quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Os bastidores da crise by Mário Torós

Segue íntegra da matéria publicada pela Revista Eu & Fim de Semana do Jornal Valor Econômico onde o diretor do Banco Central, Mário Torós, revela os bastidores crise financeira internacional.

Reportagem de capa: Mário Torós, diretor de política monetária do BC, revela piores momentos da turbulência financeira no Brasil e detalha corrida bancária com saques estimados em R$ 40 bi em apenas uma semana e ataque especulativo de US$ 5 bilhões em dezembro de 2008.

Os bastidores da crise
Por Cristiano Romero e Alex Ribeiro, de Brasília
13/11/2009

O Brasil sobreviveu à crise financeira internacional, mas a economia correu riscos muito mais graves do que revelam os discursos oficiais. O país sofreu um ataque especulativo em dezembro de 2008 e os bancos pequenos e médios enfrentaram uma corrida, com saques estimados em R$ 40 bilhões em apenas uma semana.

Os contratos das empresas exportadoras com derivativos cambiais somaram US$ 38 bilhões e os prejuízos, divididos com os bancos, foram contabilizados em US$ 10 bilhões.

O presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, por pouco não foi demitido às vésperas de o país ser arrastado pela turbulência internacional.

Essas histórias são contadas agora por um de seus personagens centrais. Graças à sua posição privilegiada, o diretor de política monetária do BC, Mário Torós, conhece como poucos os detalhes e motivações das mais importantes decisões tomadas pelo governo. O Valor checou, confrontou e complementou as informações com outras autoridades que estavam na cabine de comando e ouviu fontes técnicas que assessoraram todo o processo.

Torós comandou as mesas de câmbio e juros e os recolhimentos compulsórios numa turbulência que dizia respeito essencialmente às atividades do BC - a crise, originada nos Estados Unidos, atingiu o crédito, a liquidez dos mercados e o valor das moedas. O Ministério da Fazenda agiu numa etapa seguinte, em que a política fiscal tomou a dianteira. para evitar uma recessão mais grave no país

Fim do mundo: quebra do Lehman

Até a quebra do banco Lehman Brothers, a sensação dentro do governo e mesmo no Banco Central era de que o Brasil seguiria incólume em meio à crise internacional. Tudo mudou no dia 14 de setembro de 2008, um domingo. Torós descansava com a família em seu sítio em Ibiúna, na Grande São Paulo. Por e-mail, recebeu as primeiras informações sobre a falência do Lehman, o quarto maior banco dos Estados Unidos.

Ao retornar para seu apartamento no bairro de Higienópolis, em São Paulo, ele acessou seu terminal "Anywhere" da Bloomberg e, ali, tomou conhecimento de que, em pleno domingo, os bancos americanos estavam fazendo "troca de chumbo". Em bom português, faziam um inventário de perdas e danos relacionados à falência do Lehman, um sinal, para Torós, da maior gravidade.

Às 19h50, o diretor recebeu um e-mail, endereçado a ele e ao presidente Henrique Meirelles, enviado pelo diretor de política econômica do BC, Mário Mesquita. A mensagem era lacônica: "Últimas do domingo: BofA [Bank of America] vai comprar a Merrill [Lynch], Lehman vai pedir falência...". Torós não tinha mais dúvida de que a crise internacional se aprofundaria e que, no dia seguinte, seria "um Deus nos acuda".

Daquele momento em diante, não tirou mais os olhos do terminal da Bloomberg. Às 22h29, enviou mensagem a Meirelles e a Mesquita, antecipando expectativas de variação no dia seguinte da bolsa americana, petróleo e dólar. Às 6h49 do dia 15, Mesquita, responsável pelo acompanhamento da inflação no BC, indagou a Torós se o real se desvalorizaria naquele dia.

Ainda na noite de domingo, o diretor de política monetária tomou uma providência. Telefonou para os funcionários do BC que cuidam das reservas cambiais e trabalham, inclusive aos domingos, no acompanhamento de mercados do outro lado do planeta, como Japão e Austrália. Ele queria saber se havia algum risco relacionado aos acontecimentos nos EUA. Eles responderam: "Não, não temos nenhum risco. Está tudo tranquilo".

Torós sabia que o perigo de perda na aplicação de reservas era pequeno ou inexistente porque, em dezembro de 2007, quando a turbulência lá fora já havia feito suas primeiras vítimas no sistema bancário, ele ordenara que fossem zeradas as exposições a bancos no mercado americano e no resto do mundo. "Não tínhamos nada com o Lehman", diz ele, demonstrando certo alívio porque, até hoje, não há nenhum limite para aplicação em bancos americanos.

O gabinete da crise

A intensa troca de informações na noite do dia 14 de setembro consolidou o gabinete da crise, integrado por Meirelles, Torós e Mesquita. A partir dali, os três não deram mais um passo sem consultar os outros dois, sempre sob o comando do presidente do Banco Central. Aos poucos, outros funcionários da instituição, além do então secretário de assuntos institucionais do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, colaboraram com ideias, soluções e estratégias para enfrentar aquela que é considerada a mais grave crise financeira desde a Grande Depressão de 1929.

O carioca Mário Torós, 46 anos, torcedor fanático do Fluminense, foi o principal operador do governo na crise. Economista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), reduto dos economistas "desenvolvimentistas", Torós fez mestrado em administração na Coppead, defendendo tese sobre "O Estágio de Diversificação dos Grupos Individuais Brasileiros". Ao longo da carreira, porém, ele se afastou da indústria e se aproximou dos bancos, onde se especializou em gestão de risco.

"Sou um gestor de risco que não gosta de esportes radicais e tem medo de andar em montanha russa", brinca o diretor. Ex-colegas do sistema financeiro afiançam que seu grande talento é ler os mercados a partir de seus fundamentos e do seu funcionamento cotidiano. Foi com essas aptidões que Torós subiu rápido no banco Santander, em 14 anos de carreira, chegando à vice-presidência de tesouraria. Ele estava em Londres, como diretor de mercados emergentes, quando explodiu a crise russa. Na ocasião, não perdeu um centavo porque, antes da moratória, ocorrida em agosto de 1998, desaplicou o que o banco tinha investido em Moscou. Desde abril de 2007, comanda a política monetária e cambial do BC.

Também torcedor do Fluminense, Mesquita, 44 anos, foi colega de Torós na UFRJ. É o principal macroeconomista do governo. Vê, em tudo, uma explicação macro, relata um amigo próximo. É um conciliador, que estabeleceu, inclusive, ao contrário de Torós, um diálogo com o Ministério da Fazenda. "Ele é muito menos ortodoxo do que escrevem, apesar de ser liberal", diz esse amigo.

Torós e Mesquita estão no BC porque Henrique Meirelles, o chefe, os levou para lá. Ex-banqueiro, 64 anos, Meirelles tem, segundo seus pares, profundo conhecimento do negócio bancário e isso teria ajudado muito no enfrentamento da crise. Subestimado quando assumiu o comando do BC, em janeiro de 2003, superou crises para se manter no cargo. Venceu hostilidades dentro do próprio governo. "Meirelles aprendeu ao longo dos anos a função de banqueiro central, o que, conjugado ao seu brilhantismo, faz dele um dos mais respeitados do mundo", elogia um integrante do governo que pediu para não ser identificado. "Ele tem uma inteligência arguta."

A demissão na véspera

Ironicamente, Meirelles quase foi demitido na véspera da fase mais aguda da crise internacional. A crise lá fora já começava a tomar proporções gigantescas - em março de 2008, o Bear Stearns quebrou e foi absorvido pelo JP Morgan - quando o Banco Central constatou que a economia brasileira estava superaquecida e, portanto, seria necessário subir os juros.

Os números da economia eram amplamente positivos. Apesar da crise lá fora, o país tinha crescido 6,1% no ano anterior, a criação de emprego formal era recorde e o investimento liderava a alta do PIB. Em abril, o Comitê de Política Monetária (Copom) promoveu o primeiro aumento de juros em três anos. A decisão teve péssima repercussão no governo.

Alguns dias antes da decisão do Copom, Mário Mesquita sinalizou, em entrevista, que os juros teriam que subir. Na semana seguinte, durante reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmara, numa clara resposta a Mesquita, que "neoliberal tem medo de crescimento".

O ambiente no governo azedou e o presidente Lula, numa audiência com Meirelles, criticou o aumento dos juros. O temor de Mantega e do presidente era de que o crescimento em curso fosse abortado. Meirelles começou a dizer a seus assessores mais próximos que a situação estava ficando insustentável. "Vamos sair, não dá mais", disse o presidente do BC. No Palácio do Planalto, crescia a ideia de substitui-lo pelo professor Luiz Gonzaga Belluzzo, da Unicamp, considerado um guru dos economistas "desenvolvimentistas".

Lula sabia que aquele seria um passo ousado. Chamou Belluzzo para uma conversa e fez-lhe uma sondagem, não necessariamente um convite - ele ainda precisava demitir Meirelles. Belluzzo teria reagido positivamente à oferta. Amigos próximos relatam que ele teria declinado, alegando que o mercado financeiro não o aceitaria. Outras fontes de Brasília contam uma história diferente. Belluzzo não só teria aceitado, mas também começado a montar sua equipe.

Sem querer demitir Meirelles pura e simplesmente, Lula operou para que o presidente do BC tomasse a iniciativa de sair. Numa conversa reservada, disse a Meirelles que ele não deveria fechar as portas de uma carreira política em Goiás. O presidente do BC entendeu o conselho como algo positivo, mas levou um susto ao ler num jornal, dias depois, informação atribuida ao Palácio de que teria ido a Lula comunicar sua candidatura ao governo de Goiás em 2010.

A estratégia funcionou. Diante das pressões da Fazenda e dos subterfúgios de Lula, Meirelles visitou o presidente no Alvorada, num domingo de abril de 2008, e entregou o cargo. Para sua surpresa, Lula virou-se para ele e disse: "Esquece esse troço, Meirelles". Desde então, nunca mais o presidente deixou de apoiar o auxiliar. Belluzzo, por sua vez, assumiu a presidência da Sociedade Esportiva Palmeiras.

O ataque especulativo

No dia 5 de dezembro de 2008, uma sexta-feira, quando muitos no governo e mesmo no mercado achavam que o pior da crise já havia passado, o Brasil sofreu um ataque especulativo, promovido, segundo fontes do mercado, pelo Moore Capital Management, "hedge fund" com sede em Nova York. Torós não confirma o nome do fundo nem se o movimento teve a participação de outros fundos, mas revela o tamanho do ataque - US$ 5 bilhões - e a estratégia, passo a passo, da defesa adotada pelo Banco Central.

O ataque foi sorrateiro. A taxa de câmbio disparou e bateu na máxima de R$ 2,62. Ninguém, nem o BC, sabia o que estava acontecendo. Os telefones de Torós não paravam de tocar. Era gente do mercado informando que faltava liquidez na praça. A primeira providência foi descobrir o nome do banco que atuava pesadamente no mercado. A identidade do cliente durante as longas horas do ataque contra o real permaneceu desconhecida.

A estratégia do Moore, fundo aberto em 1989 por Louis Moore Bacon, ex-operador do Lehman Brothers, era levar a taxa de câmbio a R$ 3,00. Para atingir seu objetivo, tentou seduzir outros participantes do mercado a se juntar na empreitada. Se o plano desse certo, o BC seria obrigado a queimar parcela significativa das reservas cambiais para proteger a moeda nacional. O "hedge fund" e seus seguidores ganhariam uma fortuna da noite para o dia. O risco que o país corria era perder o seu principal seguro anticrise.

Torós conta como reagiu à investida: "Machuquei o mercado inteiro. Às 15h30, a taxa de câmbio chegou a R$ 2,62 e, aí, eu tive que operar. Chamei um leilão de venda de dólar e, ao mesmo tempo, mandei deixar pronta uma proposta de leilão de 'swap' de US$ 2 bilhões", relembra. A tática era quebrar a lógica altista em formação no mercado.

Anunciado o leilão de venda de dólar à vista, os bancos entregaram ao BC suas propostas de compra com preços elevados. Antes de comunicar por quanto venderia as reservas, no entanto, Torós convocou um leilão de "swap" cambial, ou seja, uma venda de dólar no mercado futuro. A intenção era inundar o mercado, forçando a cotação para baixo. A artilharia foi pesada: no "swap", o BC despejou US$ 1,326 bilhão, e US$ 1 bilhão no mercado à vista.

A guerra particular de Torós com os especuladores não terminou. A cotação do dólar caiu naquele dia e ele se convenceu de que vencera o primeiro dia do confronto, mas não a batalha. O banco que havia operado com o "hedge fund" informou ao BC que vendera US$ 5 bilhões.

A informação tirou o sono do diretor do BC no fim de semana dos dias 6 e 7 de dezembro de 2008. "Fiquei muito preocupado", confessa. Não era para menos. O BC gastou US$ 2,3 bilhões do seu arsenal e ainda havia US$ 2,7 bilhões na cartucheira do Moore Capital, ou seja, restava um buraco considerável a ser tapado, uma bomba-relógio que poderia explodir na reabertura dos mercados.

