domingo, 20 de novembro de 2016

O Berlusconi aterrissou em Brasília


Veículo: O ESTADO DE S. PAULO - SP
Autor(a): MODESTO CARVALHOSA
Veiculação: 19/11/2016


A recente tradução para o português do célebre livro de Gianni Barbacetto, Peter Gomez e Marco Travaglio intitulado Mani Pulite - La Vera Storia, 2012 - tradução essa editada pela CDG Edições e Publicações, 887 páginas, sob o título Operação Mãos Limpas - suscitou uma grande excitação em Brasília, na aguerrida bancada Pro Corrupcione, que atua hegemonicamente no Congresso Nacional.
Aqueles autores italianos dedicam nada menos que 330 páginas a demonstrar, cronologicamente e em detalhes, as despudoradas manobras de toda espécie - incluindo mídia, leis, chantagens, desmoralização das instituições - empreendidas por Silvio Berlusconi, o vergonhoso primeiro-ministro da Itália em dois períodos entre 1997 e 2011, que levaram à total destruição dos benefícios da Operação Mãos Limpas, do iní- cio dos anos 2000. A Itália em 2012 ocupava a 69.ª posição entre os países mais corruptos do mundo, atrás de Gana.
Nada melhor, portanto, do que aprender com o execrável Berlusconi os métodos e os meios de destruir a Lava Jato.
Como toda a população brasileira sabe, o Congresso Nacional está dividido em dois blocos.
O primeiro, o grupo dos deputados que formam a combativa Frente Parlamentar Anticorrupção, presidida pelo deputado Antonio Carlos Mendes Thame e da qual participam os deputados Onyx Lorenzoni, Joaquim Passarinho e dezenas de outros abnegados. No lado oposto, o sinistro bloco Pro Corrupcione, liderado pelo presidente do Senado, pelo líder do governo no Congresso ("é preciso estancar a sangria") e pelo líder do governo na Câmara dos Deputados, tendo como braço seguro, no Poder Executivo, o ministro da Transparência.
A primeira lição haurida do arquicorrupto Berlusconi é a da necessidade de desmoralização do Poder Judiciário.
Entre nós, tomou essa empreitada o condestável da República, Renan Calheiros. Reuniu ele, para anunciar a missão destruidora da reputação institucional do Judiciário, nada menos que o presidente da República, o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), o futuro presidente do Congresso Nacional, etc.
E ali anunciou que vai revelar, para toda a população brasileira, os supersalários dos juízes, promotores públicos, desembargadores e ministros dos tribunais superiores.
Essa medida berlusconiana, segundo ele, desmobilizará o povo, que ficará desiludido com a Lava Jato. Estará, em consequência, aberta a porta para a pôr em pauta, em regime de urgência, o famigerado Projeto 360, de Abuso de Poder, que responsabiliza pessoalmente os juízes por suas sentenças, se nelas ousarem condenar os corruptos, ou então prendê-los, ou deles homologar qualquer delação. Nessa intimidação legalizada estará incluída também a Polícia Federal, que fica de mãos atadas na sua atividade investigatória, interrogatória, de condução e de custódia.
Ademais, o grupo de trabalho Pro Corrupcione atribuiu ao lídimo líder do governo na Câmara, o deputado André Moura, mais conhecido como André Cunha Moura, por ser o principal esteio do antigo presidente daquela Casa, a missão de pôr em regime de urgência um substitutivo ao Projeto n.º 3.636, de 2015, que altera a Lei Anticorrupção.
Esse sórdido substitutivo institui, a favor das empreiteiras corruptas, acordos de leniência de fachada - os famosos sham programs -, conhecidos da literatura criminal e antitruste no mundo todo. Esse sham compliance é descrito em minúcias no Guia de Programas de Compliance do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), item 3.1.2.
E mais. Por meio dessa encenação de compliance de fachada, não apenas as empreiteiras corruptas poderão voltar a contratar com o poder público federal, estadual e municipal como também os seus controladores, diretores e funcionários terão seus processos e condenações promovidos pela Lava Jato automaticamente extintos.
Para que se "aperfeiçoe" melhor esse simulacro de acordo com as empreiteiras corruptas estarão afastados da sua celebração o Ministério Público e o Tribunal de Contas, a quem cabe declarar a inidoneidade dessas empresas por irregularidade nos contratos de obras.
Essa missão do grupo Pro Corrupcione, visando a extinguir todos os efeitos dos processos levados avante pela Lava Jato, conta com a decidida contribuição do Ministério da Transparência, onde serão "celebrados" os acordos de compliance de fachada. O líder do governo André Moura declarou que tem o apoio do titular daquele ministério.
Questionado pela imprensa, o ministro Torquato Jardim respondeu que a única providência que deve ser tomada é - pasmem - mudar a denominação "acordo de leniência" por um nome mais elegante, mais fino, menos chocante para as empreiteiras hipocritamente arrependidas e que agora voltam ao convívio do governo, com leis que garantem, para sempre, a corrupção.
Tudo isso em nome da moralidade pública. Um verdadeiro massacre, tal e qual ocorreu na Itália do nefasto Berlusconi. Ali o Judiciário foi humilhado, com todo o tipo de manobra, inclusive o desaforamento dos processos que corriam em Milão, para outras comarcas mais complacentes com os negócios de Berlusconi et caterva. A prescrição dos crimes de corrupção foi diminuída pela metade, as empresas corruptas puderam "regularizar" os seus balanços, sem revelar o montante de propinas que, durante décadas, pagaram aos políticos e partidos, e assim por diante.
Na Itália, legalizaram a corrupção por obra e graça do senhor Berlusconi e seus asseclas na Câmara e no Senado. No Brasil, inspirados no exemplo edificante daquele país, desejam os nossos políticos corruptos não só se eximir de sua responsabilidade criminal, mas também "reerguer" as empreiteiras corruptas, sob o pretexto de manutenção de empregos - tal como proclamava a ex-presidente Dilma - para, assim, dar continuidade ao festival eterno de corrupção nas obras públicas, sem cujo oxigênio não podem os políticos viver e muito menos sobreviver.

