quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

OPERAÇÃO LAVA JATO PARA 2017: OLHO NOS BANCOS

Por Nathan Lopes e Flávio Costa - Do UOL, em São Paulo - 29/12/2016 

Um dos objetivos da Lava Jato para 2017 é dar uma atenção especial às instituições financeiras, mais focada no setor de compliance, que, basicamente, cuida para que as empresas sigam as normas e leis vigentes, e evitar desvios de conduta. "Nós temos aqui uma demanda reprimida, que está aguardando justamente aprofundar nessa questão da falha do compliance dos bancos. Sobretudo, não têm funcionando. E, eventualmente, até [podemos fazer] moderações nesses bancos", diz Martello. 

Para ele, isso fica claro a partir da situação de Sérgio Cabral, em que houve a participação de joalherias para camuflar verbas advindas de corrupção. "Nesse caso, ficou muito evidente que o compliance realmente não está funcionando. As informações que eles deveriam ter prestado ao Coaf não foram feitas. Há muitas linhas também para desenvolver esse sistema de prevenção à lavagem de ativos", diz. 
Agora, isso só será possível se não surgirem surpresas vindas do Legislativo. "Vamos ver se não vai ser aprovada mesmo a lei de anistia, a lei que pune o procurador que denuncia, do juiz que julga [em referência à proposta sobre abuso de autoridade]. Aí são outras perspectivas. Se deixarem trabalhar, a Lava Jato ainda tem fôlego para aprofundar a investigação."
A Febraban (Federação Brasileira de Bancos) comentou em nota que "em 2015, foram feitas, pelo setor bancário, 47.413 comunicações de operações suspeitas, uma variação de 27% em relação ao ano anterior". "As comunicações de operações em espécie acima de R$ 100 mil aumentaram 10% e chegaram a mais de 1 milhão. Esse movimento faz do setor bancário o principal remetente de comunicações ao Coaf [Conselho de Controle de Atividades Financeiras]: 17% dessas comunicações transformaram-se em abertura de investigação no ano passado", continua o comunicado.
 
"Houve, em 2015, 11,4 bilhões de transações com cartões, 17,7 bilhões por meio de internet banking e 11,2 bilhões de transações por mobile banking. A quantidade de contas ativas de pessoas físicas e pessoas jurídicas, em 2015, chegou a quase 117 milhões. Nesse enorme universo de clientes e usuários do sistema financeiro, os bancos têm aperfeiçoado, ano a ano, as maneiras de enfrentar o desafio considerável de analisar os desvios de comportamento e identificar irregularidades. Os saques de valores expressivo em espécie, nos bancos, são um facilitador de crimes como a lavagem de dinheiro, o terrorismo, o tráfico de drogas e a corrupção. Só em 2014, foram movimentados R$ 70 bilhões em dinheiro vivo por pessoas e empresas que sacaram mais de R$ 50 mil de uma só vez, em espécie, nos bancos. Há casos de um único saque de mais de R$ 2 milhões em espécie."
 

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Como a Dinamarca acabou com a corrupção

Entenda o que fazem os países mais e menos corruptos do mundo.


Deutsche Welle


Em termos de corrupção, os últimos anos foram cheios de acontecimentos no Brasil. Após a revelação do escândalo da Petrobras, em 2015, o país caiu mais que qualquer outro no Índice de Percepção de Corrupção. O Brasil perdeu cinco pontos no índice de 100, e perdeu sete posições, ficando em 76º lugar.

O índice é publicado pela ONG Transparência Internacional e se baseia em dados de 11 instituições, incluindo avaliações tanto de empresários quanto de cientistas. A pontuação varia de 0 (muito corrupto) a 100 (muito limpo).

Um mal antigo
Corrupção sempre ocorre quando se abusa da própria posição em favor de benefícios privados. Este mal já existe desde o começo da humanidade. Embora hoje em dia haja mais leis, a sociedade esteja mais bem informada e disponha de melhores possibilidades técnicas de controle, a corrupção não diminuiu.

Ao comparar os dados de 2005 com os de 2015, percebe-se que quase nada mudou na pontuação. Em 2005, a média foi de 41,3 pontos; em 2015, foi de 42,6 pontos. Dois terços dos 168 países listados em 2015 atingiram 50 pontos ou menos: ou seja, a maioria tem um problema sério de corrupção. 

