terça-feira, 30 de junho de 2009

Um admirável mundo "novo"

(trechos da matéria "O neoliberalismo acabou?", Le Monde Diplomatique Brasil, junho/2009, por Silvio Caccia Bava)

"É verdade que está instalada uma grande confusão. Quando o Estado se torna acionista de grandes conglomerados financeiros e industriais, em alguns casos assumindo o controle e a direção; quando uma imensa quantidade de recursos públicos é entregue ao grande capital; tudo ao contrário do que prega o neoliberalismo, pode-se pensar que algo mudou. (...)

Não há dúvida de que esta é uma crise de proporções inéditas. Um verdadeiro abalo na lógica de mercado. Mas o poder não mudou de mãos. Seria por demais ingênuo acreditar que o neoliberalismo deixou de ser a referência para os governos dos países ricos. Os gestores atuais da crise são os promotores do neoliberalismo. E já começam a esboçar uma nova proposta para substituir esta doutrina e legitimar novas formas de dominação capitalista: a social-democracia global. (...)

O economista Samir Amin alerta para o fato de que os pacotes de resgate do sistema financeiro foram concebidos no FMI, em articulação com o G8, e foram as corporações financeiras que pediram aos governos para nacionalizá-las [na verdade, os governos compraram ações preferenciais, e não ordinárias, o que faz uma enorme diferença]. As medidas para salvar essas instituições foram concebidas por elas mesmas, que controlam a maior parte dos recursos públicos destinados a socorrê-las. (...) A crise está gerando, portanto, uma concentração ainda maior de poder e riqueza. Basta ver as recentes aquisições do Bank of America (Merril Lynch, Countrywide Financial Corporation) ou da Fiat (Chrysler, Opel). (...)

Hoje, depois de algum alvoroço que pretendia atribuir a crise à falta de regulamentação e supostos excessos, tudo continua como antes. Nem mesmo nos paraísos fiscais se tocou".



Essa matéria nunca sairá nas páginas de uma Veja/Época (Time/Warner). No auge da crise, "escapou" que não menos do que cerca de 60% da população economicamente ativa da Inglaterra trabalha no sistema financeiro. A Rainha de lá tem sob seus domínios mais de 80% dos paraísos fiscais do planeta. Até o final da Idade Média, os ingleses foram os mais notórios piratas, de mercadorias. Nos tempos "modernos", eles continuam com a mesma vocação, só que agora atuam no "ramo" da pirataria financeira. E pouca coisa vai mudar. A única mudança possível no cenário pós-crise será a inclusão dos BRICs, provavelmente por adesão incondicional.



Portanto, a se dar algum crédito à crítica do jornal francês, não virá "mais regulamentação" nem "mais fiscalização". Pelo contrário, continuaremos na mesma toada. Daqui a pouco, retornará o discurso do Estado mínimo e etc e tal.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Madoff é condenado a 150 anos de prisão por maior fraude da história

29/06/2009 - 12h50


da Folha Online

O financista americano Bernard Madoff foi condenado nesta segunda-feira a 150 anos de prisão pela fraude de US$ 65 bilhões através de uma pirâmide financeira.

A pirâmide de Madoff, 71, é considerada a maior fraude financeira da história, superando a quebra fraudulenta da empresa americana de energia Enron, em 2001 --ela declarou falência após reconhecer que havia contabilizado centenas de créditos como operações de compra e venda, com prejuízo de US$ 63,4 bilhões.

A punição era a maior possível para os 11 crimes praticados na montagem e manutenção da pirâmide e foi determinada pelo juiz federal Denny Chin, da Corte Federal de Manhattan, em Nova York.

Os advogados de defesa de Madoff tinham pedido uma condenação por 12 anos --ele não poderia ser absolvido porque era réu confesso. Já os promotores foram atendidos no pedido de pena máxima.

Após a sentença ser anunciada por Chin, aplausos irromperam na sala de audiências onde ocorreu o julgamento.

