quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

EUA têm muito a aprender com o Brasil, diz Johnson

Valor Econômico


Alex Ribeiro, de Washington

25/02/2010

O professor Simon Johnson, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), ganhou projeção nos últimos meses por defender uma regulação mais dura sobre os bancos e, assim, evitar que se repita uma crise financeira de grandes proporções como a atual.

O receituário defendido por ele, que inclui limitar o tamanho dos bancos e triplicar a exigência de capital sobe o sistema, teria grandes chances de ser taxado de populista, como vem acontecendo com a abordagem regulatória mais severa recentemente anunciada pelo governo Obama. Mas Johnson é um ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI). "Eles não dão esse tipo de emprego para populistas", afirmou, entrevista ao Valor, que segue.

Johnson acha que os Estados Unidos têm muito a aprender com a experiência brasileira, que passou relativamente bem pela crise. "O Brasil é um belo exemplo de como o governo consegue controlar um sistema financeiro excessivamente poderoso", sustenta. "Precisamos seguir o exemplo do Brasil."

Para o professor Johnson, da Sloan School of Management do MIT, os bancos não deveriam ter ativos maiores do que 2% ou 4% do Produto Interno Bruto (PIB), para evitar o fenômeno econômico conhecido como "grande demais para quebrar" (too big to fail) - ou seja, banco tão gigantes que os governos são obrigados a socorrê-los para evitar danos maiores a toda a economia.

O ex-economista-chefe do FMI (2007-2008) defende que o índice de Basileia, que fixa o capital mínimo dos bancos, deve subir dos atuais 8% para algo entre 20% e 30% dos ativos dos bancos. Esses eram os níveis de capitalização, explica, que os bancos tinham antes da criação do Federal Reserve (Fed), o banco central americano. Portanto, a regra que os banqueiros seguiam antes de terem certeza de que, em caso de dificuldades, serão salvos pelo Fed.

Johnson escreve o blog BaselineScenario.com, que se tornou popular por defender posições sobre complicados temas de regulação bancária de forma bastante acessível, e se prepara para publicar em março o livro "13 Bankers", em que sustenta que a desregulamentação ocorrida desde o governo Ronald Reagan criou um ambiente financeiro bastante perigoso.

Valor: Por que colocar um limite no tamanho dos bancos?

Simon Johnson: Essa é uma condição necessária, mas não suficiente, para o sistema bancário se tornar mais seguro. Quando os bancos são muito grandes, sua falência pode causar muitos danos. Consequentemente, eles conseguem socorros mais generosos do governo. A expressão "grande demais para falir" é muito apropriada para descrevê-los. O limite no tamanho dos bancos não é a medida salvadora que irá resolver tudo. Mas é uma coisa muito importante e, ao mesmo tempo, algo politicamente difícil de implementar.

Valor: E qual seria a definição de grande demais?

Johnson: Deveríamos definir um volume máximo de ativos em relação ao tamanho da economia, um percentual entre 2% e 4% do PIB. Já existe um teto para o tamanho dos bancos, definido pela lei Riegle-Neal, em 1994, que diz que nenhum banco pode ter mais do que 10% dos depósitos de varejo. Mas, de lá para cá, a maior parte do crescimento não veio de depósitos do varejo, mas sim do atacado. O teto não foi colocado em prática.

Valor: Isso não limitaria os ganhos de escala dos bancos, fazendo os clientes pagarem mais pelos produtos financeiros?

Johnson: O tamanho que estamos falando atingiria apenas os seis maiores bancos nos Estados Unidos, com ativos entre US$ 150 bilhões e US$ 300 bilhões. Não há evidência de ganhos de escala quando bancos operam com mais de US$ 100 bilhões em ativos. Em relação aos produtos financeiros, diria que se tornaram muito mais perigosos nos últimos 10 anos ou 15 anos. Não deveríamos nos iludir apenas com os preços de tabela dessas inovações. Temos que olhar seus verdadeiros custos. São produtos financeiros que custaram muito para a sociedade.

