobe, e a guerra entre titãs continua

Correio Braziliense – Brasil S/A
23/5/2010


Por Antonio Machado

machado@cidadebiz.com.br


Pelo sexto dia seguido os mercados financeiros globais chutaram o balde na Europa, reagindo crescentemente mal aos esforços da União Europeia para limitar o desastre da virtual insolvência da Grécia, tratada pro forma como crise de liquidez, e salvar a credibilidade do euro. Está difícil: a União Europeia nunca esteve tão desunida.



A sensação é que cada país da zona do euro procura, primeiro, seu conforto em meio ao incêndio que ameaça chegar a outras economias pesadamente endividadas da região, como Portugal, Espanha, Itália, Irlanda e Inglaterra, e só depois o do conjunto. A solidariedade é pouca, e isso numa região que tenta conviver com velhos rancores.



Mais por eles, depois da 2ª Guerra, é que se partiu para a união — que começou com o livre comércio na região e veio dar em 2002 no euro —, que estritamente por razões econômicas. Velhas rivalidades foram trocadas pela convivência pacífica e solidária, bastando aos sócios, em síntese, cumprir critérios de desempenho fiscal — como deficit público de até 3% do PIB e dívida pública abaixo de 60% do PIB — totalmente superados pelo colapso do crédito no mundo.



A economia alemã, a mais forte, sempre foi a referência do euro e da união econômica. Nada perdeu: na Europa está o maior mercado de suas exportações. Mas desde o salve-se quem puder da grande crise global, que vem do fim de 2007 nos EUA, a região não se preparou em bloco para o tranco. Ao contrário, se viu recebendo os fluxos financeiros de países e investidores desconfiados do dólar.



Não atentou que o processo atrairia a atenção dos aplicadores de curto prazo, cujo negócio é arbitrar diferenças de taxas cambiais e de juros, o que inclui os fundos de hedge, bancos e até mesmo as mesas de títulos e moedas dos bancos centrais, e todos de olho nas contas públicas de cada país. É quando se descobre o que se sabia.



A primeira descoberta é que a economia europeia, muito engessada por pactos sociais e pela política do Estado de bem-estar, seria a que mais sofreria com a crise global. Não é pouca coisa: a Europa, em conjunto, é a maior área econômica do mundo. É lá que está, por exemplo, o maior mercado da China — e ambos são, hoje, os maiores importadores do Brasil, deixando para trás os EUA. O tombo do euro não abalaria apenas a Europa. Mas nem isso serviu para sacudi-los.



Grécia foi o estopim

E aí veio o novo governo da Grécia, em outubro passado, e começa a tragédia europeia. Revela-se que a Grécia fraudara suas contas. A dívida e o deficit eram muito maiores do que se suspeitava.



O mercado se retraiu para os títulos da Grécia, esperando o que levou meses para que se confirmasse: o aval da União Europeia para os papéis de emissão de seus membros. A ajuda enfim aprovada de 110 bilhões de euros supostamente garante todos os vencimentos de papéis da dívida pública grega por três anos. O Banco Central Europeu (BCE) mudou de concepção e passou a comprar papéis. Mas a crise seguiu.



União desunida e lenta

Uma semana depois da decisão de lançar uma boia à Grécia, líderes da UE se reuniram para fazer mais: outro pacote, este de até 750 bilhões de euros, incluindo dinheiro do Fundo Monetário Internacional (FMI), para socorrer outros países do euro. Foi pensado para aliviar a tensão sobre Portugal e Espanha, cujas dívidas caminham para o cadafalso.



Também não bastou para esfriar o caldeirão em que ferve o euro. A Europa já se mostrara como uma união de desunidos, sem lideranças fortes, e lerdos para decidir. O pacotão depende de aprovação dos parlamentos, o que ainda está em curso — e a compra de papéis pelo BCE se faz em conta-gotas como se não houvesse uma emergência.