Preso em dezembro do ano passado após a descoberta do esquema fraudulento de US$ 65 bilhões, Madoff, ex-diretor da Bolsa Nasdaq, assumiu sua culpa. Sobre ele pesam 11 acusações, entre elas lavagem de dinheiro, perjúrio e fraude, cujas penas somadas davam os 150 anos a que foi condenado.

Por esse esquema que levantou --conhecido como pirâmide financeira ou Ponzi--, Madoff prometia retornos altos e fixos aos investidores, porém esse dinheiro não vinha do rendimento das aplicações, mas da entrada de novos clientes.

sábado, 27 de junho de 2009

Chamada à razão

Correio Braziliense - Coluna Brasil S/A - Chamada à razão - 25-6-2009


Realismo do Banco Mundial expõe a febre financeira ainda ativa no mundo ao chocar os mercados

Por Antonio Machado
cidadesbiz.df.@diariosassociados.com.br


Os senhores do universo financeiro comeram bola ao bancar como permanente o crescimento da era de ouro encerrada com a ruidosa ruína do Banco Lehman Brothers em setembro, mas que já definhava desde meados de 2007, quando começaram a murchar as muitas bolhas de especulação nos EUA, começando pela de hipotecas e imóveis.

Eles acabam de comer outra bola, pois estavam dando como superada a grande crise ao antecipar até o nível do último pico de alta das bolsas o valor presente dos sinais de arrefecimento da recessão. O Banco Mundial acordou-os para a realidade ao ampliar o pessimismo sobre a economia global. De previsão de queda de 1,7%, a projeção piorou para retração de 2,9%. Agora, mostram-se tão surpresos como quando o Tesouro dos EUA entregou o Lehman Brothers aos leões.

Os mercados desabaram em todo mundo, do pregão de ações da Bolsa de Nova York ao mercado futuro de petróleo. Aqui, a Bovespa caiu abaixo dos 50 mil pontos, e isso quando já se previa escalada até 60 mil no fim do ano, depois de ter passado pelo recorde pós-crise de 54.486 pontos em 1º de junho. O dólar foi a mais de R$ 2, pela primeira vez desde 28 de maio, implicando ambos os movimentos, do câmbio e bolsa, a queda de 13% das ações em dólares desde o pico.

O que esperava quem surfava esta nova onda? Que fosse sustentada, mesmo com o governo de Barack Obama equilibrando-se em fio de aço para manter a confiança no dólar, a economia da Europa e Japão em parafuso, a China tentando reinventar-se para escapar da armadilha da dependência do mercado americano e da solvência dos EUA?

Antes de cair a ficha, o economista Paul Samuelson, Nobel de 1970, escreveu um artigo alertando para o perigo do otimismo exagerado. Do altar de sua experiência, preveniu que a recuperação continua assentada na emissão de papéis pelos EUA para serem comprados pela China, enquanto os chineses começam a mostrar irritação com a cor verde do dólar e ambos, além da economia global, estão em apuros.

E os mercados? Por pressuposto, antecipam os lucros empresariais já realizados e ainda não distribuídos. Mas, como antes, voltaram a antecipar a projeção de lucros a realizar depois que a recessão terminasse. É a terceira derivada de algo ainda hipotético. Por coisas assim é que a banca nos EUA e em quase toda a Europa foi à lona, levando a economia real no abraço de afogado.

O conselho do sábio
As explicações para a complexidade dos fatores que criaram esta crise monumental, comparável à depressão da década de 30 do século passado, podem ser simples. Complicado é fazer os EUA pegarem no tranco, aliviando a economia global para sair da pasmaceira.

O americano Samuelson, keynesiano até antes que o inglês Keynes ficasse famoso pelos seus estudos sobre como reerguer o mundo da depressão dos anos 30, ensina com a sabedoria de seus 94 anos. “Aos poucos, os americanos vão aprender que têm de poupar mais, e os chineses, a gastar mais. “Até lá”, aconselha Samuelson, “é melhor (manter) o otimismo cauteloso”.