Na segunda-feira, o diretor do BC assumiu a mesa de câmbio preocupado com a possibilidade de outros fundos montarem posições para derrubar o real. "Entrei preparado para baixar o cacete", relata Torós. Não foi preciso. A ação do BC na sexta-feira traumatizou muitos operadores de câmbio. O mercado compreendeu que o Moore Capital fizera uma aposta errada. Cinco dias depois, o fundo zerou suas posições.

"Se o fundamento (da aposta do 'hedge fund') estivesse correto, não entrariam 5, mas US$ 50 bilhões", reconhece Torós. Ele explica que operações especulativas de "hedge funds" são legítimas. Não há nada ilegal nelas. O problema, no caso daquela aposta de 5 de dezembro, é que ela se baseou numa percepção equivocada da realidade do país naquele estágio da crise - a de que ainda não havia se chegado ao fundo do poço das operações com derivativos cambiais.

O pesadelo dos derivativos

Os derivativos se revelaram, logo depois da quebra do Lehman Brothers, um dos problemas mais graves da turbulência no Brasil. O risco era de quebradeira de grandes empresas exportadoras. Os bancos tinham musculatura suficiente para absorver as perdas, mas talvez não sobrevivessem a uma crise de confiança provocada pelas desastrosas operações.

Em 2007, vários exportadores passaram a apostar que a tendência da moeda brasileira era de se valorizar em relação ao dólar. Como o BC estava em franco processo de acumulação de reservas - que ultrapassaram o valor simbólico de US$ 200 bilhões em junho de 2008 -, eles achavam que o governo jamais deixaria a taxa de câmbio subir acima de determinado patamar. A aposta predominante era de que a cotação do real não iria além de R$ 1,90. Se não ultrapassasse esse valor, eles ganhariam um bom dinheiro; se excedesse, perderiam.

Essas operações não são monitoradas pelo Banco Central, cuja missão é zelar pela saúde do sistema financeiro. A preocupação do BC era com o possível rebate das apostas sobre a carteira de crédito e na reputação dos bancos, disseminando mais incertezas quando os mercados já estavam virados de ponta-cabeça. É tarefa da Comissão de Valores Mobiliários, o xerife do mercado de ações no Brasil, colher informações sobre derivativos contratados por empresas de capital aberto.

Já em 2007, o BC percebeu que havia um movimento frenético de fechamentos de operações de ACC (adiantamento sobre contrato de câmbio), operação em que o exportador antecipa suas vendas em troca de um crédito bancário em dólar. Essas operações financeiras superavam em muito o embarque físico de exportação, levando o BC a se convencer de que havia algo mais ocorrendo naquele momento. Constatou-se, mais adiante, que as empresas faziam o ACC e se alavancavam com a venda de dólares no mercado futuro.

Os derivativos derrubavam ainda mais a cotação do dólar, que já vinha sofrendo um processo de desvalorização no mercado internacional, agravado pelo início da crise de crédito nos países ricos em julho de 2007. A ironia é que, ao realizarem aquelas operações, os exportadores, os mesmos que reclamavam diuturnamente da apreciação da taxa de câmbio, estavam contribuindo para valorizar ainda mais o real frente ao dólar. Em tese, eles perdiam com a taxa de câmbio apreciada, mas ganhavam com os derivativos.

A ciranda com os derivativos ia bem, mas os apostadores subestimaram o tamanho da crise que se formava lá fora e seus possíveis impactos sobre a economia brasileira. "As empresas e alguns bancos partiam do pressuposto de que o único determinante da taxa de câmbio no Brasil é o diferencial de taxa de juros. Repeti 'n' vezes em público que, de fato, o diferencial de juros é um elemento que determina o câmbio num país, mas não é o único. Sobretudo, num país emergente, a aversão a risco é outro fator", observa Torós.

Enquanto o real permaneceu forte, os apostadores ganharam muito dinheiro. Tudo mudou, no entanto, a partir de 15 de setembro de 2008, uma segunda-feira, dia seguinte à quebra do Lehman Brothers. O dólar tomou outro rumo e os jogadores de derivativo se viram, da noite para o dia, encrencados. Rapidamente, a moeda americana, que havia escorregado para quase R$ 1,55 em agosto daquele ano, venceu a barreira do R$ 1,90.

A choradeira não demorou a começar. Apenas dois dias depois da quebra do Lehman, a caixa de e-mails do diretor de política monetária do BC ficou abarrotada de mensagens de diretores de grandes empresas e de operadores de bancos, com súplicas de intervenção da autoridade no mercado para reduzir as perdas que suas empresas estavam prestes a sofrer. As mensagens tinham um tom dramático.

Num desses e-mails, com data de 17 de setembro de 2008, o diretor financeiro de uma grande companhia exportadora deu informações úteis ao Banco Central. Revelou que as empresas haviam utilizado instrumentos tradicionais na Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F) "para se proteger da apreciação cambial" (sic). Os instrumentos eram derivativos e operações de "swap" - "sell target" e "dual currency". Os bancos estrangeiros estavam oferecendo esses produtos lá fora e trouxeram a tecnologia para o Brasil - em troca dos derivativos, concediam juros mais camaradas às empresas em operações casadas de crédito.

O autor da mensagem alardeou o risco de disrupção. O objetivo era convencer o BC a vender dólares o mais rápido possível. Alegava, inclusive, a possibilidade de uma crise bancária, uma vez que as empresas perdedoras estavam resgatando CDBs emitidos por bancos pequenos e médios, criando-lhes dificuldades de caixa e descasamento entre ativos e passivos.

"Com a atual volatilidade diante de uma crise internacional, as empresas estão perdendo substancial patrimônio líquido e caixa de forma acelerada. Entretanto, o efeito é dominó, pois as empresas são obrigadas a resgatar CDBs em bancos normalmente de médio porte. Conversando com diversas empresas hoje, senti que estamos diante do chamado efeito manada", diz o e-mail ao qual o Valor teve acesso. No trecho seguinte da mensagem, o autor fala dos riscos de uma possível destruição de empregos.

"A volatilidade assusta e leva a decisões precipitadas. Vale lembrar que as empresas são indústrias que geram renda e empregos. Só quem ganha com essa volatilidade são os especuladores, que estão sendo os grandes vitoriosos. E nós, que produzimos, estamos sendo brutalmente penalizados. Crédito como ACC praticamente está desaparecendo, até para as grandes empresas", prosseguiu o missivista para, em seguida, fazer o arremate: "Eu estou certo de que a única solução para tranquilizar o mercado e reduzir a volatilidade seria [o BC] realizar imediatamente alguns leilões de venda de dólar".

Nos dias seguintes à falência do Lehman, apelos com o mesmo teor chegaram ao diretor do BC, vindos de todos os lados - dos bancos, dos empresários e até do governo. O BC, pediam, tinha que entrar no mercado vendendo reservas para conter a desvalorização do real. A todos os interlocutores, Torós deu a mesma resposta: o regime de câmbio é flutuante e o BC não faria intervenções naquele momento, antes de saber a dimensão da crise.

"O Meirelles estava viajando e mandei um e-mail para ele, dizendo: 'Olha, estou na seguinte situação. Estou cheio de exportador querendo que eu venda dólar, e falei que não vou vender, deixa o câmbio ajustar'." Na primeira semana da crise - de 15 a 19 de setembro de 2008 -, a única intervenção feita pelo BC no mercado foi a venda de dólar com recompra. A meta era abastecer o mercado interbancário, que estava sem liquidez.

"Comigo não tem Marka, Fonte-Cindam"

Preocupado com a pressão e como Meirelles estava fora do país, Torós decidiu telefonar para o ministro Guido Mantega. Durante a conversa, explicou as razões que o levavam a não intervir no câmbio naquele momento. "O governo apoiou totalmente o Banco Central, não teve nenhuma pressão", assegura o diretor. A um amigo próximo, Torós fez o seguinte comentário na ocasião: "Comigo não vai ter Marka, Fonte-Cindam, não!". Ele se referia ao polêmico episódio em que o BC vendeu dólares supostamente mais baratos para salvar dois bancos durante a maxidesvalorização do real, em 1999.

A crise dos derivativos assombrou as autoridades durante 81 dias - de 15 de setembro a 5 de dezembro, quando houve o ataque especulativo. Nas primeiras semanas da crise, as autoridades não faziam ideia do tamanho do estrago. A preocupação do BC sempre foi com os reflexos do problema na saúde dos bancos.

"O BC não tinha o tamanho do negócio. A BM&F tem dados de empresas não financeiras, mas essas operações não são feitas no mercado organizado. São operações de balcão, feitas e registradas na Cetip. Pode-se até dizer que é uma falha, mas, em vista da falta de informação que o mundo tinha naquele momento da crise, essa é uma falha mínima", sustenta Torós.

Desde o início, o diretor de política monetária acreditou que o problema dos derivativos não era sistêmico. Dizia respeito a poucas empresas e os bancos tinham capital suficiente para absorvê-lo. Hoje, pela primeira vez, ele revela o tamanho da exposição das empresas a posições vendidas em dólar: "Era uma posição de US$ 38 bilhões [equivalentes a R$ 65 bilhões ou mais de 18% das reservas cambiais]". As perdas propriamente ditas, revela, foram bem menores - de aproximadamente US$ 10 bilhões.

"O grande problema era como desfazer a imagem de que aquilo era um problema sistêmico. Não tinha como mostrar. Tinha primeiro que conhecer o drama para depois dar a demostração", diz Torós. O teste do dano de imagem veio com o ataque especulativo de 5 de dezembro. Vencida aquela batalha, não se falou mais em derivativos.

A corrida bancária

O Banco do Brasil comemorava 200 anos num domingo, 12 de outubro de 2008, com um show de Caetano Veloso e Bebel Gilberto no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. No prédio do Banco Central, na avenida Paulista, em São Paulo, a diretoria da instituição mantinha reuniões com os principais banqueiros do país para tentar estancar uma corrida bancária que, mantida na intensidade de dois dias antes, poderia arrasar o sistema financeiro e, junto com ele, levar a economia para uma depressão.

No intervalo do show, o então presidente do BB, Antônio Francisco Lima Neto, recebeu uma ligação de um diretor do BC. Na conversa, ouviu que, para o bem de todo o sistema financeiro, era fundamental que o mercado mantivesse a normalidade no dia seguinte, sobretudo na contratação de empréstimos interbancários. Lima Neto ficou sabendo que, na sexta-feira, 10 de outubro, o Banco Votorantim sofrera pesados saques e, segundo o relato de executivos daquela instituição, não conseguiria fechar o caixa no dia seguinte, caso a perda de depósitos se mantivesse.

"Há alguma chance de eles venderem o banco?", perguntou Lima Neto ao seu interlocutor. O diretor do BC disse que sim e a conversa terminou. Minutos depois, sem perder tempo, Lima Neto abandonou por instantes o show de Caetano e Bebel e ligou de volta para o diretor do BC. "Não espalha essa história do Votorantim", suplicou. Dois meses depois, o BB comprou metade do Votorantim por R$ 4,2 bilhões, tornando-se um dos principais atores no mercado de financiamento de automóveis.

A corrida bancária que ocorreu, sobretudo no dia 10 de outubro, foi um dos momentos mais dramáticos da crise no Brasil, fato mantido até agora sob sigilo. "Esse foi o grande problema", diz Torós, sem mencionar os bancos envolvidos na corrida. "Mais grave até que os derivativos cambiais." Segundo ele, foi algo que ocorreu no mundo todo. "Ouvíamos histórias de pessoas que sacavam dinheiro no Chase Manhattan para comprar ouro. No Brasil, foi algo muito menor. Os grandes foram pouco ou nada afetados. O problema foi com os pequenos e médios."

Os bancos menores começaram a perder depósitos, sobretudo, os mantidos por fundos de investimentos, já nos dias seguintes à quebra do Lehman. "Foi tudo muito rápido. Os fundos que aplicavam nesses bancos ficaram com medo de uma recessão e da deterioração das carteiras de crédito. No quinto dia [depois da quebra do Lehman Brothers] já tinha gente gritando aqui [no BC]", conta Torós.

Jogando dinheiro do helicóptero

A primeira reação do BC, para salvar os bancos pequenos, ocorreu na semana seguinte, com a liberação de R$ 13,2 bilhões em depósitos compulsórios. "Jogamos dinheiro do helicóptero para combater a crise de liquidez", assinala Torós. "Nossa fiscalização deu uma boa olhada no balanço desses bancos. Ao contrário do que acontecia no exterior, eles tinham carteiras de crédito sólidas, formadas principalmente por empréstimos compulsórios e financiamentos de veículos." O problema era a falta de liquidez.