EUA entram na briga

De mal parada a situação na zona do euro recrudesceu para guerra aberta. O mercado desafiou o euro. “Os especuladores não atacam os fortes, só os fracos”, disse Marc Chandler, diretor do Brothers Harriman, um gestor de fundos dos EUA. E Angela Merkel, chanceler da Alemanha, topou a briga. “Esta é uma luta dos políticos contra os mercados”, disse ela dias atrás. “Estou determinada a vencer.”



Anteontem, Merkel proibiu as operações de vendas a descoberto no mercado futuro. E o mercado cuspiu fogo. As bolsas globais caíram ainda mais, as operações interbancárias encolheram e parceiros de Merkel na Europa reclamaram da decisão unilateral.



A luta continua. Nos mercados, a aposta de que o euro cairá a US$ 1,15 em três meses concentra 36% dos contratos. Mas o euro virou de US$ 1,22 para US$ 1,25, com a ajuda não confirmada do Fed, o BC dos EUA, e de outros países. Nada está certo nesta luta de titãs.



Abutres fazem a festa

Enfrentamentos entre coalizões de financistas e governos até hoje só enriqueceram os abutres. O caso mais notório opôs a Inglaterra a George Soros, então um desconhecido, em 1992, e a libra perdeu. Ficou conhecido como “o homem que quebrou o Banco da Inglaterra”.



No fim de 1998, o BC sustentou a cotação do real, para dar tempo a Fernando Henrique se reeleger, e terminou sem reservas, então da ordem de US$ 62 bilhões. Vieram FMI, a maxidesvalorização do real, juros no espaço e recessão. Nos dois casos, conforme a máxima de Soros, havia uma premissa falsa, a moeda forte, e a presunção dos governos de que poderiam peitar o mercado. A Europa esta assim. Hoje, a coordenação entre os países é maior, mas a globalização financeira se dá em tempo real. Sorte que essa briga não é nossa.

sábado, 22 de maio de 2010

Capital de vento

Correio Braziliense – Brasil S/A – 19/5/2010



Sem a ciranda financeira, mundo rico terá crescimento anêmico e aumento explosivo de dívida

Por Antonio Machado
machado@cidadebiz.com.br


O economista Sidnei Nehme, um dos mais antenados analistas sobre questões cambiais, abriu o seu comentário de terça-feira com uma constatação crescentemente consensual: “os mercados globais”, ele escreveu, “continuam com muitas dúvidas e pouquíssimas certezas”.

As certezas são de que a economia se enfiou em todo o mundo num enrosco danado. Como desatar os nós é a dúvida. O estudo do Fundo Monetário Internacional (FMI) que traz o quadro da situação fiscal das quase duas centenas de países associadas à organização dá uma pista sobre o que acontecia até o colapso dos mercados financeiros pela quebra do Banco Lehman Brothers e as sequelas que perduram.

Desde então, governos e analistas fizeram à exaustão a autopsia do baque financeiro que varreu o mundo, parecia amainar até uns meses atrás, dá sinais de que vem sendo superado nos EUA, onde irrompeu, e ressurge como recidiva de doença oportunista nas partes frágeis da economia global. Hoje, é a Europa. Amanhã, ninguém sabe.

Pouco estudado é o efeito que a ciranda do crédito tinha sobre a produção, o consumo, a arrecadação fiscal dos países e a renda das pessoas em todo mundo. Pelo circuito da globalização dos dinheiros e das cadeias de produção, país algum, mesmo os miseráveis, ficou de fora desse processo. Que processo? O da “criação” de riqueza.

Bastante frequente foi o de antecipação de receita pelas empresas ou de liquidação de dívida pela banca para a contratação de outras dívidas por meio da securitização de fluxos de pagamentos. Isto é, a transformação de valores a receber em outros ativos financeiros — cada vez mais distantes do fato gerador —, vendidos no mercado.

Tal sistema, conhecido por derivativos e com múltiplas variações e grau de sofisticação ainda inexpugnável para muitos analistas, é hoje demonizado, mas sem ele a economia global não teria chegado ao que foi o maior período de prosperidade desde a 2ª Guerra. Não se defende a especulação que lhe foi inerente. Apenas se constata.