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

BALANÇO DA REPATRIAÇÃO



Por Agência Brasil
01/11/2016 às 13h55

A Receita Federal arrecadou R$ 50,9 bilhões em impostos e multas com a regularização de ativos do exterior, a chamada Lei da Repatriação. O balanço foi divulgado há pouco pelo secretário da Receita Federal, Jorge Rachid. O valor dos ativos regularizados chegou ao montante de R$ 169,940 bilhões, segundo o secretário. O prazo para pessoas físicas e empresas com recursos no exterior quitarem as pendências com o Fisco com desconto na multa terminou ontem 31.
O número de pessoas físicas que fizeram a declaração chegou a 25,011 mil e de pessoas jurídicas, a 103. “O programa foi bem sucedido. As equipes da Receita buscaram esclarecer dúvidas dos contribuintes em diversos seminários. A equipe de tecnologia apresentou uma solução que facilitou a adesão”, afirmou o secretário. Segundo ele, nos Estados Unidos, por exemplo, programa parecido arrecadou cerca de US$ 8 bilhões, em 2009, e o do Brasil chegou a mais de US$ 15 bilhões.
Quem participou poderá entregar a Declaração Anual de Ajuste (DAA) retificadora referente ao exercício de 2014 até 31 de dezembro. Instrução normativa dispensou as empresas de incluir, na declaração de adesão ao programa, o número do recibo da DAA.
Para a regularização de ativos superiores a US$ 100 mil, a Receita estendeu até 31 de dezembro, o prazo de resposta das instituições financeiras estrangeiras aos bancos brasileiros. No entanto, a data limite para o contribuinte apresentar o pedido de regularização tributária à instituição estrangeira foi mantida em 31 de outubro.
Os contribuintes sob suspeita só serão excluídos do programa depois de intimados ou caso o Fisco considere insuficientes os esclarecimentos prestados. Segundo a Receita, a medida tem como objetivo dar segurança a quem aderir à regularização de recursos.
O regime especial de regularização cambial e tributária (RERCT) foi aplicado aos residentes ou domiciliados no país em 31 de dezembro de 2014, que tenham sido ou ainda sejam proprietários ou titulares de ativos, bens ou direitos em períodos anteriores a 31 de dezembro de 2014, ainda que, nessa data, não possuam saldo de recursos ou título de propriedade de bens e direitos.
Quem não optou até ontem (31), poderá, se pessoa física, retificar a Declaração do Imposto de Renda da Pessoa Física (Dirpf) em relação ao ano-calendário de aquisição ou do ativo e efetuar o pagamento do imposto de renda com base de incidência do imposto de renda, acrescido de multa de mora e juros calculados pela taxa Selic.
No caso das pessoas jurídicas, é necessário registrar as receitas ou ativos nas respectivas contabilidade e retificar a escrituração contábil digital e escrituração fiscal digital transmitida no Sistema Público de Escrituração Digital (Sped), retificar Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCTF) e pagar os impostos devidos acrescidos também de multa e juros pela taxa Selic. Segundo Rachid, cerca de 49% do imposto arrecadado será repartido com estados e municipios.



O dia seguinte da Lei da Repatriação (Artigo)


Veículo: VALOR ECONÔMICO -SP
Autor(a): Plinio J. Marafon e Carolina Sayuri Nagai
Veiculação: 04/11/2016

Aqueles que aderiram ao programa de repatriação e os que não o fizeram estão apreensivos com as consequências fiscais que poderão advir após o término do prazo, em face das notícias que vêm sendo veiculadas sobre o tema.