Nas duas semanas seguintes, o BC continuou liberando compulsórios, além de criar incentivos para os bancos grandes comprarem as carteiras de crédito dos pequenos. Em outubro, porém, com a corrida bancária em nível global, a crise ganhou maiores proporções no Brasil, atingindo também os bancos médios. Estima-se que, na semana do pânico, cujo pior momento foi o dia 10, cerca de R$ 30 bilhões a R$ 40 bilhões migraram de bancos pequenos e médios para os grandes.

O Banco Votorantim, com sólida carteira de veículos e de empréstimos a empresas, foi atingido porque seu nome estava associado ao grupo Votorantim, que havia registrado perdas com derivativos cambiais. O Banco Safra, também detentor de carteira muito sólida, foi contagiado porque tinha participação na Aracruz Celulose, empresa que registrou as maiores perdas com derivativos. Os dois bancos sofreram saques naqueles dias.

No dia 10 de outubro de 2008, uma sexta-feira, estava absolutamente claro que seria necessário um pacote de medidas para conter a sangria dos bancos. Torós não tem dúvida de que aquele foi o pior dia da crise. Para fazer um diagnóstico da gravidade da situação, foram fundamentais os contatos que Meirelles, executivo do BankBoston por três décadas, tinha no mercado bancário. Torós, egresso do Banco Santander, também buscava suas próprias informações, como Mesquita, que igualmente tinha experiência no sistema financeiro.

Todas essas peças se somavam às apurações da mesa de câmbio do BC. "O telefone não parava de tocar, com todo mundo reclamando que as coisas estavam muito ruins", recorda Torós. "Checávamos as informações, com a ajuda da fiscalização do BC." O sistema de pagamentos, operado pelo departamento de operações bancárias, vinculado a Torós, fornecia informações valiosas. "Sabíamos como estavam os caixas dos bancos antes de eles próprios fecharem os seus caixas."

Identificado o buraco na liquidez do sistema financeiro, entrou em cena o chefe do departamento de operações bancárias e de sistema de pagamentos, José Antônio Marciano, com seu computador que simulava quanto dinheiro era liberado e quais bancos eram beneficiados com medidas de cortes de depósitos compulsórios. "Ficávamos todos dentro da sala, em volta do computador, até decidir qual medida teria exatamente o efeito desejado", relata Torós. Decidido o volume de dinheiro a liberar, entraram em cena dois diretores de carreira do BC - Antônio Gustavo Matos do Vale (liquidações) e Anthero de Moraes Meirelles (administração) - para ajudar a transformar as decisões em circulares e resoluções. "Não sei fazer isso. A participação desses diretores foi fundamental", reconhece Tor&oacu te;s.

O trabalho avançou até a noite do dia 10. No dia 11, um sábado, Torós trocou e-mails com a equipe do BC, entre uma partida de tênis e outra no sítio de Ibiúna. Os trabalhos foram retomados no prédio do BC em São Paulo, no domingo.

Meirelles, que estava em Washington, antecipou o regresso para participar da preparação das medidas a serem anunciadas na reabertura dos mercados no dia 13 de outubro, segunda-feira. No domingo, dia 12, ele se reuniu com os principais banqueiros do país, aí incluídos os do Bradesco, Itaú, Unibanco, Santander e HSBC, e colocou sobre a mesa a importância de se manter a liquidez no sistema bancário. Seu apelo era para que os bancos não cortassem as linhas de empréstimos interbancários e muito menos para os pequenos e médios.

O domingo foi um dia intenso. A redação das medidas avançou até 2 horas da madrugada de segunda-feira. Concluído o trabalho, sem que ninguém tivesse certeza da eficácia do pacote preparado, Torós voltou dirigindo seu Passat Variant da avenida Paulista até Higienópolis. No caminho, teve pela primeira vez a sensação de solidão e, ao mesmo tempo, de estar no centro de um furacão que poderia atingir as vidas de milhões de pessoas.

"Redigir uma minuta de circular é um trabalho muito árido, não há espaço para filosofia", pondera. "Mas ao olhar as poucas pessoas que estavam nas ruas de madrugada, deu para sentir a responsabilidade da situação. Havia uma corrida bancária mundial. Ninguém tinha a menor noção do que estava acontecendo."

A salvação dos bancos

Na manhã do dia 13, o BC anunciou que estava disposto a liberar até R$ 100 bilhões em depósitos compulsórios, além de medidas para injetar dinheiro nos bancos médios. No exterior, alguns governos anunciaram que dariam garantias ilimitadas aos depósitos bancários e os bancos centrais das principais economias divulgaram medidas para ampliar a liquidez dos bancos. "Conseguimos um alívio", diz Torós.

Nas semanas seguintes, o problema de liquidez dos bancos pequenos foi sendo resolvido com a ajuda da venda de carteiras aos grandes. Essa foi a segunda etapa da ação para resgatar o sistema bancário. Na primeira, o BC inundou o mercado com liquidez. Agora, fazia o dinheiro chegar a quem mais precisava - os bancos pequenos e médios - com medidas de incentivo e de pressão para a compra de carteiras de crédito. O mercado também ajudava a resolver seus próprios problemas. O Unibanco, vítima de uma corrida bancária originada em suas agências de Brasília, foi comprado pelo Itaú, que se tornou o maior banco privado do país.

Um novo caminho para aquisições bancárias foi aberto por uma medida provisória formulada pelo Ministério da Fazenda, autorizando bancos públicos a comprarem instituições privadas. Foi uma iniciativa apenas da Fazenda, sem a participação do BC, o que levantou a suspeita de que a medida tinha o objetivo apenas de aumentar a presença do Estado no sistema financeiro. Foi essa MP que viabilizou o casamento do Votorantim com o BB. "O BC estava com medo de socorrer diretamente os bancos", avalia uma fonte que participou das discussões. "A Fazenda criou esse instrumento para ser usado numa emergência."

O mercado bancário só se recuperou de fato em 2009, quando foi criado um seguro-depósito especial (o DPGE), operado pelo Fundo Garantidor de Crédito (FGC). O novo instrumento passou a cobrir valores de até R$ 20 milhões. O seguro foi elaborado pelo então secretário de assuntos institucionais da Fazenda, Bernard Appy, num raro momento em que um integrante da Fazenda trabalhou em parceria com o BC para evitar uma crise bancária.

O curioso é que Appy pediu para trabalhar na formulação do novo instrumento. "Bernard Appy foi um grande contribuidor", elogia Torós. Com esse instrumento, os bancos voltaram a captar no mercado e, dessa forma, a andar com as próprias pernas.

Os 20 telefones de Torós

A vida do diretor de política monetária do BC, Mário Torós, gira em torno dos leilões de câmbio. Só ele pode dar sinal verde para comprar reservas internacionais quando sobram dólares no mercado, ou para vender moeda, quando falta. Os horários de seus voos são agendados em função dos leilões e, quando Torós está fora dos escritórios do BC, as operações são autorizadas por telefone. Ele tem cerca de 20 números diferentes de celulares, um pesado esquema de segurança para evitar a interceptação de mensagens.

Naquele 8 de outubro de 2008, porém, quando os mercados estavam tomados por uma onda de pânico, só o presidente da República tinha poderes para autorizar a venda de reservas. E ele não queria. Lula havia dado todo o apoio ao processo de acúmulo de divisas, que via como um seguro contra choques externos. Mas, gastá-las, dizia, só em último caso, ainda mais numa crise da qual ninguém conhecia o tamanho e a duração. A avaliação intuitiva do presidente coincidia perfeitamente com a visão do BC, que não pretendia queimar as reservas para defender uma determinada taxa de câmbio.

A resistência do BC e do presidente da República em queimar reservas era, até então, uma informação estratégica, mantida em segredo dentro do governo. O mercado não podia saber, em hipótese alguma, que o BC negaria munição. Mas no dia 6 de outubro, uma segunda-feira, o ministro Guido Mantega disse, em entrevista, que Lula proibira o BC de gastar reservas. O efeito no mercado foi imediato. A cotação do dólar saltou de R$ 2,19 para R$ 2,45 em menos de 48 horas. O ingrediente final foi uma corrida bancária, que se originou em outros países do mundo e atingira o Brasil. Torós fez seu diagnóstico definitivo: era preciso vender dólar no mercado à vista. E imediatamente.

Henrique Meirelles foi pessoalmente pedir autorização a Lula, na manhã de 8 de outubro. Torós instruiu que a mesa de câmbio do BC deixasse tudo pronto para fazer o leilão o mais rápido possível. Lula aceitou os argumentos de Meirelles. Torós estava livre para operar. Às 10h13, foi convocado o primeiro leilão, seguido por mais dois, às 10h43 e às 11h29. "Fiz leilões até o mercado se cansar", recorda Torós. O BC despejou US$ 1,287 bilhão no mercado e, dali em diante, passaria a fazer vendas quase diárias de dólar.

Na crise, criou-se o consenso de que o Brasil se saiu melhor na área cambial do que outros países emergentes - e até desenvolvidos. O sucesso resultou de uma estratégia cuidadosamente colocada em ação por Torós e a mesa de câmbio do BC. Eles adotaram algumas regras básicas. Primeiro, nunca entrar numa camisa de força de regras fixas e pré-anunciadas de intervenção, para evitar que o mercado "engolisse" o BC.

"Quando o fluxo de capitais é livre, se o BC dá uma previsão de que vai vender R$ 300 milhões, o mercado engole o BC porque o mercado é sempre maior do que qualquer banco central", diz Torós. O segundo princípio é não gastar toda a munição de uma só vez. "Sempre tivemos em mente que não podíamos gastar todos os instrumentos. Não sabíamos o tamanho nem a duração da crise." Terceira diretriz básica: respeito ao câmbio flutuante, deixando o próprio mercado definir a taxa de câmbio.

Outros países não tiveram um desempenho tão bom. Seguindo a cartilha do Fundo Monetário Internacional, que defende que os BCs tenham estratégias transparentes de intervenção nos mercados cambiais, o México anunciou um sistema em que entrava vendendo montantes fixos de dólares, oferecidos conforme a depreciação da taxa. O jogo com cartas abertas fez com que, a cada intervenção do BC mexicano, o mercado passasse a buscar mais dólares, provocando novas rodadas de depreciação do peso. Já a Rússia perdeu US$ 60 bilhões de suas reservas em apenas dois meses para defender seu regime administrado. Enquanto isso, o Brasil entrou na crise com US$ 205,116 bilhões em reservas. No pior momento, elas caíram a US$ 190,388 bilhões - hoje, estão em US$ 234,5 bilhões (posição de 9 de novembro).

O BC deu a primeira indicação de que não defenderia uma taxa de câmbio em agosto de 2007, antes da quebra do Lehman, quando a cotação do dólar foi de R$ 1,80 para R$ 2,10. Na ocasião, hedge funds anunciaram perdas com empréstimos imobiliários nos EUA, travando o mercado de empréstimos interbancários. "Todos ficaram surpresos porque não vendemos nada", conta Torós. "Mostramos que o câmbio é flutuante. Foi uma das primeiras vezes em que o BC mostrou que há risco no câmbio."

O estresse se prolongou até outubro de 2007 e, de uma hora para outra, o mercado virou para o outro lado. Os investidores entraram numa fase de otimismo, com as ofertas bilionárias nos IPOs da Bovespa e BM&F. Em março de 2008, o clima era de euforia porque o Brasil recebera o grau de investimento de duas agências de classificação de risco - a Standard & Poor's e a Fitch. O câmbio bateu abaixo de R$ 1,60 em agosto. "Não tinha muito o que fazer. Chega uma hora em que o câmbio flutuante corrige. Por bem ou por mal."

No meio do caminho tinha a crise

A correção ocorreu a partir do dia 14 de setembro de 2008, um domingo, quando foi anunciada a quebra do Lehman Brothers. Torós, Meirelles e Mesquita trocaram e-mails na noite daquele dia e na manhã da segunda-feira. "BRL [sigla do real] para cima hoje?", perguntou Mesquita numa mensagem a Torós, sobre a inevitabilidade da desvalorização do real naquele dia.

Torós nem teve tempo de responder à mensagem de Mesquita. Logo na abertura do mercado, os fatos falaram por si. A cotação do dólar, que havia chegado à mínima de R$ 1,55 em meados de agosto, subiu para a máxima de R$ 1,92 quatro dias depois. "As linhas de crédito interbancário secaram", relata Torós. Bancos estrangeiros cortaram as linhas de curto prazo aos brasileiros.

Em resposta, o BC fez sua primeira intervenção no mercado de câmbio, no dia 19 de setembro. No caso, venda de dólares com recompra. Os dólares saíam das reservas, mas voltavam em seguida. "Havia a nossa preocupação de preservar as reservas", afirma Torós.

No começo de outubro, as coisas voltaram a piorar, e a cotação do dólar bateu em R$ 2,17. Torós deu a ordem para a mesa de câmbio vender US$ 2 bilhões em "swaps" cambiais, abastecendo o mercado futuro com dólares. Para o BC, R$ 2,17 era uma boa taxa, porque, a partir desse valor, o governo começaria a lucrar, uma vez que havia comprado dólares antes por valores mais baixos. "Foi a única operação de desvalorização cambial na história do país em que a sociedade, a Viúva, ganhou e o setor privado perdeu", registra Torós.