Especulação em tudo
O quadro desenhado por Samuelson, semelhante ao pintado por gente também premiada como os colegas mais novos Paul Krugman e Joseph Stiglitz, pressupõe um ajuste de vários anos e muitas tentativas e erros. É parecido com o que se passou no Brasil após o crescimento acelerado do governo militar, que exauriu as finanças nacionais.

A rigor, superou-se o período de ajustes só do governo Lula para frente. E, ainda assim, graças à alta dos preços das commodities e matérias-primas, movidos pelo capital financeiro criado por dívida aplicada em estoques especulativos em papel, e até a demanda real, como as importações da China, se financiava nessa ciranda, já que resultado do endividamento do consumidor americano.

Otimismo de ocasião
A quebra dessa corrente é a base do ceticismo do novo cenário do Banco Mundial. Já o otimismo de ocasião dos mercados financeiros e das bolsas de valores revela que a velha cultura continua guiando as decisões sobre o hot money nas casas bancárias. Não será fácil a travessia nos EUA de uma economia fortemente amparada no consumo financiado por dívida para outra com maior poupança e orientada ao investimento. O caminho é esse, como dizem economistas laureados, apesar da contradição de o governo Obama tentar cortar caminho via mais dívida injetada na economia com dinheiro fiscal por meio dos bancos. O Brasil deve guardar prudente distância dessa confusão.

Solução à brasileira
Mais gastos fiscais, como fazem os EUA, Europa, é como a morfina: para a dor, mas não cura. Lá a economia parou de sangrar, embora a renda e o emprego sigam se esvaindo. O tratamento é superdolorido, se convencional. Menos traumática é a variante brasileira. Contra males assemelhados, entre os anos 80 e 90, aplicou-se o modelo do “esqueleto”, que ninguém assumiu como solução, mas que funcionou.

Parte dos passivos ilíquidos foi lançada na dívida pública, mas sem virar papel, e a cada ano um naco é pago com receita fiscal. O FMI rosnou, mas aceitou na ocasião. Pode servir aos EUA. Problema é que os economistas de lá não têm cintura mole como os daqui.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Quinta-Feira, 18 de Junho de 2009

Obama anuncia reforma financeira ''radical''

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, anunciou ontem a mais ampla revisão de regras para o mercado financeiro americano desde os anos 1930. No centro do plano está o Federal Reserve (Fed, banco central americano), que terá "superpoderes" para supervisionar as maiores instituições financeiras e intervir caso sejam identificados riscos sistêmicos. E o plano prevê ainda a criação de uma agência para proteger o consumidor de produtos financeiros.


"Meu governo propõe hoje uma reforma radical na regulação do sistema financeiro, uma transformação numa escala que não era vista desde as reformas subsequentes à Grande Depressão", afirmou Obama, em discurso na Casa Branca.

Para o governo americano, as décadas de "erros e oportunidades perdidas" e a falta de um marco regulatório apropriado foram os grandes vilões da atual recessão. Segundo Obama, o sistema financeiro foi construído sobre "areia movediça". E o apetite pelo risco desenfreado levou as entidades de crédito "a diminuir seus padrões para atrair novos mutuários". E, quando os mercados começaram a desmoronar, a falha não foi dos indivíduos, "foi uma falha de todo o sistema". "Chegou a hora de mudar isso", acrescentou.

Mas Obama garantiu que as novas regras não tirarão o incentivo à inovação. "As reformas vão permitir que nossos mercados impulsionem a inovação e desencorajem abusos." E garantiu que o sistema não será engessado. O objetivo é estabelecer um "cuidadoso equilíbrio". "O livre mercado foi e continuará a ser o motor do progresso americano." Mesmo porque, segundo Obama, o setor privado é mais eficaz para criar empregos do que o público.

Para o presidente americano, o plano não só procura fazer com que os reguladores se preocupem com a solidez das instituições, mas também, "pela primeira vez, com a estabilidade do sistema em seu conjunto".