Está lá no estudo do FMI, tratado na coluna de ontem. A dívida pública dos países avançados do Grupo dos 20 (G-20) — como EUA, Japão, Alemanha, França, Inglaterra e Itália —, deverá aumentar 39 pontos de percentagem do PIB medido pelo critério de paridade de poder de compra, entre 2008 e 2015. Como comparação, o FMI prevê para os países emergentes do G-20, como Brasil, China e México, um corte de dívida, no mesmo período, de 5 pontos percentuais do PIB.

A recessão é o angu
Do acréscimo de dívida pública nos países ricos, nada menos que metade, 49%, vai dever-se à recessão ou ao crescimento econômico abaixo da média histórica, frustrando a expectativa de arrecadação fiscal. A recessão e o que a provoca é o angu, não bem a crise.

Os programas de estímulo econômico (4,5 pontos percentuais dos 39 pontos de aumento da dívida) e de resgate dos bancos insolventes (7,7 pontos percentuais) corresponderão a menos de um terço (31%) do aumento total da dívida dos países ricos até 2015. A parte dos juros responderá, segundo o FMI, a 20% do acréscimo da dívida.

Economia real sem gás
O colapso do crédito pelo tranco da ciranda financeira é o grande vilão do crescimento perdido. Mas aberrante foi a exacerbação do processo, permitida pela ausência de controle oficial sobre ele.

Bancos dos EUA e Europa, no fim da ciranda, tinham compromissos de 30 a 70 vezes o patrimônio. No Brasil, tal relação nunca passou de 11 vezes. Essa alavancagem do crédito é que teve morte súbita.

Já renasceu, sobretudo nos EUA, mas com menos pique. As medidas prudenciais que os governos estudam implantar depois de arrombada a casa se destinam a frear o circuito da multiplicação dos ativos derivados de outras dívidas. Ou, mais arriscado ainda, da promessa de resultados futuros, tal como um jogo de dados. Tudo bem. O que havia era antinatural. Mas, e seu efeito sobre a economia real?

China repete Japão?
O que se suspeita é que todos os que usufruíram a riqueza virtual deletada pela crise estejam em pane. Até a China, motor industrial do mundo movido em sua origem pelo consumismo encharcado em dívida dos EUA, pode não estar imune. Em princípio, não corre o risco de ser sugada pelo redemoinho que envolve a Zona do Euro. O risco que a ronda é repetir o Japão do início de 1990 pelo mesmo motivo que o levou a passar de locomotiva industrial à estagnação que vem até hoje: uma década de crédito farto, juros baixos e suas sequelas da febre da bolsa e do mercado imobiliário. Sem o giro da especulação financeira, resta apenas a economia real. E ela pode não bastar.

Despreparo do Brasil
O quadro futuro antecipado por alguns fundos de hedge, que ganham apostando em cima do que poucos ainda viram, é que a crise durará até que a capacidade industrial existente no mundo sustentada pela demanda gerada pela alavancagem do crédito comece a ser queimada.

Em segmentos com poucos e grandes grupos, como o farmacêutico, já está em curso, com um movimento de consolidação cuja causa parece a de proteger participação de mercado e margem por meio da compra dos grupos menores para fechar. Em setores cuja margem era pequena antes da crise governos abriram uma rede de segurança. Tal medida tem sido comum no Brasil. Difícil será mantê-la sem reprodução do capital e a volta da demanda global aos níveis anteriores à crise. A questão é se estamos preparados, se aqui nem há essa discussão.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Senado dos Estados Unidos aprova lei para reforma no sistema financeiro

Pacote deve se juntar à medida aprovada anteriormente para depois ser sancionado por Obama

20 de maio de 2010 | 22h 19

Reuters e Efe

WASHINGTON- O Senado americano aprovou na noite desta quinta-feira, 20, uma lei que implementa grande reforma no sistema financeiro, acabando com meses de debates sobre a maior reforma da regulação financeira desde a década de 30.