Vamos começar por aqueles que sucumbiram às pressões de bancos e assessores e ingressaram na anistia.
O Fisco diz que vai rever as anistias para examinar se aplicaram a foto em detrimento do filme.
A proteção legal de que os valores anistiados não podem ser objeto de fiscalização das empresas é uma lenda urbana
É um tema que vai gerar um bom contencioso, porque os argumentos jurídicos dos contribuintes são muito fortes (e técnicos), enquanto que os do Fisco têm mais sustentação moral do que legal.
O problema se concentra na questão criminal.
Uma vez que o contribuinte se denunciou fica exposto à interpretação que o Ministério Público Federal, manifestamente contrário ao programa, vier a dar sobre as divergências: se foto em prejuízo do filme vai dar direito ao MPF desprezar a anistia e indiciar criminalmente o contribuinte, sob o pressuposto de que o requisito legal era a anistia tributaria correta?
Os criminalistas não estão uniformizados nessa controvérsia e vai ser uma questão a ser decidida pelo Judiciário, dada a falta de precedentes.
Mas o Fisco também alerta que todos que se anistiaram serão posteriormente fiscalizados, até para fazer valer as regras impostas como condição da adesão.
As grandes chances de serem examinados são daqueles que também são donos de empresas. A proteção legal de que os valores anistiados não podem ser objeto de fiscalização das empresas é uma lenda urbana.
Uma fiscalização pode iniciar um procedimento numa empresa de uma pessoa física que aderiu ao programa e quebrar-lhe o sigilo bancário, ou examinar as compras inidôneas, ou despesas indedutíveis, ou planejamentos tributários, sem mencionar a anistia em uma só linha.
Ora, a fiscalização não está vinculada a um motivo. É um dever legal. E também não pode deixar de fazê-la porque o proprietário da empresa se anistiou. Por isso, a pessoa física não poderá alegar que o Fisco usou indevidamente as informações na Dercat.
Haverá sempre um indício de que o valor anistiado veio de irregularidades fiscais das empresas dos anistiados, se eles não têm outras fontes de renda. E esse foi o risco que eles assumiram quando optaram pela anistia.
E os Estados e municípios já reivindicam acesso à lista dos anistiados para estender suas fiscalizações às suas empresas, doações e heranças anistiadas.
Além disso, as pessoas físicas deverão se habituar a tributar os rendimentos recebidos das aplicações efetuadas no exterior, mediante Darf´s apropriados, além de atualizar as DCBE´s a valores de mercado dos ativos declarados.
Em relação aos ativos declarados importa se preocupar com aspectos sucessórios, pois a legislação aplicável é aquela do país onde os bens estão situados, daí um testamento local não será eficaz para essa finalidade.
Quanto aos não anistiados, há que se considerar quando o país onde está o dinheiro vai entrar na troca de informações.
Há casos como do Canadá que, até onde constam as informações, só aderirá em 2020. Outros em 2019, ou 2018. O Panamá vai dar informações imprecisas, para se proteger.
Os bancos americanos por enquanto não informam saldo bancários de offshores.
Repetimos que mesmo aqueles que não aderiram devem buscar mecanismos legais alternativos de regularização, para não se exporem indefinidamente a questionamentos, ainda que os tributos estejam prescritos.
Alguns tributaristas viram na Lei da Anistia um novo fato gerador de IR, que pudesse sobreviver ao período posterior a 31 de outubro.
Essa interpretação é desprovida de base legal. O Código Tributário Nacional (CTN) prevê que a Lei da Anistia só abrange fatos pretéritos que não tenham sido praticados com dolo, fraude ou simulação. Não tem o condão de criar novas incidências, 31.12.14 só serviu como marco temporal para a anistia.
A rigor, a Lei da Anistia contrariou o CTN nesse ponto, pois permitiu que sonegadores se aproveitassem do pagamento menor de tributos.
Esse argumento, inclusive, se presta para obstar judicialmente a cobrança do filme em oposição à foto, e de pretensões do MP para quem anistiou menos, porque a lei não poderia ter anistiado atos praticados com fraude, dolo ou simulação tributárias (art. 180, I).
Por outro lado, o rito de fiscalização de omissão de depósitos bancários de pessoas físicas ou jurídicas continua regulado pela IN SRF nº 246/02.
O Fisco tem que apresentar os extratos diários dos últimos cinco anos e o contribuinte é intimado a justificar aqueles que não têm origem em seus rendimentos. Isso não foi revogado ou alterado, nem houve qualquer tentativo para tanto!
Alguns bancos já se recusaram a dar os saldos dos últimos cinco anos para a anistia, imagine para uma fiscalização de rotina!
E conforme informado pelos próprios bancos estrangeiros, contas correntes encerradas não são informadas e tampouco reveladas suas movimentações pretéritas.
É bom lembrar também que os lucros decorrentes de offshores de pessoas físicas não podem ser tributados no Brasil, porque o dispositivo que tentou incluir tal tributação na legislação (art. 89 da MP nº 627/13) não foi convertido em lei.
Dessa forma, não pode a pessoa física sofrer uma lavratura de auto de infração para cobrança desses valores.
Por fim, é preciso estar atento ao comportamento de todo o sistema (Receita Federal, Ministério Público, bancos, Bacen etc.), porquanto não há precedentes sobre tributação ou anistia do exterior.
Plinio J. Marafon e Carolina Sayuri Nagai são sócios de Marafon, Fragoso e Soares Advogados