O objetivo do BC, obviamente, não era obter lucro, mas, sim, corrigir o termômetro do mercado, que se tornara disfuncional. "Há um momento em que o mercado perde a lógica e os preços ganham vida própria. Sobem hoje apenas porque subiram ontem", explica Torós. "Tem sempre gente que diz: 'se estava claro que o mercado ia perder a lógica, por que o BC não interveio antes?' Não interveio porque o mercado ainda tinha lógica. Tem que perder a lógica para poder intervir."

O BC conseguiu segurar o mercado por alguns dias, oferecendo volumes crescentes de "swaps" cambiais. Mas chegou um ponto em que era necessário dar um passo adiante: vender dólar de verdade no mercado à vista. "Os 'swaps' funcionam muito bem enquanto são uma fração das reservas", explica Torós. "Se vender muito, vira um papel pintado."

Usar reserva: jabuticaba brasileira

Tendo resolvido o problema emergencial de liquidez do mercado bancário, faltava solucionar um problema dramático, que tinha reflexos nas exportações do país. Com a crise de crédito internacional, as fontes internacionais de financiamento ao comércio exterior secaram de forma repentina, subtraindo 20% do "funding" total desse segmento. Foi nesse momento que surgiu uma inovação na forma de lidar com a crise. Mas, antes, foi preciso quebrar um tabu: a possibilidade de uso das reservas para financiar o comércio exterior.

A ideia partiu de Torós, mas foi encorpada por Meirelles e viabilizada juridicamente pelo pessoal técnico do BC, especialmente o departamento de operações das reservas internacionais. Elaborou-se um projeto de lei e, no prazo recorde de 45 dias, a medida foi aprovada pelo Congresso. Os bancos poderiam acessar recursos das reservas, mas o dinheiro deveria ser usado para financiar operações de comércio exterior.

"A queda de financiamento para o comércio exterior foi tão abrupta que precisávamos dar uma alguma ponte para que o setor produtivo voltasse a ter esses recursos", justifica o diretor de política monetária. "Havia um risco muito concreto de paralisar todo o sistema. O BC entrou para manter as coisas funcionando. Emprestando reservas sem vendê-las de forma definitiva."

Nos meses seguintes, o comércio exterior voltou a ser financiado normalmente e o governo utilizou apenas US$ 12,6 bilhões das reservas nessas operações. Praticamente todo o dinheiro já retornou às reservas, com o pagamento dos financiamentos. "Essa medida foi muito bem-sucedida e a sociedade, o Congresso, está de parabéns pela celeridade com que ela foi decidida e posta em prática", comemora Torós.

BC passa a ser membro efetivo de comitês do BIS

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009, 15:42



Como convidado, o País já tomava parte nas discussões feitas no âmbito destes fóruns

Brasília - O Banco de Compensações Internacionais (BIS) formalizou hoje o ingresso do Brasil no Comitê sobre o Sistema Financeiro Global e no de Mercados. Como convidado, o País já tomava parte nas discussões feitas no âmbito destes fóruns.
O Comitê sobre o Sistema Financeiro Global tem como função principal monitorar o desenvolvimento dos mercados financeiros para os principais bancos centrais. O objetivo do trabalho do Comitê é identificar e avaliar fontes potenciais de estresse nos mercados financeiros globais e, com isso, promover a estabilidade e o aperfeiçoamento dos mercados.

O Comitê de Mercados acompanha a evolução e as possíveis tendências dos mercados financeiros. A finalidade é facilitar a troca de informações entre seus membros sobre as implicações de curto prazo de eventos recentes no funcionamento dos mercados e nas operações dos bancos centrais. Periodicamente, o comitê se reúne durante os encontros bimestrais de presidentes de bancos centrais na sede do BIS, em Basileia, Suíça.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

O Banco Central (BC) atuou de forma inovadora durante a crise financeira internacional, segundo o FMI

Cristiano Romero - A ação do BC na crise, segundo o FMI
Link: http://www.valoronline.com.br/?impresso/brasil/89/5977891/estudo-do-fmi-aponta-que-bc-brasileiro-atuou-de-forma-inovadora-durante-a-crise-financeira-internacional

Valor Econômico - 02/12/2009



O Banco Central (BC) atuou de forma inovadora durante a crise financeira internacional. Quando comparado a outros bancos centrais, o brasileiro ajudou a criar um padrão a ser seguido no enfrentamento de futuras turbulências. A afirmação não foi feita por nenhum ufanista do governo Lula - embora haja poucos em Brasília dispostos a elogiar o BC -, mas por três economistas do Fundo Monetário Internacional (FMI) que acabam de concluir um estudo detalhado sobre a forma como 19 países emergentes enfrentaram a crise.



Intitulado "From Lombard Street to Avenida Paulista: Foreign Exchange Liquidity Easing in Brazil in Response to the Global Shock of 2008-2009", o trabalho, assinado por Mark R. Stone, W. Christopher Walker e Yosuke Yasui, avalia as medidas adotadas para enfrentar a escassez de liquidez dos mercados cambiais a partir da quebra do banco americano Lehman Brothers. O estudo já está disponível na internet (www.imf.org/external/pubs/ft/wp/2009/wp09259.pdf).



A referência à "Lombard Street" diz respeito à obra homônima publicada, em 1873, pelo economista e jornalista inglês Walter Bagehot. Durante 17 anos, ele foi o principal articulista da revista "The Economist". No livro mencionado, desenvolveu o conceito moderno de banco central como emprestador de última instância. No texto do FMI, a alusão à Avenida Paulista se deve ao fato de ela ser o coração financeiro do Brasil.



Stone, Walker e Yosuke esmiúçam a ação do BC na fase mais aguda da crise e encontram um paralelo com os ensinamentos de Bagehot. Em linhas gerais, eles mostram que o BC, utilizando uma variedade de instrumentos, restaurou a liquidez do mercado de câmbio no Brasil sem queimar reservas de forma significativa. Mais: atuou de forma vigorosa sobre as expectativas, fazendo dos anúncios públicos armas poderosas. Para chegar a essas conclusões, os três autores fizeram uma análise empírica das medidas adotadas pelo BC, consideradas por eles "um caso especialmente interessante".



O estudo destaca cinco linhas de ação adotadas pelo BC. A primeira, empreendida na primeira semana da crise, foi promover operações de swap para ajudar a compensar a falta de dólar nas linhas de crédito à exportação. Cada swap consistiu de duas pernas: na primeira, o BC trocou dólares por reais; na segunda, a transação era revertida, com a recompra dos dólares. O efeito da transação no mercado, dizem os autores do estudo, foi reduzir os juros de quem tinha dívida em dólar. Os swaps foram realizados de 19 de setembro de 2008 a 29 de janeiro de 2009 e totalizaram US$ 11 bilhões.



A segunda iniciativa foi a venda de dólares no mercado à vista a partir de outubro, quando o mercado já estava disfuncional - foram gastos cerca de US$ 10 bilhões, uma perda de reservas considerada limitada pelo FMI quando comparada às que ocorreram nas crises anteriores (em 1998-99 e em 2002, o país perdeu cerca de 30% das reservas). A terceira ação foi a atuação direta na BM&FBovespa, vendendo dólares para aliviar posições especulativas de empresas exportadoras. A ação foi significativa: a posição líquida do BC no mercado futuro passou de US$ 22 bilhões positivos para US$ 12 bilhões negativos entre 15 de setembro de 2008 até o fim daquele ano.



"Enquanto as operações de swap foram uma resposta à escassez total de liquidez em dólar, a venda de dólar futuro foi, quase inteiramente, destinada a diminuir a pressão sobre as firmas exportadoras que tinham posições de curto prazo em derivativos cambiais e que elas precisavam desfazer", compara o texto do FMI.



A quarta iniciativa do BC foi vender dólares aos bancos, que poderiam emprestar os recursos a empresas exportadoras, desde que estas dessem em garantia papéis denominados em dólar e com boa classificação de risco ou contratos de exportação. Foram gastos US$ 11 bilhões entre 6 de outubro de 2008 e 14 de janeiro de 2009. A última iniciativa mencionada pelo FMI foi a decisão do BC de destinar até US$ 10 bilhões ao financiamento de empresas endividadas em dólar. Como os mercados se normalizaram nos meses seguintes, apenas US$ 2 bilhões foram usados.



As iniciativas, afirmam os especialistas do FMI, foram seguras (ao exigir contrapartidas e garantias) e adotadas no timing correto. Além disso, diminuíram o estresse e restauraram a confiança dos mercados. Os instrumentos foram inovadores (o BC atuou, inclusive, assinala o estudo, no mercado de derivativos). A magnitude foi a ideal porque se conseguiu atender a demanda do mercado por dólar, limitando a perda de reservas cambiais. O BC foi também, diz o FMI, claro no seu papel como provedor de liquidez, "enquanto alguns outros BCs de mercados emergentes foram menos transparentes".



Os autores lembram que o BC só reduziu a taxa básica de juros em janeiro de 2009, uma decisão criticada no debate interno da crise. Sem entrar em detalhes, e é bom lembrar que o Fundo recomendou a redução generalizada dos juros em todo o mundo, o estudo cita que o BC também atuou para normalizar a liquidez no mercado de reais e faz uma ponderação: emprestar em moeda local para empresas que estavam desesperadas em busca de dólar teria tido efeito limitado - elas teriam que converter os reais em dólar com o câmbio depreciado ou fazer swaps por dólares usando o mercado futuro que, naquele momento, estava muito menos líquido.



É interessante notar que, pela primeira vez, em 27 anos de crises internas e externas, o Brasil não precisou pedir socorro ao FMI. Os comentários, portanto, não estão relacionados ao receituário que a entidade costuma impor a quem lhe implora ajuda, mas a medidas adotadas soberanamente pelo país. O enfrentamento bem-sucedido da crise não foi obra de uma pessoa só ou mesmo de um grupo de pessoas, ainda que o mérito de alguns personagens seja inegável, mas de uma instituição chamada Banco Central do Brasil. A vitória, portanto, é da sociedade, que forjou o BC que está aí e, por meio de seus dirigentes políticos, vem, há dois governos, apoiando sua autonomia.



Cristiano Romero é repórter especial e escreve às quartas-feiras.

O GOVERNO LULA E O PDT

RECORDAR É APRENDER

Para um país que teve sua independência decretada pelo filho do imperador que o colonizava e que, só depois de 66 anos da “independência”, extinguiu a escravatura, sem oferecer aos libertados nenhuma assistência. Que proclamou a República através de um golpe de mão que derrubou um dos dois únicos governantes que este país teve com visão de nação e de unidade territorial (o outro foi Getúlio). Que só veio a ter um movimento que modificou as estruturas atrasadas no ano de 1930, mas com grande retrocesso em 1964. Por isso, e pelo que Sérgio Buarque qualificou de povo cordial, as décadas de 80 e início da de 90 do sec. XX, representam um grande avanço. Grandes movimentos populares, a campanha pelo fim do AI-5, pela Anistia (1979), Diretas Já!, Constituinte, surgimento de partidos com grande apelo popular, movimento sindical ideológico e combativo, greve geral etc. Foi um período importante, altamente positivo.

Mas outro retrocesso não tardou. O governo do PSDB cometeu desatinos e queimou grande parte do patrimônio público com as privatizações de FHC. Aprofundou-se a deterioração da classe política, com o “mensalão” mineiro e a compra de parlamentares para a reeleição de FHC. Severa crise econômica instalou-se; o salário mínimo sofreu redução em termos reais. Economistas e especuladores cunharam o “risco Lula”. A mídia e a classe dominante colocam a economia à frente da política.

Vem a campanha eleitoral, oportunidade de jogar FHC e seu partido no lixo da história e recuperar o que fora perdido. Afinal, o PT era um partido de esquerda, como era o arco de apoio a Lula, até que se aliasse a forças retrógradas, como o PL e o PTB.

Na efervescência da campanha, Lula divulga a “Carta aos Brasileiros”, comprometendo-se a não mexer nos privilégios dos rentistas.

Em 6/10/2002 realiza-se o primeiro turno da eleição. Concorrem seis candidatos: Lula, pela coligação PT, PL, PCdoB e PMN, com José Alencar de vice. José Serra, pela coligação PSDB e DEM, com a vice Rita Camata do PMDB; Anthony Garotinho (ex-PT e PDT), pelo PSB; Ciro Gomes (ex-Arena, PSDB e PMDB) pelo PPS, PDT e PTB; Renato Costa, pelo PCO e José Maria de Almeida pelo PSTU. À exceção do PPS e PCO, todos os derrotados apoiaram Lula no segundo turno.

Em 27/10/2002, segundo turno; Lula obteve 61.27% dos votos e Serra 38,72%.