ALICERCES SÓLIDOS

Obama afirma que seu governo se propôs a criar alicerces mais sólidos baseados no uso de energias renováveis, na melhora da educação e numa reforma do sistema de saúde que dê cobertura médica universal. "Esses novos alicerces também exigem mercados financeiros robustos, vibrantes, que operem de forma transparente e justa para proteger os consumidores e a economia da decomposição dos anos recentes."

Nesse contexto, o Fed terá "novas competências e responsabilidades para regular as companhias bancárias e outras grandes firmas que, se fracassarem, põem em risco toda uma economia". Obama propôs ainda "uma nova e poderosa agência com um único trabalho: o de proteger os consumidores". "Essa nova agência terá o poder de fixar padrões de modo que as companhias concorram ao oferecer produtos inovadores que os consumidores de fato queiram e entendam".

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Fraudes de Madoff jamais teriam prosperado no Brasil, diz 'FT'

quarta-feira, 17 de junho de 2009, 06:33 - Estadão


Segundo jornal, regulamentação restritiva do sistema financeiro trouxe vantagens ao Brasil.


O fraudulento esquema montado pelo banqueiro americano Bernard Madoff jamais teria ocorrido no Brasil por causa das regulamentações restritivas no sistema financeiro no país, segundo a edição desta quarta-feira do diário britânico Financial Times,

O jornal diz a que as operações de Madoff - que admitiu culpa por fraudes no valor de US$ 50 bilhões - "não decolariam", porque as autoridades mantêm um sistema regulador que prevê que os investidores prestem contas de todos os investimentos de seus clientes.

O Financial Times cita as regulamentações restritivas no sistema financeiro e o ritmo lento de mudanças do Brasil para explicar como o país conseguiu evitar o pior da crise, e aponta os dois fatores como exemplos a serem seguidos por outros países.

Mas o jornal afirma que nem todos os aspectos positivos desta regulamentação foram intencionais. "Alguns são resultado da demora em modernizar nos anos anteriores à crise. Mas muitos agora são vistos como lições a se oferecer".

De acordo com o diretor de regulamentação do Banco Central, Alexandre Tombini, citado pelo FT, "o Brasil passou por vários períodos de severa volatilidade nas últimas décadas, mas se tornou mais estável desde que a inflação foi conquistada, nos anos 90".

Tombino, afirma o diário, é um dos representantes brasileiros nas reuniões do Fórum de Estabilidade Financeira e do Banco de Compensações Internacionais, na Basiléia, que discutem regulamentação e supervisão do sistema financeiro.

Segundo Tombini, o Banco Central está acostumado a lidar com ambientes difíceis e todas as decisões sobre regulamentação tomadas desde meados dos anos 90 têm sido mais cautelosas.

O FT cita como exemplo a exigência de uma proporção de capital em relação aos ativos de pelo menos 11% no Brasil - sendo que a na maioria dos países, segundo o jornal, a proporação é de 8%.

O diário ainda cita o depósito compulsório - que obriga os bancos privados a depositar parte de seus depósitos no Banco Central.

"Muitos países acabaram com esta exigência, mas no Brasil eles correspondem a 30% de todos os depósitos - um nível extraordinariamente alto."

Segundo o FT, esta quantia é questionável e explica porque o custo de empréstimos é tão alto no Brasil, "mas quando a crise financeira estourou no ano passado, o Banco Central do Brasil conseguiu liberar US$ 100 bilhões da noite para o dia, para garantir fundos suficientes para os bancos". BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

domingo, 7 de junho de 2009

BC aperta cerco contra banco estrangeiro

FSP
5/6/2009 14:03:51


Após PF ver indícios de irregularidade, técnicos elevam fiscalização em instituições que mantêm escritórios de representação no país

Segundo policiais, é comum escritórios serem usados para captarem clientes no Brasil e, ilegalmente, abrirem contas não declaradas no exterior