Com 59 votos a favor e 39 contra, o Senado conferiu uma vitória ao presidente Barack Obama, que conseguirá impor regras mais rígidas para bancos e a mercados depois da crise econômica de 2008.

A proposta precisa agora se juntar a uma medida aprovada na Casa dos Representantes em dezembro. Só depois disso, um pacote final poderá ser enviado para a assinatura de Obama, algo que analistas dizem que ocorrerá no mês que vem.

Em um discurso na Casa Branca, o presidente Barack Obama garantiu que a medida não tem como objetivo "castigar os bancos, mas sim proteger as pessoas" de crises como a de 2008.

Para o presidente, o projeto de lei inclui "as melhores proteções para o consumidor" já vistas até agora. A medida, disse, "protegerá os consumidores e a economia, e fortalecerá o sistema financeiro".

O projeto de lei, de 1.400 páginas, inclui a maioria das medidas propostas pela administração Obama e implementa uma grande reforma nas normas financeiras do país.

O pacote deve mudar a regulação do mercado de hipotecas, de empresas financeiras e dos cartões de crédito, assim como deve reforçar o papel supervisor das agências estatais, com o intuito de sanar os erros que conduziram à crise.

O projeto cria um novo órgão de proteção ao consumidor, uma das ideias mais criticadas pelos republicanos. Também dá autoridade às agências reguladoras para intervirem e desmantelar grandes entidades financeiras, um processo que pretende evitar quebras desordenadas, como a do banco de investimentos Lehman Brothers.

O pacote também estabelece um sistema de supervisão do mercado de derivados, que move US$ 615 bilhões, e cria um conselho de reguladores, formado por nove membros e presidido pelo secretário do Tesouro, para aumentar a coordenação entre as agências e evitar perigo ao sistema financeiro como um todo.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

CRISE FINANCEIRA NA EUROPA

Controle das despesas
Editorial do Diário de Pernambuco de 13.05.2010

O velho ditado de que quem ri por último ri melhor nunca esteve tão atual, embora quem tenha esse direito abra mão de fazê-lo. Quando a crise imobiliária eclodiu em setembro de 2008, nos Estados Unidos, com consequências devastadoras mundo afora, inclusive no Brasil, os governos da Zona do Euro, que engloba boa parte da Europa, desdenharam o poder do dólar norte-americano. Além disso, deixaram claro que faltou tato à administração Obama ao não detectar antes sinais do estouro da bolha imobiliária, origem da catástrofe. Na ocasião, Inglaterra, França, Alemanha e Itália sustentaram que nada derrubaria a moeda da União Europeia, afirmando que o dólar dos EUA estava com seus dias contados.

Agora, menos de dois anos depois de a crise financeira abalar o mundo, a Europa sente na pele os reflexos das crises vividas pela Grécia (pior situação), Espanha e Portugal, tendo que tomar medidas de emergência para socorrer esses mercados, aprovando um pacote de 750 bilhões de euros para conter a turbulência que ameaça outros países. Segundo o Citigroup, a exposição de bancos estrangeiros às dívidas de Grécia, Portugal e Espanha gira em torno de 1,2 trilhão de euros. "O mega-aporte proporcionará algum alívio ao mercado, mas é apenas uma solução de curto prazo", alertou Marek Belka, diretor do departamento europeu do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Vale dizer que nem toda crise financeira se deve à falta ou não de conhecimento prévio da possibilidade de ela ocorrer. Os modelos financeiros desregrados dos EUA causaram centenas de bilhões de dólares de prejuízo ao redor do mundo, a partir de setembro de 2008. Os países europeus riram antes do tempo, mesmo que os norte-americanos agora não estejam achando graça alguma no que se passa na Grécia e outras nações do Velho Continente. Na verdade, a situação europeia preocupa porque o euro não é apoiado por um forte governo central, faltando uma consolidação fiscal na sua zona. A consciência dos governos nesse refluxo da crise via Europa tem de estar resguardada pela verdade e não pela mentira, por fatos distorcidos e atitudes visionárias. Vivemos o século 21, com toda a vida do planeta conectada on-line. Não há espaço para decisões tomadas por um círculo restrito de países amigos.