Embora os dados do índice mostrem uma estagnação, o pesquisador Gert Tinggaard Svendsen acha que o mundo está piorando em termos de corrupção. "Ela está crescendo e isso é muito perigoso. As elites no poder enriquecem cada vez mais, enquanto o resto da sociedade paga o preço", afirma o dinamarquês, que já escreveu vários livros sobre o assunto.

Svendsen, que é professor de Políticas Públicas na Universidade de Aarhus, na Dinamarca, está convencido de que a corrupção, pouco a pouco, destrói uma sociedade. Segundo o pesquisador, ela aumenta o abismo entre ricos e pobres, e as pessoas acabam não confiando mais nas autoridades, nem umas nas outras.

A corrupção funciona como um círculo vicioso: Quem vive numa sociedade muito corrupta, também é forçado a cometer atos corruptos para não ficar para trás. As únicas pessoas que teriam o poder de combater a corrupção – por exemplo, com punições severas e controles – são as que mais se beneficiam dela. Por isso, geralmente não têm um grande interesse em diminuí-la.

O bom exemplo da Dinamarca
Segundo o índice da Transparência Internacional, a Dinamarca, a terra natal de Svendsen, é o menos corrupto entre todos os países do mundo. O pesquisador tem uma explicação para isso: "Tivemos muita sorte: já no século 17, o nosso rei, Federico 3º, começou a combater a corrupção no país que, até então, era muito grande. A Dinamarca estava em guerra com a Suécia nessa época, e, para poder receber mais impostos e não perder a guerra, Federico se viu forçado a tomar uma iniciativa". O rei tirou cargos e privilégios da nobreza e introduziu punições severas para corrupção e desvio de dinheiro.

Graças a esta constelação histórica, a Dinamarca, hoje em dia, tem poucos problemas com corrupção, assim como vários outros países nórdicos. O termo "Getting to Denmark" ("Alcançando a Dinamarca"), criado pelo cientista americano Francis Fukuyama, até já virou sinônimo de diminuição de corrupção.

Entre os perdedores no índice de 2015, estão principalmente países africanos, asiáticos e sul-americanos. Somália (8 pontos), Coreia do Norte (8 pontos) e Afeganistão (11 pontos) ocupam os últimos lugares na lista de 168 nações. 

Segundo a Transparência Internacional, o que países com muita corrupção geralmente têm em comum é falta de fiscalização, instituições públicas fracas e a falta de uma imprensa independente. Além disso, conflitos e guerras favorecem muito a corrupção. Entre os dez países mais corruptos, cinco se encontram ao mesmo tempo entre os dez menos pacíficos, segundo a ONG.

Embora a média global de pontos não tenha mudado quase nada na última década, há mais países que melhoraram sua pontuação em 2015 do que os que pioraram. E 2015 também foi um ano de muitos protestos contra a corrupção: isso mostra que as pessoas estão de olho e podem pressionar os responsáveis. 

Mas a medida mais eficaz, na opinião de Svendsen, seria criar, em cada país, unidades independentes do governo e dos demais órgãos: "As pessoas deveriam poder recorrer sem medo a um lugar que investigue casos suspeitos. E denunciantes, os assim chamados "whistleblowers", deveriam ser recompensados em vez de punidos".

domingo, 20 de novembro de 2016

O Berlusconi aterrissou em Brasília


Veículo: O ESTADO DE S. PAULO - SP
Autor(a): MODESTO CARVALHOSA
Veiculação: 19/11/2016