As esquerdas, finalmente, chegam ao poder. Grandes expectativas e muitas comemorações. Teríamos as Reformas para recuperar a soberania em telecomunicações, minério e energia e o comando operacional (as empresas) voltaria ao Estado. O Banco Central e o câmbio seriam controlados. A Lei 9.478 que extinguiu o monopólio estatal do petróleo e autoriza os leilões de bacias sedimentares, seria revogada. As desigualdades regionais seriam drasticamente reduzidas. Não mais haveria submissão aos organismos internacionais de controle da economia. Os aposentados recuperariam o poder aquisitivo, o Fator Previdenciário seria extinto e a Previdência teria administração quadripartite, com autonomia. Os direitos dos trabalhadores seriam ampliados e a Convenção 158 da OIT, denunciada por FHC em 1996, seria re-implantada. O meio ambiente seria preservado. Acabaria a ditadura da mídia.

A transição foi cordial. Lula acompanha FHC nas viagens internacionais e sua equipe participa das negociações do acordo com FMI, em novembro.

MAS... em novembro/2002, Lula já eleito, passa um final de semana em Araxá, na fazenda da multinacional Molycorps Minerals, exploradora de nióbio, raríssimo mineral que está carregando para os EUA a preço de banana. Poucos dias depois, viaja a Washington, entrevista-se com George Bush e, em seguida, anuncia o nome do futuro presidente do Banco Central, o ex-presidente internacional do BankBoston, segundo maior credor do Brasil, o Sr. Henrique Meirelles que fora eleito deputado federal pelo PSDB, mas renunciou. Afinal, recebera uma missão de seus patrões norte-americanos.

O novo governo assume com dois homens fortes no ministério: Antonio Paloci, na Fazenda e José Dirceu na Casa Civil, mas concede autonomia ao BC, para conduzir a economia do país. ("Deixe-me emitir e controlar o dinheiro de uma nação e não me importarei com quem redige as leis" - Mayer Amschel Rothschild). E começa a seguir à risca o compromisso assumido na “Carta aos Brasileiros”. Mantém os privilégios dos rentistas, com juros elevadíssimos, câmbio flexível e metas de inflação.

Lula goza de credibilidade nos meios financeiros internacionais, devido não só ao presidente do BC, mas também porque já havia sido preparado para servir ao Império. Em 1973, participou de um curso na Johns Hopikins, University em Baltimore, Maryland – USA. Em 1983, em companhia de João Batista Figueiredo, Delfim Neto, Fernando Henrique Cardoso, Pedro Malan, Roberto Civita, Roberto Marinho etc., Lula subscreveu o “Encontro do Diálogo Interamericano”, preparatório para o Consenso de Washington. Assinou como membro da AFL-CIO e deputado federal.

Seus companheiros de política já não mais são os fundadores do PT. Agora, seus amigos são: José Sarney, Jader Barbalho, Severino Cavalcante, Fernando Collor, Renan Calheiros, Roberto Jefferson, Bispo Rodrigues etc.

Subjugou seu partido. Formou uma ampla base de apoio, com partidos ditos de esquerda, com conservadores e até de direita.

Os partidos de oposição, PSDB e DEM, aplaudem a política econômica. Seus candidatos, Serra e Aécio participam de atos festivos do governo. Aécio compareceu ao lançamento do PAC das cidades históricas; Serra participou do lançamento do tímido projeto de regulação do Pré-Sal. Os dois pré-candidatos não têm projeto e concordam com as políticas do governo. Enfim, não há oposição. Todos esses partidos, governistas e oposicionistas, tornaram-se farinha do mesmo saco, vinho da mesma pipa. Fisiológicos, oportunistas, sem coloração ideológica.

Alinham-se não só na política econômica. Confundem-se até nos escândalos. Senão, vejamos os “mensalões”: a diferença é apenas de tamanho. O mineiro, mais restrito e o então governador, Eduardo Azeredo está sendo responsabilizado pelo STF. O “mensalão” petista, de proporções bem maiores, não tem o envolvimento na Justiça do seu maior responsável, o presidente Lula. Ora, será que alguém acredita que o ex-governador e o presidente, os beneficiados, não sabiam de nada? Esses episódios, são um tremendo golpe nos já debilitados partidos e na democracia.

Os escândalos do governo Lula vieram à tona não pela oposição, mas por seus próprios aliados, como Roberto Jefferson (“caio, mas levo todo mundo junto”). O operador dos 2 “mensalões” é o mesmo, o Marcos Valério. Os bancos são os mesmos.

E continuam os escândalos... Mauricio Marinho, extorquindo empresário e recebendo dinheiro na ECT. Dólares na cueca, saques na boca do caixa, Sanguessugas, Dossiê Vedoin (crime eleitoral- contra José Serra). Caos do tráfego aéreo, Vampiros, Furacão, Navalha....As denúncias não partiram da oposição. O escândalo Waldomiro Diniz, que extorquia bicheiros para o PT e para o PSDB, foi denunciado pela imprensa.

Há outros casos Hoje em dia, mudaram os métodos. Não mais se oferece dinheiro vivo. Funciona agora a partilha dos cargos e uso do orçamento. Mas o resultado é o mesmo. O governo protege os seus aliados que cometem graves deslizes.

As esquerdas, a parcela decente que não se deixou promiscuir, que pularam fora do governo, estão enfraquecidas; sem representação ou liderança que as possa aglutinar.

O PT deixou patente seu autoritarismo e aparelhismo. Vários fundadores já deixaram o partido: Cesar Benjamin, Plínio de Arruda Sampaio, Francisco de Oliveira, Hélio Bicudo, Milton Temer etc. Mais recentemente: Marina Silva, Fernando Gabeira, Cristovam Buarque. Expulsões de Luciana Genro, Babá, Heloisa Helena etc.

O PDT trilha o mesmo caminho. Saíram: Nilo Batista, ex-governador do Rio de Janeiro, o saudoso Fausto Wolff, Arthur Poerner, Arnaldo Mourthé etc. Colocaram-me na Comissão de Ética partidária. Nosso presidente, doublé de Ministro do Trabalho, talvez seja o mais submisso dos ministros. Obediente, faz tudo o que seu mestre manda Porém, no Partido, consegue ser, ao mesmo tempo, autoritário e bonachão. Trata as divergências com borduna; não permite opinião diferente da dele. Usa seus sequazes para golpes sujos e baixos, como na Convenção Estadual do Rio de Janeiro e na Municipal RJ. Mas é carinhoso com quem pretende conquistar. Está sempre repetindo, choroso: “Não sei por quê tu não gostas de mim... eu gosto tanto de ti...me apóia...”.

O PDT participa desse governo que diz não ter dinheiro para pagar o aumento das aposentadorias e pensões, mas paga bilhões de dólares de juros e entrega outros quatorze bilhões ao famigerado FMI, dinheiro que pegou emprestado, pagando juros. A dívida pública já atinge a um Trilhão e Quatrocentos e Cinqüenta bilhões de dólares. Orgulha-se por manter uma reserva financeira de mais de duzentos bilhões de dólares, pela qual recebe juros de 0,12%, mas paga juros de 8,75%.

É frouxo com a ditadura da mídia. Profere declarações queixosas e confusas Não toca no poderio do oligopólio que manipula a grande imprensa, como fizeram a Argentina, a Venezuela, o Equador, a Bolívia, o Uruguai, a Nicarágua. A nova legislação argentina limita o poder dos grupos que se adonaram dos organismos da mídia. No Brasil, tudo continua como antes. A mídia é o partido dos capitalistas. Permite-se que uma só família detenha rede nacional de TV aberta, vários canais fechados, revistas, jornais, internet etc. Anuncia-se agora, uma “Conferência Sobre a Mídia” da qual espero saiam propostas que restrinjam o oligopólio.

Embora com um programa reformista, não socialista, abandonou-o. Desprezou o mandato classista que os trabalhadores concederam. Deu chabu na prometida e ansiada Reforma Política, assim como na Reforma Tributária e na Reforma Agrária. Reforma boa (para eles), só no patrimônio pessoal dos que chegaram ao governo.

Fez do anúncio do Pré-Sal uma enganosa adesão ao nacionalismo, sem restabelecer o império da Lei 2.004. Mantém a Lei 9.478, os leilões de lençóis petrolíferos fora do pré-sal, no regime de concessão. Mesmo no Pré-Sal, já há poços, como Tupi, Guará e Iara com participação de empresas estrangeiras.

Não gosta de ser fiscalizado e quer esterilizar o TCU. Conseguiu desmoralizar o ENEM. O importantíssimo setor elétrico está loteado; o esquema Sarney é donatário do Ministério das Minas Energia enquanto a Petrobras e outros nichos são cedidos ao grupo goela grande do PT. O Bolsa Família não impõe condições nem prepara os beneficiados para uma saída; é instrumento eleitoral.

Criou a Super-Receita, anexando a Secretaria de Receita Previdenciária à Secretaria da Receita Federal, alocando no Tesouro os recursos financeiros do INSS e matando as aspirações da classe trabalhadora de uma Previdência Social independente, administrada por trabalhadores, empregadores, aposentados e governo. Esse foi o maior crime já cometido, em toda a história, contra a Previdência Social. E não acaba com o Fator Previdenciário, nem concede aumento igual a todos os aposentados e pensionistas.

A Convenção 158 da OIT que impede demissões imotivadas, assassinada por FHC, não foi restabelecida. Mesmo com o presidente do PDT no Ministério do Trabalho. A Convenção 151 foi esquecida. De todos os crimes do governo FHC, o pior foi a debilitação dos direitos trabalhistas. De Lula, o pior foi a cooptação dos movimentos sociais. A nós, que ainda conformamos uma resistência no PDT, cabe o papel de esclarecer os filiados para que se possa encetar uma luta pelo resgate do PDT.

EM DEZEMBRO DE 2009

RONALD SANTOS BARATA

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BANCO CENTRAL DO BRASIL se encontra em uma situação bastante confortável

Correio Braziliense – Coluna Brasil S/A – Fim do piloto automático – 7/12/2009

Fim do piloto automático

Olhando friamente os atuais indicadores da economia, pode-se afirmar que o
BC se encontra em uma situação bastante confortável

por Vicente Nunes
vicentenunes.df@dabr.com.br


Ainda que o consenso geral aponte pela manutenção da taxa básica de juros (Selic) em 8,75% ao ano, a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) que começa amanhã e termina na quarta-feira está provocando um debate acalorado no mercado. A expectativa é grande pelos sinais que o Banco Central emitirá quanto aos rumos da Selic. Aposta-se que sairá de cena o “piloto automático”, que vinha indicando a estabilidade dos juros por um longo período, e entrará no horizonte um discurso de ressalvas, carregado de “ainda” e “por enquanto”, como bem define o economista Maurício Molan, do Banco Santander.

A mudança do BC não deve ser vista, porém, como um endosso às apostas mais pessimistas dos analistas que insistem na necessidade de aumento da Selic ainda nos primeiros meses de 2010. Mas servirá de indicador para os mais otimistas, para os que estão inebriados pela euforia, de que os juros poderão ser usados para corrigir distorções nos preços que venham a ser provocadas pelo crescimento excessivo da atividade econômica. Esse é o papel clássico da autoridade monetária: primar pela cautela.

Mas, olhando friamente os atuais indicadores da economia, pode-se afirmar que o BC se encontra em uma situação bastante confortável. Mesmo com a recente alta da inflação, não há qualquer perspectiva de o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) fechar o ano acima do centro da meta definida pelo governo, de 4,5%. Isso ficará claro na mesma quarta-feira em que será anunciada a decisão do Copom. O IPCA de novembro, ligeiramente acima de 0,4%, fará com que a inflação em 12 meses encoste nos 4,25%. Mesmo que a taxa de dezembro repita 0,4%, o índice final deverá cravar 4,3%, na pior das hipóteses.

Retomada do investimento

Com a inflação dentro das metas, o BC tenderá a priorizar os dados de indicadores de atividade em suas análises. Sabe-se que ainda há ociosidade no parque produtivo e que a retomada dos investimentos para o aumento da oferta de mercadorias é firme. O BC, no entanto, quer ver números mais consistentes sobre a ampliação de fábricas e quando os projetos de expansão estarão concluídos e prontos para abastecer a ânsia dos consumidores que veem a renda crescer e a oferta de emprego melhorar.

Vale ressaltar que um dia depois de anunciada a decisão do Copom, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrará que, no terceiro trimestre do ano, o Brasil cresceu algo como 2% em relação aos três meses anteriores, taxa que, anualizada, apontará expansão de 8%. Os dados preliminares do quarto trimestre sinalizam que o rimo de atividade continua muito forte. A grande pergunta é se esse ritmo será mantido nos primeiros dois trimestres de 2010 ou não. Para o BC, seria melhor que a demanda esfriasse um pouco, acompanhando mais de perto o aumento da produção.