Valor: Os Estados Unidos estão avançando sozinhos na regulação bancária, sem se preocupar com as discussões entre países que estão sendo feitas em Basileia. Isso não poderá criar oportunidades de arbitragem regulatória para os bancos?

Johnson: Talvez vá dirigir alguns dos serviços financeiros mais perigosos para outros países. Devemos ajudar os outros países a entender os perigos envolvidos e as alternativas para reprimi-los. Mas, honestamente, esse é o tipo de decisão que cada país deve fazer por si mesmo, é uma responsabilidade de cada país. O Comitê de Basileia não fez um bom trabalho para propor maneiras de medir e controlar os riscos. E, se outros países operam sistemas bancários que você considera perigoso, você pode impedir os bancos desses países de fazer negócios com pessoas e empresas do seu país. Talvez esse seja o caminho que estamos trilhando.

Valor: Os salários e bônus pagos aos banqueiros são altos demais?

Johnson: Sim. Mas a remuneração no sistema financeiro, em especial nos grandes bancos, é um sintoma de um problema mais profundo. Não diria que limitar a recompensa para os grandes bancos seja a solução para qualquer problema. Se você limitá-la, simplesmente o problema reaparecerá sob a forma de uma outra distorção. O problema maior é dos bancos que são grandes demais para quebrar. Esse problema precisa ser resolvido e, com outras medidas, como maiores requerimentos de capital no sistema financeiro, a remuneração desses banqueiros vai diminuir.

Valor: O sr. propôs aumentar o índice de Basileia, hoje em 8%, para 20% ou mais. É algo possivel de colocar em prática?

Johnson: Sim. Antes de 1913, antes de o Federal Reserve existir e, consequentemente, antes de existir a possibilidade de ele resgatar bancos, os bancos tinham capital muito mais alto, na faixa entre 20% e 30%. Deveríamos voltar para os níveis de capital que os bancos consideravam adequados antes de existir a possibilidade de resgate pelo Federal Reserve.

Valor: Mas, de novo, isso não aumentaria os juros que os bancos cobram dos clientes para emprestar?

Johnson: Não acho. Não existe evidência de que mais capital aumenta os juros. Os acionistas teriam que colocar mais dinheiro em relação ao que os bancos podem tomar emprestado. Isso não muda os juros, muda a estrutura de "funding" dos bancos. Os juros são determinados pela competição entre bancos, pela diferença entre os custos de captação e de empréstimo. Os bancos basicamente emprestam nosso próprio dinheiro para nós. E, lembre-se, o atual nível de capital dos bancos se mostrou bastante caro para todos os contribuintes.

Valor: O sr. tem criticado o governo por contratar gente do mercado bancário para regular os bancos. Por quê?

Johnson: Se o presidente Obama apontasse um general de quatro estrelas para ser ministro da Defesa, para comandar o Pentágono, o que você pensaria disso?

Valor: O que aconteceria?

Johnson: Seria um grande problema nos Estados Unidos. Os civis não permitem que os militares comandem eles mesmos. O controle dos militares pelos civis é algo fundamental na democracia americana. O controle civil do sistema financeiro se tornou tão ou mais essencial.

Valor: Muita gente diz que a postura severa do governo Obama contra os bancos é uma estratégia política. Seria uma nova forma de populismo?

Johnson: O "New York Times" publicou há alguns dias uma reportagem mostrando que destacados financistas, todos do pensamento econômico dominante, como John Reed, John Bogle e George Soros, entre outros, defendem uma regulação mais firme. Essa história de populismo é espuma. Eu não sou um populista. Fui o economista-chefe do FMI. Acredite em mim, eles não dão esse tipo de emprego para populistas...

Valor: Outros dizem, por outro lado, que não vale a pena impor pesadas regras para evitar uma crise que se repete a cada século...