A recente tradução para o português do célebre livro de Gianni Barbacetto, Peter Gomez e Marco Travaglio intitulado Mani Pulite - La Vera Storia, 2012 - tradução essa editada pela CDG Edições e Publicações, 887 páginas, sob o título Operação Mãos Limpas - suscitou uma grande excitação em Brasília, na aguerrida bancada Pro Corrupcione, que atua hegemonicamente no Congresso Nacional.
Aqueles autores italianos dedicam nada menos que 330 páginas a demonstrar, cronologicamente e em detalhes, as despudoradas manobras de toda espécie - incluindo mídia, leis, chantagens, desmoralização das instituições - empreendidas por Silvio Berlusconi, o vergonhoso primeiro-ministro da Itália em dois períodos entre 1997 e 2011, que levaram à total destruição dos benefícios da Operação Mãos Limpas, do iní- cio dos anos 2000. A Itália em 2012 ocupava a 69.ª posição entre os países mais corruptos do mundo, atrás de Gana.
Nada melhor, portanto, do que aprender com o execrável Berlusconi os métodos e os meios de destruir a Lava Jato.
Como toda a população brasileira sabe, o Congresso Nacional está dividido em dois blocos.
O primeiro, o grupo dos deputados que formam a combativa Frente Parlamentar Anticorrupção, presidida pelo deputado Antonio Carlos Mendes Thame e da qual participam os deputados Onyx Lorenzoni, Joaquim Passarinho e dezenas de outros abnegados. No lado oposto, o sinistro bloco Pro Corrupcione, liderado pelo presidente do Senado, pelo líder do governo no Congresso ("é preciso estancar a sangria") e pelo líder do governo na Câmara dos Deputados, tendo como braço seguro, no Poder Executivo, o ministro da Transparência.
A primeira lição haurida do arquicorrupto Berlusconi é a da necessidade de desmoralização do Poder Judiciário.
Entre nós, tomou essa empreitada o condestável da República, Renan Calheiros. Reuniu ele, para anunciar a missão destruidora da reputação institucional do Judiciário, nada menos que o presidente da República, o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), o futuro presidente do Congresso Nacional, etc.
E ali anunciou que vai revelar, para toda a população brasileira, os supersalários dos juízes, promotores públicos, desembargadores e ministros dos tribunais superiores.
Essa medida berlusconiana, segundo ele, desmobilizará o povo, que ficará desiludido com a Lava Jato. Estará, em consequência, aberta a porta para a pôr em pauta, em regime de urgência, o famigerado Projeto 360, de Abuso de Poder, que responsabiliza pessoalmente os juízes por suas sentenças, se nelas ousarem condenar os corruptos, ou então prendê-los, ou deles homologar qualquer delação. Nessa intimidação legalizada estará incluída também a Polícia Federal, que fica de mãos atadas na sua atividade investigatória, interrogatória, de condução e de custódia.
Ademais, o grupo de trabalho Pro Corrupcione atribuiu ao lídimo líder do governo na Câmara, o deputado André Moura, mais conhecido como André Cunha Moura, por ser o principal esteio do antigo presidente daquela Casa, a missão de pôr em regime de urgência um substitutivo ao Projeto n.º 3.636, de 2015, que altera a Lei Anticorrupção.
Esse sórdido substitutivo institui, a favor das empreiteiras corruptas, acordos de leniência de fachada - os famosos sham programs -, conhecidos da literatura criminal e antitruste no mundo todo. Esse sham compliance é descrito em minúcias no Guia de Programas de Compliance do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), item 3.1.2.
E mais. Por meio dessa encenação de compliance de fachada, não apenas as empreiteiras corruptas poderão voltar a contratar com o poder público federal, estadual e municipal como também os seus controladores, diretores e funcionários terão seus processos e condenações promovidos pela Lava Jato automaticamente extintos.
Para que se "aperfeiçoe" melhor esse simulacro de acordo com as empreiteiras corruptas estarão afastados da sua celebração o Ministério Público e o Tribunal de Contas, a quem cabe declarar a inidoneidade dessas empresas por irregularidade nos contratos de obras.
Essa missão do grupo Pro Corrupcione, visando a extinguir todos os efeitos dos processos levados avante pela Lava Jato, conta com a decidida contribuição do Ministério da Transparência, onde serão "celebrados" os acordos de compliance de fachada. O líder do governo André Moura declarou que tem o apoio do titular daquele ministério.
Questionado pela imprensa, o ministro Torquato Jardim respondeu que a única providência que deve ser tomada é - pasmem - mudar a denominação "acordo de leniência" por um nome mais elegante, mais fino, menos chocante para as empreiteiras hipocritamente arrependidas e que agora voltam ao convívio do governo, com leis que garantem, para sempre, a corrupção.
Tudo isso em nome da moralidade pública. Um verdadeiro massacre, tal e qual ocorreu na Itália do nefasto Berlusconi. Ali o Judiciário foi humilhado, com todo o tipo de manobra, inclusive o desaforamento dos processos que corriam em Milão, para outras comarcas mais complacentes com os negócios de Berlusconi et caterva. A prescrição dos crimes de corrupção foi diminuída pela metade, as empresas corruptas puderam "regularizar" os seus balanços, sem revelar o montante de propinas que, durante décadas, pagaram aos políticos e partidos, e assim por diante.
Na Itália, legalizaram a corrupção por obra e graça do senhor Berlusconi e seus asseclas na Câmara e no Senado. No Brasil, inspirados no exemplo edificante daquele país, desejam os nossos políticos corruptos não só se eximir de sua responsabilidade criminal, mas também "reerguer" as empreiteiras corruptas, sob o pretexto de manutenção de empregos - tal como proclamava a ex-presidente Dilma - para, assim, dar continuidade ao festival eterno de corrupção nas obras públicas, sem cujo oxigênio não podem os políticos viver e muito menos sobreviver.

