terça-feira, 29 de setembro de 2015

Jogando luz sobre os paraísos fiscais

De Valor Econômico-SP, por  Bradford DeLong e Michel DeLong

Os paraísos fiscais são, por definição, sigilosos e nebulosos. Toda a sua razão de ser é ocultar a riqueza escondida em seu interior. E um novo livro de Gabriel Zucman, "The Hidden Wealth of Nations: The Scourge of Tax Havens" ("A Riqueza Oculta das Nações: o Flagelo dos Paraísos Fiscais", tradução livre), revela, como nunca antes, a magnitude de seu papel na economia mundial.
Zucman examina discrepâncias das contas internacionais para oferecer os dados mais precisos e confiáveis que possamos obter sobre o volume de dinheiro armazenado em paraísos fiscais. Ele estima que 8% do patrimônio financeiro mundial - cerca de US$ 7,6 trilhões - está escondido em lugares como Suíça, Bermudas, ilhas Cayman, Cingapura e Luxemburgo. Esse valor representa riqueza maior do que a detida pela metade mais pobre da população mundial, de 7,4 bilhões de pessoas.

Essa cifra tem consequências importantes, por representar dinheiro que deveria fazer parte do total dos rendimentos tributáveis. Se os países ricos de Europa e da América do Norte não conseguirem, na prática, taxar os ricos, terão poucas chances de preservar a democracia social e de neutralizar os efeitos da escalada da desigualdade que afligiu recentemente suas economias. No mesmo sentido, as economias emergentes têm pouca esperança de instaurar sistemas fiscais progressivos se não conseguirem localizar a riqueza de seus plutocratas.

Se os países ricos da América do Norte e da Europa não conseguirem, na prática, taxar os ricos, terão poucas chances de preservar a democracia social e de neutralizar os efeitos da escalada da desigualdade que recentemente afligiu suas economias

Zucman parte, sem dúvida, da premissa não comprovada de que existem dados importantes a serem encontrados no que é normalmente classificado como "erros e omissões". Mas há bons motivos para crer que seus números são uma boa estimativa. O banco central da Suíça informa que os estrangeiros detêm US$ 2,4 trilhões somente em bancos suíços. E, embora a Suíça possa ser o paraíso fiscal mais velho do mundo, não é o lugar mais vantajoso para se manter dinheiro.

Um dos motivos pelos quais os paraísos fiscais são difíceis de eliminar é o fato de que nem todo mundo no governo os encara, necessariamente, da mesma forma. Nos países em que a corrupção é endêmica - digamos, na Rússia, na China e em boa parte do Oriente Médio -, muitas autoridades podem encarar os paraísos fiscais não como um problema de arrecadação, e sim como a parte atraente do cargo.

Mesmo nos Estados Unidos, as políticas públicas, com mais frequência do que gostaríamos, têm sido deliberadamente formuladas para possibilitar - em vez de desestimular - o não pagamento de impostos mediante expedientes legais, via paraísos fiscais. Nas palavras de um ex-graduado funcionário do governo do presidente americano George W. Bush, "isso é, em última instância, uma questão de liberdade". A resultante permissividade da fiscalização responde por uma grande parcela da queda de um terço do alcance efetivo do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica dos EUA desde o fim da década de 1990.

Quando o assunto é paraísos fiscais, é moderno dizer que nada se pode fazer. A soberania nacional é considerada importante demais para ser subordinada à legislação fiscal internacional. E os plutocratas da vez são vistos como detentores de poder sobre os políticos eleitos e os funcionários públicos. Mais de um século atrás, o então governador de Nova Jersey Woodrow Wilson convenceu o Legislativo estadual a sair do negócio dos paraísos fiscais corporativos. Assim que o fez, as empresas americanas pegaram sua sede legal e se mudaram para o Estado vizinho de Delaware.

Mas o que as pessoas que afirmam que uma política pública internacional coordenada é impossível não dizem é que coordenar a política pública internacional sempre parece impossível, até que, de repente, as condições mudam e tudo se resolve. Os paraísos fiscais podem ser eliminados; basta fechar as brechas que permitem o não pagamento de impostos mediante expedientes legais e instaurar mecanismos de fiscalização que façam com que o não pagamento ilegal de impostos deixe de valer o risco.

O primeiro passo deveria ser aumentar a transparência. Como diz o ditado, "a luz do sol é o melhor desinfetante". Zucman, por sua vez, prefere um registro mundial único - um banco de dados publicamente acessível que detalha a propriedade dos instrumentos financeiros.

O segundo passo seria mudar os rendimentos tributáveis da pessoa jurídica a partir dos lucros declarados como auferidos num país para vendas realizadas e salários pagos nesse país. Como destaca Zucman, uma empresa pode mudar sua sede legal e empregar mecanismos como transferir a fixação de preços para mudar sua carga fiscal, mas fazer seus funcionários cruzar fronteiras nacionais é mais difícil, e ela não pode também deslocar seus clientes.

Se algum dia quisermos combater a desigualdade de maneira eficiente, a taxação verdadeiramente progressiva terá de ser parte das medidas de política pública. Mas, se não eliminarmos os paraísos fiscais agora, muito provavelmente consideraremos que não temos capacidade para implementar essa política. (Tradução de Rachel Warszawski)

J. Bradford DeLong é professor de Economia da Universidade da Califórnia, campus de Berkeley, e pesquisador adjunto da Agência Nacional de Pesquisa Econômica.

Michel M. DeLong é organizador comunitário do grupo americano de combate à violência com armas Ceasefire Oregon. Copyright: Project Syndicate, 2015.

www.project-syndicate.org