Johnson: (O secretário do Tesouro) Tim Geithner disse que temos crises a cada período de cinco a sete anos, e o mesmo foi dito pelo (ex-secretário do Tesouro) Henry Paulson, assim como pelo (chefe da assessoria econômica do presidente Obama, Larry) Summers. Como são pessoas que estão no centro de toda essa confusão do sistema financeiro, eu acredito neles. As crises não acontecem a cada século, elas acontecem a cada cinco ou sete anos. O socorro ao sistema piorou ainda mais as coisas. Agora, os bancos são ainda maiores, têm menos competição e são capazes de assumir riscos ainda mais temerários. Acho que teremos uma outra crise no mesmo curto ciclo das anteriores.

Valor: A regulação realmente funciona? Os bancos parecem capazes de driblar todas as regras criadas...

Johnson: Essa é uma disputa entre gatos e ratos. Você sabe pela experiência brasileira que, às vezes, o gato pega o rato e coloca na jaula. Talvez o rato vá escapar e sair correndo de novo. Não dá para excluir essa possibilidade. Mas o Brasil é um belo exemplo de como o aperfeiçoamento da regulação foi capaz de aumentar a resistência do sistema financeiro. É um exemplo de como o governo conseguiu controlar um sistema financeiro excessivamente poderoso. Devemos fazer o mesmo nos Estados Unidos. Precisamos seguir o exemplo do Brasil. Essa é a minha palavra de ordem.

Valor: O que a política monetária pode fazer para evitar uma nova crise?

Johnson: A política monetária tem que observar outros limites, como reduzir desemprego. Precisamos é de lideranças políticas nos Estados Unidos e em outros países que entendam que os riscos assumidos pelo sistema financeiro devem ter limites. Enquanto não ocorrer, nada mais fará diferença alguma.

Valor: Existe o risco de a economia americana mergulhar uma segunda vez na recessão?

Johnson: Pode ocorrer uma desaceleração no segundo semestre, mas não será um segundo mergulho na recessão porque, para tanto, teríamos que ter um número negativo. Me refiro a uma desaceleração, não um número negativo.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