Efeito da crise

Para o Ministério da Fazenda, o BC está no seu papel de mudar o discurso e começar a indicar cautela nos comunicados ao mercado. Mas isso não quer dizer que as taxas de juros tenham que subir. Para os assessores do ministro Guido Mantega, na pior das hipóteses, se realmente o ritmo de crescimento da economia for exacerbado e a inflação começar a fugir do centro da meta, a alta da Selic só deverá se concretizar no fim de 2010 e, mesmo assim, em um ritmo moderado, de no máximo 1,5 ponto percentual.

Os assessores de Mantega ressaltam ainda que não se pode esquecer que os resultados do PIB do terceiro trimestre estão contaminados pela política anticíclica que começa a ser desmontada. Os números mostrarão um salto espetacular da indústria automobilística, de eletroeletrônicos e de materiais de construção devido ao corte do IPI. No quarto trimestre, porém, os reflexos do alívio de impostos serão bem menores. O que mais pesará para o dinamismo da economia será o efeito defasado da política monetária. Tudo, portanto, dentro do que já foi alardeado pelo BC.

Temores da Fazenda

A Fazenda também não acredita que, no fim do mês, quando o BC divulgará o novo relatório de inflação, haja mudanças significativas nas projeções para o IPCA do próximo ano e de 2011. Os assessores de Mantega temem que o BC eleve as suas estimativas, alegando que foi obrigado a considerar, nos seus modelos, a redução da meta de superávit primário (economia para o pagamento de juros da dívida) de 2,5% para 1,56% do PIB.

Em setembro, quando o relatório foi liberado, houve um grande estresse entre o diretor de Política Econômica do BC, Mário Mesquita, e o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa. Mesquita atribuiu o aumento das previsões de inflação à gastança desenfreada do governo. E Barbosa o taxou de “terrorista fiscal”.

Tudo leva a crer que as arestas foram aparadas. Mas melhor do que preparar um discurso público de unidade é combinar um jogo de verdade, de governo, em que os gastos controlados tirarão um peso enorme da política monetária.



VICENTE NUNES É REPÓRTER ESPECIAL E BLOGUEIRO

O Brasil decola, diz ‘Economist’

13/11 - 03:34 - Agência Estado



"O Brasil decola agora, o risco para a grande história de sucesso da América Latina é a arrogância". Esse é o título da reportagem especial publicada ontem pela revista The Economist, que traz na capa uma foto do Cristo Redentor impulsionado por um foguete.

Na edição especial com oito reportagens sobre negócios e finanças no País e mais um editorial, a Economist afirma que o Brasil "entrou em cena no palco mundial" e vai se tornar a quinta maior economia do mundo até 2014. E, depois de ser subestimado por anos, o País hoje supera os outros Brics em vários quesitos.

"O País está passando por seu melhor momento desde que um grupo de navegadores portugueses chegou às costas brasileiras, em 1500", diz outro artigo sobre o Brasil, na revista. "O Brasil já havia sido democrático antes, havia tido crescimento econômico e baixa inflação, mas nunca essas três coisas ao mesmo tempo."
Mas a publicação inglesa alerta para as armadilhas à frente. "Da mesma maneira que seria um erro subestimar o Brasil, também é um erro ignorar suas fraquezas", adverte. "Muito dinheiro do contribuinte está sendo gasto nas coisas erradas" e há pouco investimento público e privado.

Para a Economist, Lula está certo ao dizer que seu país merece respeito e "ele também merece muito da bajulação que recebe. "Mas Lula também tem sido um presidente de muita sorte, colhendo os frutos de um boom de commodities e trabalhando a partir da plataforma sólida construída por seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso".

A revista volta a chamar Lula de "sortudo" em outro artigo. Para manter o bom desempenho do Brasil em um mundo com condições mais difíceis, o sucessor de Lula vai ter de lidar com alguns dos problemas que o presidente achou que podia ignorar, adverte a revista.

A reportagem lembra que, em 2003, quando economistas da Goldman Sachs cunharam o termo Brics, muita gente torceu o nariz para a inclusão do Brasil no time de economias vencedoras. "Brasil? Um país com taxas de crescimento tão minúsculas quanto seus biquínis, vítima de qualquer crise financeira que estiver à espreita, um lugar com instabilidade política crônica, onde a capacidade infinita de desperdiçar seu óbvio potencial é tão lendária quanto seu talento para futebol e carnavais", diz. "Agora, esse ceticismo parece equivocado."
Em artigo (opinião), a Economist diz que o Brasil costumava ser uma promessa, mas agora começa a se tornar realidade. O País não passou incólume pela recessão, mas está entre os últimos a entrar e os primeiros a sair. A revista ainda diz que o Brasil deve crescer 5% em 2010, mas a taxa deve se acelerar à medida que os campos de petróleo comecem a produzir e os países asiáticos continuem consumindo alimentos e minerais do Brasil. "E algum momento antes de 2014, o Brasil vai se tornar a quinta maior economia do mundo." As informações são do jornal O Estado de S.Paulo.
Veja essa reportagem no original e na íntegra:
http://www.economist.com/displaystory.cfm?story_id=14845197

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Os islandeses se adaptam ao duro regime pós-crise

26/11/2009

Le Monde
Gérard Lemarquis
Em Reykjavík (Islândia)

Os islandeses não terminaram de pagar a conta da crise financeira. Seu
nível de vida ainda deverá recuar 16,5% em 2010, segundo previsões do
Banco Central. Quase da noite para o dia, em outubro de 2008, com a
implosão de seu sistema bancário, a Islândia, uma das populações mais
ricas da Terra, liderando a lista dos melhores em desenvolvimento
humano, se tornou uma nação em colapso.

Mas os islandeses se adaptam, alternando apatia e revolta, desânimo e
esperança. É hora de acertar as contas com os responsáveis pelo
tsunami financeiro que transformou uma pequena nação luterana do Norte
no país mais endividado do mundo (todas as dívidas acumuladas). Também
chegou a hora de um recolhimento íntimo. De certa forma, nasceu um
nano-estilo de vida.

Em uma sociedade que não fala de nada além da crise, os islandeses, em
uma mesma conversa, manifestam desânimo, esperança de que volte a
prosperidade, remorso por terem sido ingênuos e raiva dos
responsáveis. Eles mencionam uma culpa latente por terem se deixado
levar e uma amargura em relação aos escandinavos pouco compassivos.

Os islandeses têm várias palavras para descrever a crise. "Kreppa"
designa o marasmo, a recessão. "Hrunid" exprime a queda e é utilizada
para comparar o antes e o depois. São raros os que ainda falam da
"revolução das panelas", o movimento que, em janeiro, derrubou o
governo, quando os manifestantes bateram em utensílios de cozinha dia
e noite diante do parlamento. E uma nova expressão nasceu para
classificar tudo que é chique, caro ou luxuoso: diz-se que "é tão
2007".

Nem todos sofrem do mesmo jeito com a crise. Nos vilarejos que vivem
da pesca, longe da capital, é quase uma euforia. Pelo mesmo preço em
euros, o peixe é vendido duas vezes mais caro em coroas islandesas. Os
salários estão congelados, mas a atividade se mantém. Que vingança
para uma população rural que, dois anos atrás, achava ter perdido o
trem da modernidade!

Os muito ricos? Eles já não moravam mais na Islândia. Moravam em
Londres ou em Copenhague, ou até em ambos os lugares, de onde davam
suas ordens à distância. Jovens enfurecidos emplastaram de vermelho os
4 x 4 e as mansões daqueles que se arriscaram a voltar, e a maioria
prudentemente permaneceu no exterior. Eles deixaram para trás as obras
inacabadas de residências de férias de várias centenas de metros
quadrados, lembrança de sua megalomania passada. Mesmos delírios de
grandeza no centro de Reykjavík, com o palácio da música em
construção. A cidade e o Estado decidiram terminar a grande obra, após
hesitarem em fazer dela um monumento em lembrança ao colapso.
Devolvida ao povo, é uma obra que supera em custos e em dimensões o
palácio de Ceausescu, em Bucareste, com a diferença de que, avançando
sobre o mar, não está substituindo uma antiga morada.

O islandês médio da população da capital (dois terços do país) inventa
soluções. Ele corta despesas e paga suas obrigações. São os mais ricos
em fuga que deixam dívidas.

As vendas de automóveis caíram 85% em um ano, e as de
eletrodomésticos, 60%. As pessoas fazem seus utensílios durarem mais,
se desfazem do segundo ou terceiro carro, ou do mais luxuoso, que
provavelmente já atravessou o oceano para ser revendido na Europa. As
hortas comunitárias voltaram, e os hábitos alimentares mudaram.

Em um imenso movimento de afirmação de identidade, no outono de 2008,
voltou-se a fabricar em casa linguiça de fígado ou salsicha de
cordeiro à moda antiga. Mas não passou de uma onda passageira, e a
linguiça muitas vezes permaneceu nos congeladores.

O McDonald's fechou na Islândia, o que revelou que toda a
matéria-prima era importada da Alemanha. Uma nova marca o sucedeu, e
atualmente utiliza a carne islandesa. Até o consumo de álcool diminuiu
sensivelmente, frustrando as previsões. A explicação, a ser
verificada, é que os islandeses fazem um vinho artesanal com suco e
levedura, e os mais ousados arriscam destilar álcool em alambiques
improvisados. A polícia, quase toda semana, apreende maconha cultivada
em estufas. Aqueles que se dedicam a essa atividade proibida são
denunciados por sua conta de eletricidade, pois nas noites de inverno,
uma iluminação artificial potente é indispensável.

Mas nem tudo é negativo. A desvalorização da coroa islandesa gera
oportunidades. O turismo atrai uma nova clientela, menos privilegiada.
As atividades de manutenção e de reparos, especialmente as navais,
poderão ser feitas no local. Os doentes da Groenlândia com tratamento
de urgência agora serão encaminhados para a Islândia, e não para a
Dinamarca. As distâncias são mais curtas e o custo é duas vezes menor!

Esperava-se uma diminuição ainda menor do consumo. Mas o governo abriu
o acesso às contribuições das aposentadorias complementares para que
os mais endividados evitem a falência pessoal. Foi a debandada de uma
população desorientada. Mal se ousa pensar no empobrecimento da
geração de futuros aposentados que deverá se contentar com uma magra
pensão de base.

Tradução: Lana Lim


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sexta-feira, 20 de novembro de 2009

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Itália ajusta contas com a Suíça

A última amnistia fiscal do governo de Silvio Berlusconi, que visa o repatriamento do dinheiro escondido pelos contribuintes italianos além-fronteiras, está na origem de uma tensão com a Suíça, com os bancos a ser indiciados por Roma como os principais responsáveis pelas fraudes.

"Como sabemos que um homem que se passeia à volta dos bancos, com um ar desconfiado, é um agente à civil da brigada fiscal italiana? É muito fácil: está a ler o Wall Street Journal de pernas para o ar." O tom sarcástico é a forma de exorcizar dois sentimentos: irritação e medo lê-se no "La Stampa", citado pelo site Presseurop.eu.

De um lado, a irritação da Suíça com os italianos. É a primeira vez que Roma recorre a medidas de força para tentar recuperar os seus capitais. Do outro, o medo. Os bancos suíços arriscam-se a ver desaparecer dos seus cofres 200 milhões de euros. Para além disso, a Suíça receia perder a sua imagem de paraíso fiscal, sobre a qual assenta grande parte da sua fortuna.

Imagem de paraíso fiscal ameaçada
O primeiro "golpe" remonta ao final da década de 1990, com o escândalo dos "fundos sem herdeiros" nos bancos helvéticos: o dinheiro dos judeus deportados para os campos de concentração nunca foi restituído aos herdeiros. A Suíça defendeu-se da acusação sustentando que tinha tentado encontrá-los, mas que a missão se tinha revelado impossível. Nesse compasso de espera, os bancos suíços puderam desanuviar um pouco as suas contas. O mito da inviolabilidade do segredo bancário suíço desapareceu, pela primeira vez na sua história.

O segundo golpe foi dado o Verão passado, quando os Estados Unidos, perseguindo fraudes fiscais, obrigaram o banco UBS (União dos Bancos Suíços ) a fornecer uma série de dados confidenciais.

O terceiro golpe deu-se no momento em que a OCDE incluiu a Suíça na "lista negra" dos paraísos fiscais. Esta medida acabou por ser anulada. Inúmeros investidores, cépticos, não sabem se o seu dinheiro ficará em segurança em Lugano e arredores.

Contribuintes receiam caça às bruxas
Neste momento é o Governo italiano que lança uma amnistia fiscal, permitindo a quem exportou capitais para a Suíça trazê-los para o país mediante o pagamento de uma coima correspondente a 5% do total dos depósitos.

Em Itália, esta medida foi acolhida no meio de grandes protestos e dúvidas. Todavia, parece ter sido aceite. "Está em marcha", afirma Paolo Bernasconi, há vinte anos procurador-geral de Lugano, actualmente advogado e professor da Universidade de Saint-Gall, na Suíça. "Um grande número de italianos aceitou pagar a coima. O 'escudo fiscal' funciona: em Itália, a 'caça às bruxas' aterroriza os contribuintes, a quem se fez crer que já não existe segredo bancário na Suíça", afirma.