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

BALANÇO DA REPATRIAÇÃO



Por Agência Brasil
01/11/2016 às 13h55

A Receita Federal arrecadou R$ 50,9 bilhões em impostos e multas com a regularização de ativos do exterior, a chamada Lei da Repatriação. O balanço foi divulgado há pouco pelo secretário da Receita Federal, Jorge Rachid. O valor dos ativos regularizados chegou ao montante de R$ 169,940 bilhões, segundo o secretário. O prazo para pessoas físicas e empresas com recursos no exterior quitarem as pendências com o Fisco com desconto na multa terminou ontem 31.
O número de pessoas físicas que fizeram a declaração chegou a 25,011 mil e de pessoas jurídicas, a 103. “O programa foi bem sucedido. As equipes da Receita buscaram esclarecer dúvidas dos contribuintes em diversos seminários. A equipe de tecnologia apresentou uma solução que facilitou a adesão”, afirmou o secretário. Segundo ele, nos Estados Unidos, por exemplo, programa parecido arrecadou cerca de US$ 8 bilhões, em 2009, e o do Brasil chegou a mais de US$ 15 bilhões.
Quem participou poderá entregar a Declaração Anual de Ajuste (DAA) retificadora referente ao exercício de 2014 até 31 de dezembro. Instrução normativa dispensou as empresas de incluir, na declaração de adesão ao programa, o número do recibo da DAA.
Para a regularização de ativos superiores a US$ 100 mil, a Receita estendeu até 31 de dezembro, o prazo de resposta das instituições financeiras estrangeiras aos bancos brasileiros. No entanto, a data limite para o contribuinte apresentar o pedido de regularização tributária à instituição estrangeira foi mantida em 31 de outubro.
Os contribuintes sob suspeita só serão excluídos do programa depois de intimados ou caso o Fisco considere insuficientes os esclarecimentos prestados. Segundo a Receita, a medida tem como objetivo dar segurança a quem aderir à regularização de recursos.
O regime especial de regularização cambial e tributária (RERCT) foi aplicado aos residentes ou domiciliados no país em 31 de dezembro de 2014, que tenham sido ou ainda sejam proprietários ou titulares de ativos, bens ou direitos em períodos anteriores a 31 de dezembro de 2014, ainda que, nessa data, não possuam saldo de recursos ou título de propriedade de bens e direitos.
Quem não optou até ontem (31), poderá, se pessoa física, retificar a Declaração do Imposto de Renda da Pessoa Física (Dirpf) em relação ao ano-calendário de aquisição ou do ativo e efetuar o pagamento do imposto de renda com base de incidência do imposto de renda, acrescido de multa de mora e juros calculados pela taxa Selic.
No caso das pessoas jurídicas, é necessário registrar as receitas ou ativos nas respectivas contabilidade e retificar a escrituração contábil digital e escrituração fiscal digital transmitida no Sistema Público de Escrituração Digital (Sped), retificar Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCTF) e pagar os impostos devidos acrescidos também de multa e juros pela taxa Selic. Segundo Rachid, cerca de 49% do imposto arrecadado será repartido com estados e municipios.