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
DA REPORTAGEM LOCAL

Após indícios de irregularidades descobertas pela Polícia Federal, os técnicos do Banco Central passaram a fazer uma fiscalização mais detalhada nos bancos estrangeiros que mantêm escritórios de representação no Brasil.
As suspeitas seriam maiores em relação a bancos que, mesmo tendo filiais no país, mantinham paralelamente esse tipo de escritório, que, por não ser classificado formalmente como instituição financeira, não costumava ser supervisionado com muita atenção pelo Banco Central.
O aumento da fiscalização teria provocado uma reação espontânea de alguns bancos, que fecharam seus escritórios de representação no país.
Há uma resolução do BC (nº 2.592, de 1999) que veda a "prática de operações privativas" dessas instituições. Ela foi instituída no ano seguinte ao da criação da lei sobre lavagem de dinheiro, quando foi criado também o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), órgão do Ministério da Fazenda que faz o controle das remessas de recursos e também combate a lavagem.
Profissionais de instituições como BC, PF e Coaf, entre outras, integram o Enccla (Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro), um esforço para combater tais práticas. O pedido para que o BC reforçasse a fiscalização dessas instituições partiu dos fóruns de discussão da Enccla, segundo a Folha apurou.

Uso de doleiros
Esses bancos, conhecidos como "private banking", só trabalham com grandes fortunas. Na última quarta-feira, a Folha revelou que um documento interno de 2007 da Merrill Lynch mencionava que a filial brasileira da área de "private banking" captara US$ 5 bilhões em todo o país.
Segundo policiais federais especializados em crimes financeiros, é muito comum escritórios de representação de bancos serem usados para captarem clientes no Brasil e, ilegalmente, abrirem contas não declaradas no exterior. Para isso, contam com a ajuda de doleiros para a remessa.
A PF começou em dezembro de 2005 a investigar o Credit Suisse, na chamada Operação Suíça. As informações iniciais sobre remessas ilegais, feitas por meio de doleiros, foram passadas à PF por um funcionário do Credit que não discordava desse tipo de prática.
Um dos doleiros que trabalhavam para o Credit Suisse, Marco Antonio Cursini, confirmou num acordo de delação premiada que fez remessas ilegais para a instituição.
Outras duas operações foram realizadas pela PF para investigar os bancos suíços suspeitos de cometer crimes financeiros no país: a Kaspar 1 e a Kaspar 2. Essas operações resultaram na prisão de executivos do Credit Suisse, do UBS, do AIG Private Banking e do Clariden.
Antes, em 2006, um funcionário da Merrill Lynch havia sido preso em Curitiba.
As ações penais das operações encontram-se trancadas por ordem de tribunais superiores. Em maio, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) concedeu habeas corpus pedido pelo advogado Alberto Toron porque o juiz federal Fausto de Sanctis não permitiu que executivos do Credit fossem ouvidos na Suíça. Toron defendeu -e o STJ concordou- que o vetou do juiz caracterizava cerceamento ao direito de defesa.
A ação penal contra 29 empresários, executivos e doleiros da Operação Kaspar foi suspensa, também em maio, por decisão do TRF (Tribunal Regional Federal) da 3ª Região porque uma parte do processo foi desmembrada e o juiz De Sanctis classificou esses documentos de sigilosos. Ou seja, os advogados não podiam ter acesso a essa parte.
Os bancos negam ter cometido as irregularidades citadas pela PF. Procurada, a assessoria de imprensa do BC não quis se manifestar sobre o assunto.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

PF investiga Merrill Lynch por suspeita de lavagem

PF investiga Merrill Lynch por suspeita de lavagem
Folha de São Paulo - 3/6/2009
Polícia apura se doleiros eram usados para movimentar dinheiro; empresa nega

Registros das operações financeiras da Merrill eram feitos à mão no país, recurso proibido por dificultar a fiscalização das autoridades