A semana passada, a brigada financeira fez uma busca a 76 filiais italianas de bancos suíços. Os "Fiscovelox" instalaram-se na fronteira italo-suíça a fotografar os automóveis italianos que entravam na Confederação Helvética. Para além disso, devido a um rumor - infundado ou não -, agentes à civil vigiaram a saída dos bancos.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

O sustentável peso do trabalho

Autor(es): Marcelo Neri
Valor Econômico - 03/11/2009

As análises macroeconômicas são agregadas, na própria definição do campo de estudo da disciplina fundada por Keynes em meio à grande depressão dos anos 30. Isto é, olha-se para o conjunto de pessoas numa dada sociedade, não importando a região de moradia, estrato econômico, composição de fontes de renda, ou outros atributos individuais (sexo, idade etc.). Tudo se passa como se tratássemos de um agente hermafrodito, de meia idade, de classe média.

Em várias situações a ficção macroeconômica se mostra adequada para não nos perdemos nos detalhes desnecessários, mas em outras situações o diabo mora justamente nos detalhes omitidos. Em particular, num país de dimensões continentais e desigualdade amazônica que se torna internacionalmente conhecido pela proliferação de novas e velhas políticas de rendas como o Brasil, a análise agregada esconde mais do que revela.

A injeção de demanda é o ponto-chave no pós-crise, mas estamos olhando a economia de maneira muito agregada. Na medida em que cada lado da fronteira de nossa Belíndia tem propensões diferenciadas ao gasto, há implicações macroeconômicas dependendo do "quem é quem" nos avanços e retrocessos observados. Sem enxergar os detalhes dos grupos que emergem e dos que afundam, seja na descoberta de nichos de mercado, desenho de redes de proteção social aos pobres e/ou aos perdedores. Do ponto de vista das empresas produtoras, não se trata só de saber o que gera nova demanda, mas onde a oferta encontra (ou desencontra) essa demanda.

Esta análise simples, do tipo Lego, de remontar os pedaços das rendas dos diversos tipos brasileiros, pode ajudar um a descobrir os porquês das mudanças. Em particular, no período de expansão do bolso dos brasileiros em vigor até setembro de 2008 há ainda falta de visão clara sobre pelo menos três pontos: 1) Quem mudou?; 2) O que mudou?; 3) Onde mudou?. Vamos ao quebra-cabeça.

1) Quem mudou? As mudanças no interior da economia, quem perde e quem ganha em termos de estrato de renda (E, D, C e AB). A nova classe média brasileira se tornou um ativo macroeconômico crucial para compensar a queda na exportação de nossos produtos como fruto da retração global. Entre 2003 e 2008, 32 milhões de pessoas, ou meia França, ascenderam às classes ABC, sendo 6,7 milhões só no ano passado. Também no período 2003 a 2008, houve uma redução de 43,03% da pobreza - o que corresponde à saída de 19,3 milhões de pessoas da miséria. Nesse período, a taxa de crescimento de renda é decrescente à medida que caminhamos ao topo da distribuição indo dos 58,8% real per capita dos 10% mais pobres aos 21,11% dos 10% mais ricos. No período de 2001 a 2008 esse placar era ainda mais dilatado: 72% vs. 11,1%, respectivamente.

2) O que mudou? Qual parcela de renda cresceu mais, antes ou fruto da crise e das ações contra ela: trabalho, bolsa família, aposentadoria ou nenhuma das alternativas acima. Neste período de boom, a renda média de todas as fontes cresceu 5,26% ao ano contra 5,13% da renda do trabalho. Os resultados apontam que, embora tenha havido aumento forte da renda, derivada de programas sociais e aposentadorias ligadas ao mínimo, a parcela devida ao trabalho fica próxima ao expressivo crescimento de renda desta fase de boom. Complementarmente, traduzimos a riqueza de dados "pnadianos" sobre estoques de ativos, agrupados sob estas duas perspectivas, a do consumidor e a do produtor, o que nos termos da fábula de La Fontaine permitiria separar os lados cigarras e formigas dos filhos deste solo.

A pesquisa www.fgv.br/cps/fc cria dois índices sintéticos. O primeiro de potencial de consumo baseado em acesso a bens duráveis, a serviços públicos e moradia e o segundo sobre o lado do produtor onde identificamos o potencial de geração de renda familiar de forma a captar a sustentabilidade das rendas percebidas pela inserção produtiva e nível educacional de diferentes membros do domicílio, investimentos em capital físico (previdência pública e privada; uso de tecnologia de informação e comunicação), capital social e capital humano (frequência dos filhos em escolas públicas e privadas) etc.

A nossa surpresa é que o índice do consumidor aumentou 14,98% entre 2003 e 2008 contra 28,62% do índice do produtor. Ou seja, o brasileiro pode ser na foto ainda mais cigarra que formiga mas estamos sofrendo gradual metamorfose em direção às formigas. Este ponto pode variar muito de lugar para lugar, dos aparentes formigueiros paulistas até as esperadas cigarras do sertão nordestino. O que nos leva à nossa última e talvez mais importante dimensão de análise.

3) Onde Mudou? Em que regiões, sejam macrorregiões, estados, capitais, tipos de cidades, a economia doméstica avançou e onde regrediu? E a geografia da pobreza, mudou? Mudou por quê? Se olharmos para o Nordeste o ganho de renda do trabalho per capita real médio do período 2003 a 2008 foi de 7,3% ao ano o que contraria a ideia de que o aumento de renda do brasileiro em geral e do nordestino em particular deve-se apenas ao "assistencialismo oficial". Talvez haja mais sustentabilidade na expansão nordestina do que nas ideias daqueles que a imaginam como a de uma nova economia sem produção.

Finalmente, qual é a capital do Bolsa Família e demais programas? Macapá, onde 3,25% da renda do município advêm desses programas. Quem é o campeão de geração de trabalho e renda? É Palmas no Tocantins, com 88,3% da renda vindo da labuta diária. E a capital dos aposentados? Rio de Janeiro, cujas rendas correspondem a 28,8% do bolso do carioca, a mais alta proporção de todas 27 capitais. O Rio, curiosamente ocupa a lanterna das capitais tanto no quesito renda do trabalho como na do Bolsa Família. Sei que estou sendo bairrista, mas o site da pesquisa: www.fgv.br/cps/atlas permite a cada um, por meio de bancos de dados interativos, realizar o cruzamento para responder suas perguntas-chaves. O convite está feito!

Marcelo Côrtes Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais do IBRE/FGV e professor da EPGE/FGV, é autor de "Retratos da Deficiência", "Cobertura Previdenciária: Diagnóstico e Propostas" e "Ensaios sociais".

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Raça dona do mundo

Deixe-me emitir e controlar o dinheiro de uma nação e não me importarei com quem redige as leis" (Mayer Amschel (Bauer) Rothschild).

Quem controla o dinheiro, manda. Poucas semanas após proferir estas palavras , dirigidas aos moneychangers, o presidente Garfield foi assassinado. Moneychangers (ou argentários), surgem lá pelos idos de 200 A.C., quando pela primeira vez tem-se registro da "usura”. Em 48 A.C., Júlio César recuperou o poder de emitir moeda, tornando-o disponível para qualquer um que possuísse ouro ou prata. Também acabou assassinado. Na época de Jesus, há 2 mil anos, o Sanhedrin (a Suprema Corte da antiga Israel) controlava o povo através da cobrança de taxas representadas pelo pagamento de meio shekel. Como todos sabemos, Jesus foi o primeiro a ousar desafiar esse poder e expor a conduta sacrílega de Israel e também acabou morto na cruz. Os argentários usavam os juros para praticar a usura, que hoje é consagrada por lei através da prática bancária. Os moneychangers foram ficando cada vez mais ousados em suas manipulações financeiras e foi assim que surgiu o famigerado conceito do fractional reserve lending, ou "empréstimo baseado em reserva fracional" ou "empréstimo sem cobertura ou lastro". Significa emprestar mais dinheiro do que se tem em caixa e transformou-se na maior fraude de todos os tempos. Com a contínua expansão desse negócio ilícito e usurário, logo os moneychangers puderam abrir lojas específicas para empréstimos, advindo daí a origem dos bancos modernos, dos quais o Bank of England foi o primeiro (1694), e que passou a praticar toda sorte de fraudes visando unicamente o lucro. Os agiotas descobriram que é muito mais lucrativo emprestar para monarcas e governos do que para cidadãos comuns. Através da dívida, tornavam-se literalmente credores e soberanos de nações inteiras.

No início do século XVIII, cerca de 50 anos depois que o Banco da Inglaterra já estava operando, um alemão chamado Amshel Moses Bauer, ourives e agiota que vivia em Frankfurt, na Alemanha, começou um negócio a que denominou de Rothschild, pois a insígnia na porta da loja era uma águia romana sobre um escudo vermelho. Rothschild significa "escudo vermelho" em alemão. O negócio prosperou e em 1743 ele mudou seu próprio nome para Amshel Moses Rothschild. Ele tinha cinco filhos e, ao atingirem a maioridade, ele enviou cada um a uma capital comercial da Europa para emprestar dinheiro a juros, principalmente às monarquias e reinos.

O jovem Schiff rapidamente se tornou padrinho de homens como John D. Rockefeller. Com o dinheiro dos Rothschild, ele financiou a Standard Oil Company (hoje a poderosa ESSO, acrônimo das duas letras que formavam a abreviação da empresa em inglês: S.O. - leia-se ESS-O), as ferrovias Union Pacific Railroad e Southern Pacific Railroad e o império do aço de Carnegie. Foi apenas uma questão de tempo para Jacob Schiff deter o controle da comunidade bancária de Wall Street, em Nova Iorque, que já incluía os Lehman Brothers , Goldman-Sachs e outros grupos internacionais até hoje atuantes no mercado financeiro, todos eles desde àquela época controlados pelos Rothschild. É possível resumir a situação de forma bem simples: Schiff era o "chefe" do mercado financeiro de Nova Iorque e controlava o dinheiro dos Estados Unidos. Assim foi preparado o bote sobre o sistema financeiro norte-americano. Com seus cinco filhos firmemente encastelados em todos os centros financeiros da Europa, a família Rothschild logo ascendeu à posição de mais rica família do planeta. Esta situação persiste até hoje, embora eles professem uma postura de discrição, avessa à mídia e à divulgação. Nenhuma família ou grupo empresarial possui tanto poder e controle financeiro em todos os países do mundo como os Rothschild. E isto há 250 anos.



Texto escrito por:

Nehemias Gueiros, Jr. advogado especializado em Direito Autoral e CyberLaw.

Prof. da Fundação Getúlio Vargas/RJ. Prof. da pós-graduação da Escola Superior de Advocacia da OAB/RJ e Consultor Jurídico do site CONJUR (www.conjur.com.br) Rio de Janeiro - Brasil.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

2010 será todo da política, da produção a plena carga e do consumo fervendo. E 2011, da ressaca

Correio Braziliense – Coluna Brasil S/A – A grande história – 23/10/2009



Por Antonio Machado

machado@cidadebiz.com.br


Ainda que elogiado com fanfarras pelos investidores estrangeiros, a “grande história” de 2010, aposta o Financial Times repercutindo os interesses do capital globalizado que o tem como bíblia, música aos ouvidos do presidente Lula, o Brasil tem desafios maiúsculos a médio prazo. Não em 2010, que será todo da política, da produção a plena carga e do consumo fervendo. Logo depois, e até por isso.



A apreciação do real tende a exacerbar-se nessa toada, refletindo os ingressos de capitais e não só a fraqueza do dólar, parte pelas mazelas financeiras dos EUA, parte pela ação deliberada do governo Barack Obama de reconstruir a economia americana pelas exportações e pelo laxismo monetário, com juros negativos e emissões de moeda.



Ao sair da crise com poucos danos e economia roncando na largada, o Brasil se apresenta ao capital de arribação em fuga da débâcle do dólar como um “santuário”, além de promissor e menos concorrido que outros mercados preservados e em forte expansão como o chinês.



É o capital com asas, que pousa em ações e em ativos de dívida do Tesouro, que o governo tenta espantar com a tributação do IOF de 2%, ainda que tão relevante quanto o investimento direto de firmas estrangeiras, embora mais arisco — a qualquer risco levanta voo —, já que ajuda a preencher algo sempre em falta: poupança, sobretudo a pública, que o governo não acumula gerindo o orçamento fiscal.



Mais ainda neste renascimento econômico turbinado pelo consumo e com a retomada do investimento produtivo atrasado. Ao país faltam recursos de origem fiscal tanto para o Banco Central comprar para a reserva nacional os dólares dos exportadores, dos investimentos das multis e de aplicadores financeiros, como para o Estado bancar a expansão da infraestrutura (energia, estradas, hospitais etc)



O resultado é que a economia está plena de ficções contábeis. O superávit primário não é superávit, mas um desvio de receitas do orçamento fiscal para pagar um pedaço dos juros da dívida pública. O orçamento do governo há décadas fecha com déficit, coberto com a emissão de títulos do Tesouro, que expandem a dívida pública, cujo custo é referenciado pela Selic. E quanto mais juros, mais dívida.