Os governos europeus precisam o quanto antes moderar seus gastos, fazer reformas e economizar, pois o mundo das finanças e da economia não tem uma continuidade previsível. Pôr despesas na mesma prateleira das receitas é o que deve ser feito por qualquer pessoa de bom senso, e por governos, também. A crise grega é uma grave advertência. Ela deve servir de exemplo a muitos países do mundo, que gastam mais do que podem, aumentando assustadoramente a sua dívida pública, e comprometendo, dessa forma, o próprio equilíbrio das finanças internacionais, como ocorre agora na Europa, onde a moeda comunitária requer urgentes medidas de proteção, em face do que se passa em Atenas e em outras praças do velho continente. Precaução nunca é demais, diante de um quadro dessa natureza.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

O mercado não para de dar vexame

FSP
7/5/2010 09:40:29

VINICIUS TORRES FREIRE
Fumacê grego tumultuou o dia, mas mercado se enrola nos próprios erros e vexames e amplifica o pânico financeiro

A DEMÊNCIA de ontem nos mercados ocorreu em meio ao fumacê da crise europeia. Mas ao que parece não se deveu diretamente à pindaíba grega.
O caldo da finança engrossa faz semanas, mas o pânico pode ter sido causado por barbeiragens de um operador de grandes investidores, amplificado por obtusidades de operações financeiras automatizadas.
"Máquinas" vendem e compram papéis em frações de segundo, de acordo com dados que recebem do mercado e segundo o modo como foram "programadas". Preços de ações boas caíram de modo estranho e violento, causando chiliques num mercado que já estava bichado.
De menos etéreo, o que pegou mal ontem foi o Banco Central Europeu ter dito que não compraria títulos da dívida de países como Grécia e cia.
Isto é, o BCE diz que não cogita de emprestar dinheiro diretamente a tais países. O BCE está aceitando títulos podres gregos como garantia para empréstimos de curto prazo para bancos gregos, pois de outro modo bancos e governo gregos quebram. Mas o mercado quer que o BCE financie de uma vez o governo grego, assim como o BC dos EUA, o Fed, financiou e sustentou o mercado depois da crise de 2008-09.
O governo grego pendurou-se numa espécie de dívida de cheque especial com juros crescentes e impagáveis. Faz duas semanas, desistiu de rolar o cheque especial e pediu dinheiro à União Europeia e ao FMI.
Agências que dão notas à credibilidade do credor, as agências de "rating", passaram a alertar para um calote da Grécia: a dizer que sua dívida era "podre", o que piorou a crise. Investidores institucionais não podem aplicar em papéis classificados como "podres". Em tese, nem o BCE.
Mesmo que o empréstimo de emergência para a Grécia saia logo, os donos do dinheiro grosso no mundo, "os mercados", acham que o país dificilmente escapa do calote.
Teme-se que Portugal seja o próximo da fila. O medo encarece os juros para negócios em euro, os de governos e empresas. O medo faz com que investidores fujam de euros e de ativos de risco no mundo inteiro.
Mais divertido é que a cúpula dos governos americano, alemão e francês detona as agências de "rating" (S&P, Moody's, Fitch), que nunca preveem crises sérias e só pioram a situação quando o caldo entorna.
Essas agências foram cúmplices da criação dos instrumentos financeiros que deram na crise de 2008.
Trata-se de caso parecido, embora ainda não criminal, ao de auditorias como a falecida Arthur Andersen, cúmplices das fraudes que ajudaram a inflar a bolha dos anos 1990, que terminou em 2000-02 com quebras criminosas e espetaculares, como as da Enron e da WorldCom.
O mercado tem fraudado negócios em massa. Conspira com auditores.
Tem a cumplicidade de supervisores privados de "risco". Alocou capital de modo porco ao colocar dinheiro, real e de fantasia, em negócios que deram na crise imobiliária e, depois, geral de 2008. Não sabe diluir risco, pois os instrumentos financeiros que inventaram para tanto quebraram o planeta quase inteiro. A conta acabou em governos, os quais o mercado ataca por causa de dívidas excessivas. Vexame supremo, quase quebram por um defeito num fusível da Bolsa da Nova York.
vinit@uol.com.br