O euro ameaçado

VE
23/2/2010 09:36:01

Antonio Delfim Netto

A nuvem escura que se formou sobre o euro deve lembrar-nos de três raras verdades sobre as taxas de câmbio: 1) o "trilema" das economias abertas (também conhecido como "trindade impossível") mostra que nenhum país pode manter taxa de câmbio fixa com liberdade de movimento de capitais e, simultaneamente, realizar a política monetária mais conveniente para seus objetivos; 2) nenhum sistema de câmbio é o "certo" para todos os países durante todo o tempo; e 3) que a liberdade de movimento de capitais foi contrabandeada alegremente para dentro da teoria econômica como uma extensão, não justificada, das vantagens comparativas nas transações de bens e serviços nesta proposição logicamente impecável.
A última encontra grande resistência nos economistas financeiros e na academia, que acreditam no "equilíbrio geral". Nunca é demais reafirmar que John Williamson, que organizou o Consenso de Washington, recusou-se a incluí-la, a despeito dos protestos de Stanley Fischer, economista-chefe do FMI. Aliás, a primeira recomendação do Consenso era que os países em desenvolvimento deveriam manter "taxas de câmbio competitivas"!
A ironia do destino é que, com tempo suficiente, a verdade se revela, a despeito das barreiras do interesse mesquinho e do contrabando ideológico que tentam escondê-la. Um novo documento do FMI mostra que este aprendeu com a crise. Em particular tornou-se muito mais cuidadoso com relação às supostas virtudes da liberdade irrestrita dos movimentos de capitais para os países emergentes e recomenda que o cuidado com eles deve ser tanto maior quando mais sofisticado for o sistema financeiro.
O grande "escândalo" para os mercadistas fanáticos é que já não se condena "a priori" a regulação daquele movimento. O nosso Banco Central vai ter que se reciclar. Justamente agora ele parece pretender transformar o Brasil num grande centro financeiro internacional, promovendo a mais completa conversibilidade do real...
Para entender as dificuldades enfrentadas pelos 16 países da União Europeia (UE) que utilizam o euro como moeda comum, é preciso lembrar o longo e tortuoso caminho percorrido desde o fim da Segunda Guerra Mundial pela França e pela Alemanha para superar seu estranhamento secular, que sempre esteve na base dos conflitos europeus. Esse objetivo político dominou a construção da UE, que foi incorporando outros países que se sentiriam desconfortáveis com possível "dominação" pela França e a Alemanha unidas. Deu-se razoável conforto a todos na construção do Parlamento Europeu, onde cada um tem voz proporcional à sua importância no conjunto.
A possibilidade de sucesso desse arranjo institucional politicamente aceitável está apoiada na criação de uma moeda única, construída aritmeticamente pelo estabelecimento de uma relação definitiva, numa data fixada, entre as moedas de cada país (franco, marco, lira etc.) e a nova moeda, o euro, cujo valor é controlado pelo Banco Central Europeu. Em poucas palavras, a adoção do euro retira dos países o controle sobre sua política monetária e sobre a política cambial. Esta passa a ser um regime de câmbio fixo com relação à moeda comum.
Para funcionar bem, esse arranjo deve ser acompanhado pela completa mobilidade dos fatores (mão de obra e capital), ou seja, é preciso que a "região" satisfaça as condições de uma Área Monetária Ótima (AMO), o que acabaria nivelando salários e as taxas de retorno do investimento. No nível médio, esses países viram a taxa de juros de sua dívida convergir para a da virtuosa Alemanha. E a política fiscal dos membros, que é a única coisa que lhes restou? Sobre ela criaram-se normas absolutas: os déficits fiscais de cada país não deveriam exceder 3% do PIB e a dívida pública/PIB não deveria exceder 60%.
Onde mora o perigo na UE? De um lado na confiança entre os parceiros. Há uma eterna tentação dos governos de iludir o velho Luca Paciòli (1445-1517) fantasiando a sua ciência. O que se sabe agora sobre a Grécia e a Goldman Sachs não é tranquilizador a esse respeito. Dos 16 países do euro, 12 estão sendo "investigados" (auditados) pela UE por suspeita de contabilidade "criativa". Sem controle fiscal não há AMO que resista.
Por outro lado, a taxa de câmbio efetiva do país depende da evolução interna dos salários e da produtividade, o que desloca as correntes de comércio. A Alemanha, por exemplo, tem "desvalorizado" sistematicamente sua taxa de câmbio com relação aos parceiros, controlando o aumento da sua taxa de salário. Em 2010 e 2011, praticamente congelará os aumentos dos salários em troca da garantia de emprego. A nuvem escura a que nos referimos está estampada na tabela abaixo, que revela as "expectativas" para 2010 quando comparadas com o que exige a CEE.
O problema é o mesmo de sempre: os efeitos de rede! Esses cinco países têm exposição bancária da ordem de US$ 3,5 trilhões (EUA, Reino Unido, França, Alemanha, Suíça), igual ao PIB nominal da China em 2008. Um "default" da Grécia pode levar à destruição do euro e a uma crise do tamanho da de 1929, que só foi resolvida com a Segunda Guerra. Destruiria essa "joia política" garantidora da paz na belicosa Europa. É por isso que ela vai ser salva por seus parceiros, mas não sem ter que se ajustar dolorosamente.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Sérios desequilíbrios na Europa

Editorial do jornal D. Pernambuco de 20.02.2010

Grande é a expectativa em relação ao que ocorre hoje na Europa comunitária, envolvida pelo que se passa na Grécia, enquanto a crise financeira que abalou o mundo encontra-se longe de bater ponto final. O abalo teve o epicentro nos Estados Unidos, cujo sistema bancário se mostrou profundamente contaminado por papéis podres - investimentos de risco elevadíssimo (subprime) sem lastro em ativos reais. A ousadia extrema na aplicação de capitais revelou a ganância irresponsável de Wall Street. Como castelo de cartas, o terremoto se espalhou mundo afora. As consequências, que atingiram os cinco continentes, exigiram medidas severas por parte do estado, que precisou abrir os cofres para evitar a repetição da tragédia de 1929.

