quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

O pontífice contra o pecado da lavagem

Diário de Pernambuco
Edição de quinta-feira, 30 de dezembro de 2010
Vaticano edita normas para combater o crime e dar transparência às movimentações econômicas da igreja

Vaticano - O papa Bento XVI promulgou ontem as normas contra a lavagem de dinheiro, passo decisivo do Vaticano em direção à transparência de suas transações econômicas, objeto de graves acusações e suspeitas por décadas. O decreto papal ou motu proprio para a luta contra a lavagem de dinheiro entrará em vigor hoje, anunciou o Vaticano. A medida tem por objetivo ´prevenir e lutar contra a lavagem de capitais provenientes de atividades criminosas e para o financiamento de terrorismo`, destacou a igreja em um comunicado.

A aplicação das novas leis e a criação de uma ´Autoridade para a Informação Financeira` permitem que o Vaticano entre na lista de Estados que respeitam as normas para a luta contra a lavagem de dinheiro da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento (OCDE) e o Grupo de Ação Financeira (GAFI). Segundo a agência de notícias religiosas i.Media, com essa medida o Vaticano começa a formar parte da lista de países que respeitam as normas contra a lavagem de dinheiro.

O decreto contém uma série de disposições para o respeito dos acordos assinados em 2009 entre o Vaticano e a União Europeia e contempla todas as atividades econômicas da Santa Sé, inclusive os Museus Vaticanos e a entidade que administra seu enorme patrimônio imobiliário de Roma. ´Trata-se de um fato histórico`, sustenta o jornal La Stampa, que antecipou a notícia. As novas medidas preenchem uma lacuna na legislação do Vaticano e enviam um sinal importante de rigor, após os escândalos que estouraram nos anos 1980 pela gestão de suas finanças e suas controversas relações com banqueiros próximos à máfia siciliana.

A quebra, em 1982, do outrora maior banco da Itália, o Banco Ambrosiano (do qual o Vaticano era um acionista importante) dirigido por Roberto Calvi, encontrado misteriosamente morto sob uma ponte em Londres, e suas conexões com o ´banqueiro de Deus`, monsenhor Paul Marcinkus, foi um dos maiores casos político-financeiros do pós-guerra.

Daniel Dantas // Legislação dos EUA complica banqueiro

Diário de Pernambuco
Edição de quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

A Justiça dos Estados Unidos está autorizada, desde 22 de dezembro passado, a bloquear os bens mantidos no território norte-americano por suspeitos de atividades criminosas em outros países. A sanção da nova Lei de Bloqueio de Bens Criminais Arrestados foi comemorada pela Secretaria Nacional de Justiça, no Brasil, como o instrumento legal para congelar cerca de US$ 500 milhões em patrimônio do grupo Opportunity, do banqueiro Daniel Dantas, nos EUA.

Ainda não há clareza, entretanto, sobre a permanência desse volume de recursos de Dantas no país. Em agosto passado, a Corte de Apelação do Distrito de Columbia havia suspendido um bloqueio mantido por cerca de um ano nas contas de Dantas e de sua irmã, Verônica, em instituições norte-americanas. A decisão foi tomada porque a Justiça brasileira não havia concluído o julgamento do caso. Naquela ocasião, as cortes dos EUA não dispunham de base legal para bloquear bens relacionados a casos ainda em andamento na Justiça de outro país.

A lacuna foi preenchida pela Lei de Bloqueio de Bens Criminosos Arrestados, projeto dos senadores Sheldon Whitehouse (democrata) e John Cornyn (republicano). Com apenas um único capítulo, a lei autoriza as cortes norte-americanas a bloquear bens sujeitos a arresto por processos civis ou criminais movidos em outros países. A medida pode ser adotada antes ou depois do julgamento do caso pela Justiça estrangeira. De acordo com a assessoria de Whitehouse, bastará o pedido formal das autoridades judiciais de outro país para as cortes americanas bloquearem esses bens.