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

O setor de "private banking" da Merrill Lynch está sob investigação da Polícia Federal brasileira sob suspeita de lavagem de dinheiro e de operar um banco voltado para grandes fortunas sem ter autorização do Banco Central.
O Brasil era o maior mercado de "private banking" da Merrill Lynch na América Latina, segundo documentos que a própria instituição distribuía entre seus executivos há dois anos. Um desses informativos dizia que o setor havia acumulado contas que somavam US$ 1,2 bilhão (R$ 2,4 bilhões) no Estado de São Paulo e US$ 5 bilhões (R$ 10 bilhões) no país.
A Merrill Lynch quase foi à bancarrota com a crise financeira internacional do ano passado, mas foi comprada pelo Bank of America e se intitula a maior corretora do mundo: diz administrar ativos de US$ 2,5 trilhões (R$ 5 trilhões). Para quem gosta de comparações: todas as riquezas produzidas no Brasil no ano passado, o PIB (Produto Interno Bruto), somam R$ 2,9 trilhões.

Sundown
A Polícia Federal encontrou indícios de que a Merrill Lynch cometia crimes no Brasil ao investigar a Sundown, empresa de bicicletas e motos, cujos donos foram condenados por formação de quadrilha, contrabando e lavagem de dinheiro.
Ao monitorar o telefone de um dos sócios da Sundown, a PF descobriu que a Merrill Lynch abrira a partir de Curitiba uma conta em Miami, que recebeu US$ 1,2 milhão (R$ 2,4 milhões). Nessa operação, em 2006, um executivo da Merrill Lynch, Alexandre Caiado, foi preso e a PF fez buscas no escritório do banco em São Paulo.
Uma das suspeitas da PF era que o dinheiro de brasileiros chegava à Merrill Lynch por meio de doleiros -o que a empresa sempre negou.
A investigação da PF encontrou não uma muralha, mas um vazio, porque a Merrill Lynch tinha transferido para o exterior seu sistema de computação, e os executivos não podiam gravar nada nas máquinas, segundo contaram à Folha dois executivos que trabalharam no banco (eles falaram sob a condição de que seus nomes não fossem revelados, por temer retaliações).
O esvaziamento do escritório brasileiro foi feito depois que a PF fez buscas no Credit Suisse, que funcionava no mesmo prédio, na avenida Faria Lima (zona oeste), ainda de acordo com os executivos da Merrill Lynch. A operação no Credit aconteceu dois meses antes de a polícia vasculhar a Merrill Lynch.
Com a prisão de um de seus consultores, a Merrill Lynch decidiu transferir as operações de "private banking" de clientes brasileiros para o Uruguai, os EUA e a Suíça, segundo os dois executivos.
Os registros e sistemas foram transferidos para Montevidéu, de acordo com os ex-funcionários, o mesmo destino dos doleiros brasileiros após prisões efetuadas pela PF. O Uruguai foi escolhido porque é um paraíso fiscal e tem uma legislação flexível sobre recursos sem origem.
Como não podiam registrar nada em computadores, as operações financeiras eram registradas manualmente. As legislações brasileira e americana proíbem esse tipo de registro porque ele impede que o Banco Central, por exemplo, saiba onde o banco está colocando os seus recursos e qual é o risco que oferece.

Acusação nos EUA
A mesma acusação contra a Merrill Lynch -a de que não mantinha registros de suas operações no Brasil- é feita numa disputa judicial entre a instituição e o banqueiro Ezequiel Nasser, que foi dono do Excel Econômico.
Nasser foi processado pela Merrill Lynch, que o acusa de dever US$ 78 milhões para a instituição, e ele respondeu com uma ação em que pede US$ 612 milhões de indenização. Nessa ação, que tramita na Suprema Corte de Nova York, Nasser diz que uma das razões do que chama de perdas é a falta de transparência nos registros da Merrill Lynch.
Três e-mails de executivos da Merrill Lynch, obtidos pela Folha, mostram que eles próprios diziam no ano passado que havia operações no Brasil escrituradas à mão. Um desses e-mails é de Darcie Burk, diretora de "private banking" para a América Latina à época.
 