Pacotes de estímulo fiscal, resgate dos bancos e queda na arrecadação de impostos elevaram a dívida pública a níveis insustentáveis. O quadro ganhou cores mais sombrias nos países ricos. Desanuviar o cenário exigirá tempo e grande esforço de estabilização. Não será tarefa fácil. Impõe compatibilizar a saída da crise com o aperto do orçamento. Cumprir essas condições é o grande desafio para prosseguir a recuperação global, que, com certeza, será lenta, dolorosa e descontínua, com soluços aqui e ali.

Os Estados Unidos, conhecidos como a locomotiva do consumo, crescerão menos nos próximos anos. Mas a insolvência constitui cenário improvável. A grande preocupação reside na zona do euro. Na União Europeia ocorreu a unificação de moeda sem a necessária integração fiscal e trabalhista. Espanha e Grécia apresentam os maiores desequilíbrios. De um lado, inflação de preços e salários. De outro, desemprego elevado. No meio, orçamento público deficitário.

A Grécia está em pior estado em razão da longa farra fiscal que antecedeu a crise. Amarga déficit público de 12,7% do PIB quando o teto fixado pela UE é de 3%. Acumula US$ 28 bilhões de dívidas que precisa honrar em abril e maio. A situação grega repercute já em todo o mundo, colocando a chamada zona do euro no centro das atenções da imprensa internacional.A Comissão Europeia, diante desse angustiante panorama, já anunciou abertura de investigações, em consequência de denúncias, segundo as quais a Grécia teria alterado os números das suas dívidas para se incorporar ao euro. Tais denúncias também dão conta de que outros países europeus teriam agido da mesma forma, quando se preparavam para o respectivo ingresso na zona do euro, sendo, inclusive, ajudados por grandes bancos internacionais. A Alemanha quer novas regras nas relações entre governos e a banca, a fim de que a contabilidade dos estados nacionais reflita, nos seus registros, a transparência dos respectivos acordos. A situação da Grécia é muito delicada.

Sem ajuda, corre o risco de quebrar. A União Europeia relutava em socorrer o parceiro. Temia que o mau exemplo contagiasse outros membros que também atravessam dificuldades. Em vez de submeter-se a duro programa de ajuste, preferiu esperar o atendimento no pronto-socorro de Bruxelas. A Europa, porém, apesar do perigo de abrir o precedente, deve estendera mão a Atenas. Mas impondo condições. A mais amarga: duras medidas de ajuste fiscal.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Chineses no topo

Correio Braziliense – Brasil S/A – Chineses no topo – 15/2/2010



Nos campos político e institucional, a China não tem nada a ensinar. A lista de malfeitos, passados e atuais, é grande

por Ricardo Allan
ricardoallan.df@dabr.com.br


Ninguém aguenta mais ouvir falar na China. Como as celebridades de ocasião, o país passa por uma superexposição. Deveria se retirar do palco por um tempo, senão acaba reduzido a uma espécie de Geisy Arruda recauchutada. Mas o assunto é obrigatório. A revista Foreign Policy abriu um debate sobre o tamanho do Produto Interno Bruto (PIB) chinês em 30 anos e seu peso no mundo. A polêmica começou com um artigo do acadêmico Robert Fogel, que dividiu o Prêmio Nobel de 1993 com Douglass North por tentar explicar a evolução econômica e institucional por meio de métodos matemáticos. Fogel fez os cálculos e concluiu que, em 2040, a China vai gerar riquezas no estrondoso valor de US$ 123 trilhões.

Isso representaria três vezes mais do que o produto mundial em 2000 e levaria o país a ser responsável por 40% da economia global, já bem longe dos Estados Unidos, que minguariam para 14% e da União Europeia, com 5%. O cidadão chinês teria uma renda per capita de US$ 85 mil, mais do dobro da europeia, mas ainda abaixo da norte-americana. “É assim que o futuro será em uma geração. Isso vai acontecer mais cedo do que imaginamos”, garantiu. Neste ano, o PIB chinês pode chegar a US$ 5,5 trilhões, empurrando o Japão para o terceiro lugar no ranking. Segundo Fogel, os analistas não entendem direito o que ocorre no país. Ele cita cinco fatores que o levarão a esse salto.