Segundo a assessoria de Whitehouse, o projeto de lei foi sugerido pelo Departamento de Justiça dos EUA. O texto daria maior poder ao organismo de impedir a movimentação de recursos de procedência duvidosa - especialmente fraudes financeiras, corrupção, lavagem de dinheiro, tráfico de drogas e de armas - em instituições financeiras do país. A aprovação do texto se deu por unanimidade no último 2 de dezembro, no Senado - duas semanas depois na Câmara dos Deputados.

domingo, 26 de dezembro de 2010

“IMF get out”: a versão europeia de um antigo drama brasileiro

ANDREI NETTO, de O Estadão
25 nov 2010

Na Irlanda, pesquisas de opinião e analistas políticos indicam que a maior parte da opinião pública não é contra o pacote de ajuda de € 85 bilhões, oferecido pela União Europeia e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) como vacina contra a bancarrota. Ainda assim, entre militantes de uma minoria nacionalista, que se diz “humilhada” e atingida em sua soberania, ecoa uma frase: “IMF get out”, a versão em inglês de um mantra bem conhecido dos brasileiros, o “Fora FMI”.
Entre janeiro e fevereiro, Atenas foi palco de greves, passeatas e confrontos violentos – inclusive com mortes. Entre setembro e outubro, Paris, Lyon e suas periferias incendiárias também assistiram a protestos e conflitos entre a polícia e manifestantes. Mas o 24 de novembro de 2010 talvez venha a marcar, no futuro, o início de uma insatisfação generalizada dos europeus contra as políticas de austeridade contra a crise das dívidas públicas.
Ontem, manifestações simultâneas e independentes deixaram quatro países em estado febril: na Irlanda, Grã-Bretanha, Itália e Portugal trabalhadores e estudantes foram às ruas contra as medidas de rigor adotadas pelos governos europeus – liberais e socialistas, diga-se. Até então, o fenômeno da insatisfação pública era menosprezado e atribuído aos gregos, “corruptos demais”, ou aos franceses, “mimados demais”. Agora, é cada vez mais difícil explicar por que os protestos tomam as ruas em países ordeiros e avessos a movimentos sociais, como a Inglaterra.
Há na Europa um temor crescente de que as medidas de socorro, como o Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FESF), inventado pelos líderes políticos em Bruxelas para auxiliar a Grécia em maio, não sejam suficientes para aplacar o risco de falência de países periféricos, como Irlanda e Portugal, ou nada periféricos, como Espanha e Itália. Afinal, nem a rica e estável Europa pode seguir pagando empréstimos de € 110 bilhões ou € 85 bilhões para socorrer cada país da zona euro.
No mercado financeiro, assim como nas universidades, especialistas em macroeconomia se perguntam qual é a solução para a crise das dívidas. Muito se fala na implosão do euro e no renascimento das moedas nacionais, como o marco, o franco ou a lira. Mas essa alternativa, sustentam economistas como Daniel Cohen, especialista em reestruturação de dívidas e acadêmico da Escola de Economia de Paris, não é realista, porque ninguém na Europa está disposto a arriscar a desintegração da UE, um projeto político maior do que tudo: o de garantir a paz. Cohen e outros entendem que os planos de austeridade pecam em um ponto: implodem o que resta do Estado de bem-estar social no momento em que o desemprego explode, o que só tende a aprofundar o fosso da recessão. Sem crescimento, não há equilíbrio fiscal, afirmam esses especialistas.
Para eles, a União Europeia só tem uma alternativa: coordenar suas políticas macroeconômicas e alinhar estratégias fiscais. Em síntese: integrar-se cada vez mais. O entrave está nos palácios, onde governos como o de Angela Merkel, Nicolas Sarkozy e David Cameron voltaram-se aos problemas internos sem entender o recado da crise: ou os países da Europa aceitam sua interdependência, ou serão cada vez mais dependentes do FMI.