O dia seguinte da Lei da Repatriação (Artigo)


Veículo: VALOR ECONÔMICO -SP
Autor(a): Plinio J. Marafon e Carolina Sayuri Nagai
Veiculação: 04/11/2016

Aqueles que aderiram ao programa de repatriação e os que não o fizeram estão apreensivos com as consequências fiscais que poderão advir após o término do prazo, em face das notícias que vêm sendo veiculadas sobre o tema.

Vamos começar por aqueles que sucumbiram às pressões de bancos e assessores e ingressaram na anistia.
O Fisco diz que vai rever as anistias para examinar se aplicaram a foto em detrimento do filme.
A proteção legal de que os valores anistiados não podem ser objeto de fiscalização das empresas é uma lenda urbana
É um tema que vai gerar um bom contencioso, porque os argumentos jurídicos dos contribuintes são muito fortes (e técnicos), enquanto que os do Fisco têm mais sustentação moral do que legal.
O problema se concentra na questão criminal.
Uma vez que o contribuinte se denunciou fica exposto à interpretação que o Ministério Público Federal, manifestamente contrário ao programa, vier a dar sobre as divergências: se foto em prejuízo do filme vai dar direito ao MPF desprezar a anistia e indiciar criminalmente o contribuinte, sob o pressuposto de que o requisito legal era a anistia tributaria correta?
Os criminalistas não estão uniformizados nessa controvérsia e vai ser uma questão a ser decidida pelo Judiciário, dada a falta de precedentes.
Mas o Fisco também alerta que todos que se anistiaram serão posteriormente fiscalizados, até para fazer valer as regras impostas como condição da adesão.
As grandes chances de serem examinados são daqueles que também são donos de empresas. A proteção legal de que os valores anistiados não podem ser objeto de fiscalização das empresas é uma lenda urbana.
Uma fiscalização pode iniciar um procedimento numa empresa de uma pessoa física que aderiu ao programa e quebrar-lhe o sigilo bancário, ou examinar as compras inidôneas, ou despesas indedutíveis, ou planejamentos tributários, sem mencionar a anistia em uma só linha.
Ora, a fiscalização não está vinculada a um motivo. É um dever legal. E também não pode deixar de fazê-la porque o proprietário da empresa se anistiou. Por isso, a pessoa física não poderá alegar que o Fisco usou indevidamente as informações na Dercat.
Haverá sempre um indício de que o valor anistiado veio de irregularidades fiscais das empresas dos anistiados, se eles não têm outras fontes de renda. E esse foi o risco que eles assumiram quando optaram pela anistia.
E os Estados e municípios já reivindicam acesso à lista dos anistiados para estender suas fiscalizações às suas empresas, doações e heranças anistiadas.
Além disso, as pessoas físicas deverão se habituar a tributar os rendimentos recebidos das aplicações efetuadas no exterior, mediante Darf´s apropriados, além de atualizar as DCBE´s a valores de mercado dos ativos declarados.
Em relação aos ativos declarados importa se preocupar com aspectos sucessórios, pois a legislação aplicável é aquela do país onde os bens estão situados, daí um testamento local não será eficaz para essa finalidade.
Quanto aos não anistiados, há que se considerar quando o país onde está o dinheiro vai entrar na troca de informações.
Há casos como do Canadá que, até onde constam as informações, só aderirá em 2020. Outros em 2019, ou 2018. O Panamá vai dar informações imprecisas, para se proteger.
Os bancos americanos por enquanto não informam saldo bancários de offshores.
Repetimos que mesmo aqueles que não aderiram devem buscar mecanismos legais alternativos de regularização, para não se exporem indefinidamente a questionamentos, ainda que os tributos estejam prescritos.
Alguns tributaristas viram na Lei da Anistia um novo fato gerador de IR, que pudesse sobreviver ao período posterior a 31 de outubro.
Essa interpretação é desprovida de base legal. O Código Tributário Nacional (CTN) prevê que a Lei da Anistia só abrange fatos pretéritos que não tenham sido praticados com dolo, fraude ou simulação. Não tem o condão de criar novas incidências, 31.12.14 só serviu como marco temporal para a anistia.
A rigor, a Lei da Anistia contrariou o CTN nesse ponto, pois permitiu que sonegadores se aproveitassem do pagamento menor de tributos.
Esse argumento, inclusive, se presta para obstar judicialmente a cobrança do filme em oposição à foto, e de pretensões do MP para quem anistiou menos, porque a lei não poderia ter anistiado atos praticados com fraude, dolo ou simulação tributárias (art. 180, I).
Por outro lado, o rito de fiscalização de omissão de depósitos bancários de pessoas físicas ou jurídicas continua regulado pela IN SRF nº 246/02.
O Fisco tem que apresentar os extratos diários dos últimos cinco anos e o contribuinte é intimado a justificar aqueles que não têm origem em seus rendimentos. Isso não foi revogado ou alterado, nem houve qualquer tentativo para tanto!
Alguns bancos já se recusaram a dar os saldos dos últimos cinco anos para a anistia, imagine para uma fiscalização de rotina!
E conforme informado pelos próprios bancos estrangeiros, contas correntes encerradas não são informadas e tampouco reveladas suas movimentações pretéritas.
É bom lembrar também que os lucros decorrentes de offshores de pessoas físicas não podem ser tributados no Brasil, porque o dispositivo que tentou incluir tal tributação na legislação (art. 89 da MP nº 627/13) não foi convertido em lei.
Dessa forma, não pode a pessoa física sofrer uma lavratura de auto de infração para cobrança desses valores.
Por fim, é preciso estar atento ao comportamento de todo o sistema (Receita Federal, Ministério Público, bancos, Bacen etc.), porquanto não há precedentes sobre tributação ou anistia do exterior.
Plinio J. Marafon e Carolina Sayuri Nagai são sócios de Marafon, Fragoso e Soares Advogados