Ninguém poderia imaginar Uncle Sam virando uma companhia de investimentos ao estilo Warren Buffett

Uncle Sam, Inc.
Folha de São Paulo - 3/6/2009
PAULO RABELLO DE CASTRO
Ninguém poderia imaginar Uncle Sam virando uma companhia de investimentos ao estilo Warren Buffett
O ESTOURO da bolha nos EUA, além de fortíssima recessão, trouxe uma nova forma de organização econômica: as corporações de Estado. Investir diretamente nas atividades produtivas -ou, em bom português, estatizar a produção- não tem sido o lema do capitalismo americano, tão admirado e copiado mundo afora. O arranjo social-intitucional que mantém o poder público tanto quanto possível afastado das decisões empresariais é a formula de crescimento com liberdade que valoriza as iniciativas individuais e possibilita a construção política de uma sociedade de fato democrática.
A acumulação de enormes passivos em indústrias e bancos americanos -que, de tão elevados, são agora considerados grandes demais para falir e desaparecer- forçou o governo dos EUA a agir em seu resgate, sob a alegação de que a falta de socorro, nesses casos específicos, envolveria "o sofrimento de milhões de pessoas" (palavras recentes do presidente Obama). Mas o custo financeiro desses apoios oficiais é gigantesco, embora escondido nas rubricas de um déficit público cada vez maior. Por meio do explosivo endividamento público, a sociedade pagará a conta, que se projeta chegar a 80% ou mais do PIB americano até 2019.
A soma de todas as recentes intervenções do governo dos EUA no âmbito empresarial pode chegar facilmente a US$ 1 trilhão. A adoção de posição acionária majoritária (de 60%, segundo consta) na agora chamada "nova GM" corresponde a uma injeção inicial de US$ 50 bilhões. Espantosos são também os valores já envolvidos em outras operações de socorro, como a da seguradora AIG (estimada em US$ 185 bilhões), as dos bancos (Citigroup e outros) e a do financiamento imobiliário (algo como US$ 200 bilhões às empresas Fannie Mae e Freddie Mac). Ninguém poderia sequer imaginar Uncle Sam virando uma companhia de investimentos ao estilo Warren Buffett, só que de empresas problemáticas, em setores tão variados como bancos, seguradoras, imobiliárias e, agora, montadoras de automóveis.
No setor de saúde, via o Medicare, a presença estatal não é menos importante e, em novas fontes de energia, provavelmente o será em breve. Não custa lembrar que a ação do Estado na previdência social básica ("Social Security") também aumentará muito com a aposentadoria da geração do pós-guerra.
Mais do que uma concordata sob a proteção financeira do Estado, a presença do governo na GM é uma arriscada quebra de paradigma que lança dúvida sobre o modelo que conhecemos até aqui como "capitalismo americano". Nele, o direito e a capacidade de correr riscos empresariais estiveram sempre associados à possibilidade de quebra e falência, caso o empresário se tornasse irremediavelmente insolvente. Mesmo quando, num esforço de guerra, Uncle Sam geralmente preferia fazer encomendas ao setor privado, em vez de bancar o produtor direto. A atual condição de jogo é mais delicada, pois enseja um modelo com largas portas de entrada, mediante aportes vultosos, porém com estreitos caminhos de saída, mesmo se tudo der certo nessa gestão anfíbia, num país cujo forte sempre foi de uma arrojada cultura de empreendedorismo.
O movimento intervencionista vem associado, equivocadamente, ao argumento do "fato inevitável", dando a entender que a atenuação do sofrimento das pessoas empregadas em empresas insolventes só pudesse ser alcançado pela assunção de suas dívidas pelo Estado, cujos pagadores de impostos, ao final, amargarão a conta.
Estes são, sem dúvida, tempos de assombrosas mudanças.


PAULO RABELLO DE CASTRO, 59, doutor em economia pela Universidade de Chicago (Estados Unidos), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio SP. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.