Ela mesma, como relação do PIB, hoje de 44%, parece pequena, pois o que se informa é a dívida líquida, embora seja a dívida bruta a observada nas comparações internacionais, estando em 67% do PIB, o que equivale à dos EUA em apuros. A dívida cresce com os déficits e o aumento das reservas de divisas. Como não há superávit fiscal, a compra de dólares pelo BC corresponde a uma dívida do Tesouro.



Paradoxo das reservas



O BC enxuga os reais oriundos da conversão dos dólares que entram no país para que a expansão monetária não incendeie a inflação. O faz não com receita tributária, toda ela comprometida com o gasto público, que até o excede, mas com dívida emitida a um custo maior que o rendimento da aplicação dos dólares que recebe. Tem-se ai um paradoxo: o país toma dinheiro lá fora, para suprir o que falta de poupança aqui, e paga caro por isso, por que o faz endividando-se, ainda que o objetivo não seja este. Mais racional seria ter juros menores e bancar o grosso dos investimentos com poupança nacional.



Cambalachos contábeis



E cadê a poupança, a explicação do milagre chinês, que permite à China colar o renminbi ao dólar, sustentar reservas de argentário? Não há. Nem o tal fundo soberano, capitalizado em todos os países que o têm com excedentes cambiais ou fiscais autênticos, não com cambalacho contábil, como o brasileiro, formado com 0,5% do PIB de dinheiro desviado de um orçamento fiscal há décadas deficitário.



Essa é a vantagem do governo Lula: ele dispensou cuidados com tal situação das contas públicas. Trata-as como formalismo, e abriu o cofre. Mas isso depois da crise do ano passado, já que até 2007 o seu discurso era contido, as demandas salariais do funcionalismo, atendidas com parcimônia, e o investimento público... Bem, é menor do que aparenta ser e ainda se equipara ao que fez seu antecessor.



Problemas lucrativos



As sequelas vão surgindo. Não incomodam o capital porque ele se beneficia dos problemas (dos juros altos, subsidio cambial) e tudo é feito, apesar dos excessos e deficiências fiscais, com o cuidado de manter a solvência pública. O ônus é da sociedade. O BC tenta harmonizar com juros altos a expansão encavalada do gasto público com o gasto privado. Os títulos emitidos para a compra dos dólares são enfiados na goela da banca, segurando o crédito e, outra vez, aquecendo os juros. Os impostos não baixam. E assim vai.



Discussão no bastidor



Candidato algum fará a discussão do que sobrará para 2011, mas os seus assessores já a fazem. É impossível evitá-la. O financiamento dos investimentos bateu no teto. Nos bancos públicos, o crédito é espichado com aportes do Tesouro, que ampliam a dívida pública, ou emissão de dívida externa, que leva ao mesmo lugar. Virá inflação ou arrocho, o que muitos preveem que o BC fará depois da eleição.



Demandas sociais só crescem, sem folga fiscal para provê-las. O crescimento econômico forte é a solução. Mas se a produção avançar adiante do consumo, que precisa ser contido para prevenir inflação ou déficit externo insustentável. E o eleitor sem saber de nada...

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Madoff divide cela com traficante

Condenado a 150 anos, ex-magnata come pizza preparada por pedófilo

Andrew Clark, THE GUARDIAN

O gestor de fundos de Wall Street, Bernard Madoff, condenado a 150 anos por fraudes no valor de US$ 65 bilhões, trocou uma vida de luxo movida a cocaína pela cadeia, onde come pizza preparada por um pedófilo e compartilha a cela com um traficante de 21 anos.

Madoff, 71, passa seu tempo na companhia de um mafioso do Brooklyn, Carmine "Cobra" Persico e do ex-analista da Marinha americana, Jonathan Pollard, condenado por espionar em favor de Israel na década de 80. O ex-magnata dorme na cama de baixo da cela da prisão de Butner, na Carolina do Norte, e sua recreação consiste em grande parte em dar voltas pelo pátio.

Fragmentos da vida de Madoff na prisão aparecem em uma ação movida pelos advogados das vítimas que entrevistaram o fraudador. A ação, que leva o nome de um investidor ludibriado por ele, Jay Wexler, aponta réus acusados de permitir que a fraude se concretizasse, como JP Morgan, Bank of New York Mellon e a empresa de auditoria KPMG, que auditava o braço britânico de Madoff. A ação faz novas acusações sobre o papel exercido pelo escritório de Madoff em Londres. Diz que, depois de ser interrogado pelas autoridades reguladoras americanas, em 2006, Madoff temeu ser descoberto e transferiu a operação para Londres.

Em três anos, Madoff teria lavado pelo menos US$ 250 milhões saindo de Nova York, via Londres, e voltando para os EUA, alegando que os fundos eram comissões recebidas de investimentos na Europa. Ao mesmo tempo, Madoff e sua família usavam a operação para comprar bens de luxo, como um iate de 23 metros e uma Aston Martin de época.

A ação diz que a KPMG deveria ter identificado que o escritório de Londres não passava de uma entidade de fachada. Segundo os autos, os livros contábeis mostraram "numerosas transações com membros da família e outras atividades suspeitas" e "transferências de grandes quantias de dinheiro entre contas" sem nenhum objetivo aparente em termos de negócios.

Em nota, a KPMG afirmou que não teve conhecimento de que as declarações financeiras de Madoff na Grã-Bretanha contivessem erros, e que as acusações contra ela "careciam totalmente de fundamento". Ao mesmo tempo, o JP Morgan é acusado de manter bilhões de dólares como fiel depositário de contas de Madoff. Por sua vez, o Bank of New York Mellon é acusado de não cumprir com suas obrigações de administrador de fundos "feeder" (alimentadores) que investiam com Madoff.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Os rumores da morte do dólar são muito exagerados

14/10/2009

FINANCIAL TIMES
Martin Wolf


É a temporada do pânico do dólar. Os disseminadores do pânico são diversos: defensores dos ativos em ouro, falcões fiscais e muitos outros concordam que o dólar, a moeda dominante desde a Primeira Guerra Mundial, está em seu leito de morte. O colapso hiperinflacionário é iminente. Isso faz sentido? Não. Ao mesmo tempo, o sistema monetário baseado no dólar está defeituoso. Seria bom começar a construção de arranjos alternativos.

Nós devemos começar pelo que não está acontecendo. No pânico recente, as crianças correram para a mãe apesar de terem sido os erros dela que causaram grande parte da crise. O valor do dólar subiu. À medida que a confiança voltou, isso foi revertido. O dólar saltou 20% entre julho de 2008 e março deste ano. Desde então, ele perdeu grande parte de seus ganhos. Logo, a queda do dólar é um sintoma de sucesso, não de fracasso.

Nós podemos encontrar sinais mais profundos de que o mundo está abandonando a moeda americana? Um indicador querido é o preço do ouro, que quadruplicou desde o início dos anos 2000. Mas seu preço é um indicador dúbio dos riscos de inflação: seu pico anterior foi em janeiro de 1980, pouco antes da inflação ser esmagada.

Os preços mais altos do ouro refletem medo, não fato. Esse medo não é amplamente compartilhado. O governo americano pode tomar emprestado por 4,2% ao longo de 30 anos e 3,4% ao longo de 10 anos. Durante a crise, as expectativas de inflação insinuadas pela diferença entre os rendimentos dos papéis convencionais e os protegidos pela inflação ruíram. De lá para cá elas se recuperaram -mais um sinal do sucesso das políticas. Mas elas ainda estão bem abaixo de onde estavam antes da crise. O risco imediato, dado a capacidade excedente, nos Estados Unidos e no mundo, é de deflação, não inflação.

A correção do dólar não é apenas natural; é útil. Ela reduzirá o risco de deflação nos Estados Unidos e facilitará a correção dos "desequilíbrios" globais que ajudaram a causar a crise. Eu concordo com um artigo que será publicado em breve de Fred Bergsten, do Instituto Peterson para a Economia Internacional, de que "afluxos imensos de capital estrangeiro para os Estados Unidos... facilitaram... a alavancagem excessiva e subvalorização do risco".* Mesmo aqueles que são céticos em relação a isso concordam que os Estados Unidos precisam de um crescimento liderado pela exportação.

Finalmente, o que poderia substituir o dólar? A menos e até que a China remova os controles cambiais e desenvolva mercados financeiros profundos e com liquidez -provavelmente daqui uma geração- o euro é o único concorrente sério do dólar. No momento, 65% das reservas do mundo são em dólares e 25% em euros. Sim, poderia ocorrer uma mudança. Mas provavelmente será lenta. A zona do euro também tem dívidas e déficits fiscais elevados. O dólar existirá daqui 30 anos, o destino do euro é menos certo.

Esta visão pode ser complacente demais. O risco de um colapso do dólar é pequeno e de sua substituição por outra moeda ainda menor. Mas um sistema monetário global apoiado na moeda de um único país é problemático, tanto para o emissor quanto para os usuários. Os riscos também estão crescendo, particularmente desde o surgimento de "Bretton Woods 2" -a prática de administrar as taxas cambiais em relação ao dólar.

Nos anos 60, Robert Triffin, um economista belga-americano, argumentou que um sistema monetário global baseado no dólar tinha uma falha: a maior liquidez que o mundo buscava exigiria déficits em conta corrente nos Estados Unidos. Mas, cedo ou tarde, a saliência das obrigações monetárias minaria a confiança na moeda-chave. Esta visão -conhecida como "dilema de Triffin"- provou ser presciente: o sistema Bretton Woods caiu em 1971.

Falando de modo mais exato, reservas podem ser criadas se o país da moeda-chave apenas tomar dinheiro a curto prazo e emprestar a longo prazo. Mas, na prática, a demanda por reservas gerou déficits em conta corrente no país emissor. Em um regime de taxa cambial flutuante, os acúmulos de reserva também seriam desnecessários. Mas, após as crises financeiras dos anos 90, os países emergentes decidiram que precisavam buscar um crescimento liderado pela exportação e se protegerem contra crises. Como resultado direto, três quartos das reservas cambiais do mundo foram acumulados apenas nesta década.

Mas essa busca pela estabilidade corre o risco de criar instabilidade a longo prazo. De fato, os autores de políticas chineses estão preocupados com o risco ao valor de suas vastas reservas de dólares que, pela lógica de Triffin, a própria política deles exacerba. Os autores de políticas americanos podem repetir o mantra do "dólar forte". Mas esta é uma aspiração sem um instrumento. As políticas relevantes são adotadas pelo Federal Reserve (o banco central americano), que não tem mandato para preservar o valor externo do dólar. A única forma dos autores de políticas chineses preservarem o valor doméstico das reservas de moeda estrangeira é apoiar o dólar de modo ilimitado, o que compromete a estabilidade monetária doméstica da China e é uma política que no final derrotará a si mesma.

A esta altura, as preocupações disseminadas a respeito da estabilidade monetária dos Estados Unidos e o papel externo do dólar convergem. Uma recomendação padrão para a primeira é preservar tanto a independência do Federal Reserve quanto assegurar a solvência fiscal a longo prazo. Se crescer o temor de que algum deles -ou pior, ambos- está em risco, uma crise poderá ocorrer. O dólar poderá cair e as taxas de juros de longo prazo poderão ir às alturas. Nessa crise, poderia-se temer, um Federal Reserve menos independente seria compelido a comprar títulos da dívida pública. Isso aceleraria a fuga do dólar.

As duas pré-condições-chave para a estabilidade a longo prazo, então, são um banco central realmente independente e solvência federal, e ambos parecem estar dentro do controle americano.

Mas isso é simples demais. A maioria dos analistas presume que a posição fiscal americana pode ser determinada independentemente das decisões tomadas em outros lugares. Mas se o setor privado americano passar por uma desalavancagem por um período longo (e assim gastar substancialmente menos do que sua renda), enquanto o restante do mundo permanecer acumulando ativos denominados em dólares como reservas, o governo americano naturalmente despontará como um tomador de empréstimo de último recurso. Um corolário do dilema de Triffin é que o papel internacional do dólar poderia dificultar para os Estados Unidos administrarem seus assuntos fiscais de forma bem-sucedida, mesmo se quisesse.

Eu chego, por uma rota um pouco diferente, à mesma conclusão que Bergsten: o papel global do dólar não está nos juros nos Estados Unidos. O argumento para adoção de um sistema diferente é muito forte. Isso não se deve ao papel do dólar agora estar ameaçado. Mas sim porque ele prejudica a estabilidade doméstica e global. O momento para alternativas é agora.

*O Dólar e os Déficits, "Foreign Affairs", novembro/dezembro de 2009.

Tradução: George El Khouri Andolfato