domingo, 30 de outubro de 2016

"Lava jato na suíça" investiga 25 bancos

Veículo: O ESTADO DE S. PAULO - SP
Veiculação: 30/10/2016

Cooperação no país europeu leva ao bloqueio de mil contas; US$ 800 milhões já foram congelados

Sinônimo de estabilidade e de confiança, a praça financeira suíça tem passado por um verdadeiro terremoto desde a eclosão da Operação Lava Jato no Brasil. Se nos últimos anos os suíços se dedicaram a mostrar para o mundo que as contas secretas haviam acabado, o escândalo brasileiros reabre velhas feridas e mobiliza governo, procuradores, advogados e banqueiros. 
A dimensão do caso surpreende até mesmo experientes advogados especializados em anticorrupção na Suíça. Em pouco mais de um ano, as investigações no país acumularam números constrangedores. No processo se envolveram mais de cem advogados de uma dezena de escritórios de advocacia. Há mil contas bloqueadas em 42 instituições financeiras. Mais de 60 processos criminais estão em andamento na Suíça. Um total de US$ 800 milhões já foram congelados e 25 bancos foram alvo de investigações. Um deles já foi sancionado, o BSI, que chegou a ser controlado pelo Banco Pactual, instituição brasileira afetada pelo caso. 
Não há como negar que, mesmo distantes de campanhas eleitorais irregularmente financiadas ou de projetos na África, os bancos suíços funcionaram como plataforma de transferências de propinas entre os implicados na Lava Jato. Agora, a investigação procura saber até que ponto foram coniventes. 
Questionado pelo Estado sobre como a Suíça permitiu ser usada de forma tão ampla por suspeitos de corrupção no Brasil, o presidente da Suíça, Johann Schneider-Ammann, evitou uma resposta direta. "Nunca aceitamos e não aceitaremos dinheiro de corrupção na Suíça", disse. "Vivemos em um estado de direito e cumprimos as regras", insistiu. "Sabemos que existem problemas de corrupção e, no caso específico envolvendo a Suíça, oferecemos nossa preparação para corrigir esses processos", prometeu. 
Entre os banqueiros, o tom é diferente. Com os nomes de suas instituições no caso, adotaram a estratégia de mostrar que estão colaborando com a Justiça. Segundo os investigadores, foi o banco usado por Eduardo Cunha quem o denunciou.
 No começo, o caso pareceu  vulgar. Investigava-se um número limitado de ex-diretores da Petrobrás. Até junho de 2015, bancos haviam sido alertados pelo Ministério Público de que qualquer envolvimento com nomes como Eduardo Cunha,  Henrique Alves ou Nestor Cerveró teria de ser comunicado às autoridades. Mas, naquele mês, a prisão de Marcelo Odebrecht, no Brasil, abriu uma nova onda de denúncias internas. No dia seguinte à detenção, o Escritório de Comunicação sobre Lavagem de Dinheiro, uma agência dentro do país, recebeu 80 alertas de bancos denunciando transações em nome do suspeito ou de sua empresa. 