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domingo, 2 de maio de 2010

O "fabuloso Fab"

Em troca de e-mails com a namorada, executivo do Goldman Sachs
narra as fábulas das ‘monstruosidades’ de seu ‘Frankenstein’ financeiro


Luís Guilherme Barrucho

Mark Wilson/AFP

SOB SUSPEITA
Fabrice Tourre, executivo do Goldman Sachs, em depoimento no Congresso:
"O Frankenstein voltou-se contra seu criador"


Fabrice Tourre, filho de uma família de classe média francesa, graduou-se em matemática em 2000, na École Centrale, em Paris, faculdade das mais distintas, de onde saíram Gustave Eiffel e André Michelin. Em 2001, Tourre, aos 22 anos, concluiu mestrado em Stanford, prestigiosa universidade californiana por onde passaram algumas das mentes mais criativas do Vale do Silício. No mesmo ano, foi recrutado pelo mais admirado dos bancos de Wall Street, o Goldman Sachs. Antes dos 30 anos, o matemático, especialista em equações complexas, já havia alcançado os andares mais elevados da instituição financeira, ao ser promovido a uma das vice-presidências. Seu salto se deu depois de ter criado um investimento financeiro, o Abacus 2007-AC1, que ajudou um dos clientes do banco a faturar 1 bilhão de dólares ao apostar no desmoronamento da bolha imobiliária. Tourre foi recompensado com a direção executiva da filial do Goldman em Londres. Na semana passada, o franzino executivo negou as acusações de crimes financeiros perante o Congresso americano, ao depor na comissão que investiga a suposta fraude com a missão de caçar as bruxas de Wall Street.

Tourre responde às acusações abertas pela Securities and Exchange Commission (SEC, a Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos, responsável pela fiscalização do mercado financeiro). Com o seu Abacus 2007-AC1, o executivo, dizem os investigadores, teria ajudado a vender papéis que já sabia serem podres. Pesa contra ele uma série de e-mails, trocados com sua namorada, tão cândidos quanto comprometedores e reveladores dos ardis de Wall Street. "Toda a estrutura está prestes a desabar", escreveu Tourre em janeiro de 2007 (veja o quadro). "O único sobrevivente em potencial, o Fabuloso Fab." O executivo falava das "monstruosidades" dos instrumentos financeiros por ele mesmo criados e afirmava que o "Frankenstein estava se voltando contra o seu criador". As mensagens do Fabuloso Fab são as mais confessionais. Mas os congressistas divulgaram e-mails que flagram outros diretores com as calças arriadas. Um deles classificou uma de suas transações como "shitty deal"(ou "um negócio de m***"). O Goldman sustenta que todas as suas operações foram feitas dentro da lei. Terá de rebater as acusações e comprovar a licitude de seus negócios nos tribunais. Na semana passada, foi aberta uma nova frente de investigação do banco, desta vez por procuradores federais. Desde abril, as ações do banco acumulam perdas de 14%.

Para o fabuloso Tourre, entretanto, o caso representa um revés em sua prodigiosa carreira. O executivo, atualmente com 31 anos, tirou licença. Deverá dar uma pausa também nas festinhas que costumava oferecer. Nos tempos de Nova York, eram comuns as noites de embalo em seu quarto e sala, de acordo com relatos de seus antigos vizinhos. Quando foi transferido para Londres, mudou-se para um apartamento mais espaçoso, não sem antes pedir um desconto de 20% no preço do aluguel por causa da turbulência financeira. Como um matemático de talento, soube tirar proveito da crise para fechar um negócio de ocasião.