1º. O enorme investimento feito em educação e capacitação profissional vai adicionar 6 pontos percentuais na taxa de crescimento anual do país, que deve fechar este ano em 9,5%. 2º. Os analistas costumam olhar só para as fábricas e o mercado financeiro, mas o setor rural, onde ainda moram 700 milhões de pessoas, é responsável por um terço da expansão atual e continuará ganhando produtividade. 3º. As estatísticas do governo subestimam o tamanho da economia, pois não capta direito o faturamento de pequenas e médias empresas, especialmente no setor de serviços. 4º. Embora a maioria pense que a política econômica é dirigida com mãos de aço pelo governo central, há um razoável nível de debate na sociedade e a maior parte das reformas é gerida localmente. 5º. A tendência consumista chinesa, reprimida por décadas, vai explodir.

O mundo está pronto?
A resposta veio nas páginas da própria FP e ficou a cargo de Nicholas Consonery, especialista em China da consultoria Eurasia Group. Segundo ele, Fogel convenientemente diminuiu a importância de sérios problemas que ameaçam o desenvolvimento chinês, confiando demais na habilidade do governo de superar os enormes desafios políticos, econômicos e ambientais. Além disso, baseia as projeções no crescimento recorde atual, que pode não se repetir. Consonery apresenta alguns argumentos. A crise global estancou o processo de liberalização na China e fortaleceu o papel do Estado no mercado, o que tende a tornar a gestão econômica mais ineficiente e prejudicar o crescimento. Como o governo está concedendo mais incentivos à exportação, as empresas vão produzir em excesso, aumentando a dependência das vendas para os Estados Unidos, Europa e Japão, com todos os riscos que isso traz.

Sem uma genuína reforma política e econômica que estimule a expressão individual e a criatividade, a inovação tecnológica ficaria prejudicada, com os talentos saindo dos bancos escolares para empresas estatais ou a burocracia. Até 2025, um quarto da população terá mais de 60 anos de idade, o que trará enormes dificuldades para o já problemático sistema previdenciário. “Mas a razão mais importante pela qual não veremos 1,4 bilhão de chineses ganhando uma renda média de US$ 85 mil por ano é que o planeta simplesmente não pode sustentar uma expansão tão rápida”, diz. Hoje, só 4% dos chineses têm automóveis, número que poderia ser multiplicado por 20, com todas as consequências ambientais. O país deve enfrentar um deficit de 25% no fornecimento de água em 2030 — Pequim já sofre com a escassez. “O mundo está pronto para a China que Fogel descreve? A China está?”, perguntou Consonery.

Economia não é tudo
Num artigo publicado na revista The New York Review of Books, o historiador britânico Tony Judt afirma que, nos últimos 30 anos, as pessoas se acostumaram a pensar de forma apenas econômica ao avaliar políticas públicas. Em vez de se perguntarem se a medida proposta é boa ou má, querem saber se ela é eficiente e aumenta o PIB. Essa constatação cabe perfeitamente no caso da China. Em todo lugar só se quer saber do seu desempenho econômico. Pouco importa saber hoje se eles produzirão US$ 123 trilhões em 2040. Se ocorrer mesmo, e daí? Economia não é tudo. Civilização implica liberdades civis, tolerância, respeito à diferença, igualdade de condições, acesso à cultura e a um banheiro limpo.

Nos campos político e institucional, a China não tem nada a ensinar. A lista de malfeitos, passados e atuais, é grande. Desrespeita direitos humanos, do consumidor e o meio ambiente, proíbe a plena liberdade de expressão, a Justiça não se rege pelo devido processo legal e o regime político desconhece os princípios básicos da democracia. Tiraniza seu próprio povo. No artigo, Fogel afirma que uma economia dominada pela China pode soar estranho, mas representaria apenas uma volta ao passado, pois o país foi o mais rico em 18 dos últimos 20 séculos. Fiquem eles com o poder econômico. Nós nos contentamos com os valores ocidentais.

Ricardo Allan é repórter de economia