Diante da proporção do caso, os suíços ampliaram a equipe de investigadores. O escritório do procurador-geral, Michael Lauber, confirmou que atualmente só a força-tarefa criada na Suíça para investigar a corrupção no Brasil tem mais de uma dezena de pessoas. "O processo da Petrobrás é complexo", justificou. A força-tarefa inclui analistas forenses e de tecnologia da informação, especialistas em lavagem de dinheiro e  em corrupção internacional. É ainda reforçada pela Polícia Federal suíça, além do Escritório Federal de Justiça.
Ramificações. Em Berna, Stefan Lenz se ocupa das ramificações do caso com a Odebrecht. Uma disputa com a cúpula do MP sobre o acúmulo de serviço levou Lenz a pedir demissão a partir de janeiro. Já em Lausanne, o caso está com o procurador Luc Leimgruber. Ambos pediram para que outras jurisdições do caso, como Panamá, Holanda e Liechtenstein, colaborassem. Em pouco mais de um ano e meio, os dois congelaram dezenas de contas em bancos sagrados do sistema suíço, entre eles o J. Safra Sarasin, UBS, HSBC, Julius Baer, Pictet, Lombard Odier e Credit Suisse. Nesses bancos, reuniões de emergência se proliferaram na alta cúpula para avaliar como dar  uma resposta à nova crise de credibilidade internacional. 
Com o congelamento vieram milhares de páginas de extratos - e a constatação que teriam de transferir alguns casos para o Brasil. Esse foi, por exemplo, o caminho do processo criminal sobre Cunha. Os procuradores brasileiros receberam um caso praticamente pronto. "Tivemos apenas de traduzir", contou um procurador em Brasília. 
Patrick Odier, ex-presidente da Associação Suíça de Bancos e um dos executivos mais importantes do país, disse acreditar que parte do problema foi provocado pela ânsia das instituições financeiras em atrair fortunas. "Queremos ser líderes em gestão de fortunas e, às vezes, isso traz riscos", disse. O banco do executivo, o Lombard Odier, está entre os que abriram contas para ex-dirigentes da Petrobrás incriminados na Lava Jato, como Jorge Zelada e Pedro Barusco.
Complicação. Claude-Alain Mangelisch, presidente da Associação de Bancos Suíços, admitiu à reportagem que a Lava Jato revelou como operadores, fundos e trustes (instrumento de custódia de bens que Cunha admitiu usar) criaram uma rede "complicada" de transferências, justamente para dissimular os recursos e os seus beneficiários. Para ele, a Suíça e seus bancos têm a obrigação de "resolver da forma mais rápida possível" o caso, diante da repercussão negativa para o país. 
Até agora, porém, a Suíça lembra o Brasil de antes da Lava Jato: nenhum banqueiro suíço foi nem sequer indiciado. "Essa é a grande hipocrisia", disse Jean Ziegler, sociólogo e autor do livro A Suíça Lava mais Branco. "A impunidade em relação aos banqueiros é total."
Caso mobiliza bancas de advocacia
 As mais de dez bancas de advocacia envolvidas no caso brasileiro têm muito trabalho. Patrick Hunziker e Valentine Bagnoud, do escritório RVMH, são especialmente atuantes. Questionaram o fato de o processo estar nas mãos de um único juiz, Sérgio Moro. Reclamaram da celeridade no envio de dados ao Brasil. E lançaram dúvidas sobre os princípios legais brasileiros. / J.C