terça-feira, 16 de dezembro de 2008

O CASO de Bernard Madoff

FSP - 16dez2008 - VINICIUS TORRES FREIRE

Mea culpa maximizada

Escândalo da pirâmide de Madoff é menor do que o das agências de risco ou o da "falta de integridade" dos bancos?


O CASO de Bernard Madoff talvez fique nos anais anedóticos desta crise como o episódio mais patético de mea-culpa, mea maxima culpa que se seguiu a uma tentativa gorda, gananciosa, gorada e gatuna de maximização de lucros.
Madoff é o financista que disse a subordinados, a sócios e a clientes que mentiu, roubou e arrumou um rombo de US$ 50 bilhões. O homem já dirigiu a Nasdaq. Enganou alguns dos maiores bancos e figuras da finança mundial por meio de um engodo que ele mesmo chamou de "basicamente, um esquema Ponzi gigante", uma das patuscadas mais antigas e banais das finanças.
Um esquema Ponzi é uma pirâmide, uma arapuca de investimentos na qual, grosso modo, os rendimentos dos investidores mais antigos são pagos com as aplicações dos mais novos, sistema que gira em falso. A lambança mais uma vez passou sob as pernas da SEC, a instituição que deveria supervisionar o mercado de capitais dos Estados Unidos.
Ao longo da crise, como em todos os demais tumultos financeiros, descobrem-se malversações explícitas de dinheiro. A graça da coisa está em observar como o público e os grandes interessados discernem o que é caso de polícia, "falha de regulação" ou "crise de confiança".
Em outubro, um comitê de investigação da crise do Congresso americano divulgou um caso típico de bolhas, visto numa troca de e-mails entre analistas da Standard & Poor's (a agência de cotação de risco) a respeito da qualidade de títulos lastreados em hipotecas (um desses papéis que ajudaram a detonar a crise). "Se esse negócio tivesse sido estruturado por vacas, a gente ainda o avaliaria [de maneira positiva]", dizia um deles.
Vimos atitudes parecidas durante a bolha da internet e no escândalo da contabilidade (2001-2002). Bancos de investimento, analistas, agências de risco e auditores ajudaram empresas a fraudar contratos.
Esses foram tidos como "casos de polícia". A atuação das agências de avaliação de risco nesta crise, porém, ficou no limbo. S&P, Moody's e Fitch laudaram o papelório imobiliário que, como se viu, era podre. A pena das três irmãs, porém, limitou-se a uma temporada no purgatório. "Moral", no entanto, foi uma palavra que voltou explícita ou subliminarmente nos discursos de mea-culpa a respeito da ruína financeira.
Alan Greenspan disse coisas do gênero: "No último ano [2007/8], a falta de confiança na validade dos registros contábeis de bancos e outras instituições financeiras (...) provocou uma maciça relutância de emprestar a eles [aos bancos] (...). Alguns dos pilares críticos da competição de mercado falharam". Ao Congresso dos EUA, Greenspan diria que estavam abaladas algumas de suas crenças, pois "o auto-interesse", "a supervisão da contraparte [dos negócios]" e "falhas na precificação de ativos de risco" não haviam sido bastantes para manter o bom funcionamento dos mercados.
De repente, a moralidade pareceu tornar-se condição necessária para o bom funcionamento dos mercados, os quais, porém, até outro dia (2007?) eram eficientes, racionais, baseados em abundante informação e regulados apenas o necessário para não distorcê-los (ou ao menos era o que se dizia da boca para fora, no debate público e político).
Megafraude nos EUA tem mais vítimas
HSBC disse que pode perder US$ 1 bilhão com suposto esquema, que também afetou fundo de caridade de Spielberg

Empresa de Madoff não era vistoriada pelas autoridades americanas havia dois anos, segundo pessoas ligadas à investigação do caso

DA REDAÇÃO
À medida que passam os dias, os tentáculos e as possíveis perdas com o suposto esquema fraudulento montado pelo gestor Bernard Madoff, o ex-presidente da Bolsa Nasdaq, aumentam de tamanho e se espalham por grandes bancos, como o espanhol Santander, fundos de caridade (entre eles o do diretor Steven Spielberg) e até pequenos investidores.
Desde a quinta-feira da semana passada, quando Madoff foi preso, já foram revelados cerca de US$ 20 bilhões expostos a perdas -que podem ultrapassar os US$ 50 bilhões (uma vez e meia os prejuízos desde setembro de 2007 do Citigroup, um dos bancos mais afetados pela crise)-, no que caminha para ser uma das maiores fraudes da história.
Ontem, o HSBC revelou que tem US$ 1 bilhão em fundos investidos pelo ex-presidente da Nasdaq. O Santander, um dos bancos que parecem ter melhor se saído até agora da crise global, disse que corre o risco de perder 2,33 bilhões. A lista de bancos inclui ainda UBS, Royal Bank of Scotland e Nomura Holdings, por exemplo.
Segundo o "Wall Street Journal", também foram afetados pelo possível golpe as fundações de Steven Spielberg e do Prêmio Nobel da Paz Elie Wiesel. Um representante do diretor de "Prenda-me Se For Capaz" (sobre o golpista Frank Abagnale) confirmou as perdas da fundação de caridade, mas disse não saber o montante.
Mas até o agora o maior perdedor parece ser o fundo de hedge Fairfield Greenwich, que tem braço no Brasil e afirmou que US$ 7,5 bilhões (ou mais da metade dos ativos que gerenciava) estavam investidos em veículos ligados a Madoff.
"Nós estamos chocados e apavorados com essa notícia", disse um dos fundadores do fundo, Jeffrey Tucker. "Não tínhamos nenhuma pista de que nós e outras empresas e investidores privados éramos vítimas de um esquema fraudulento tão grande e sofisticado."
O grupo dos possíveis prejudicados inclui ainda bilionários como Fred Wilpon, dono do New York Mets, um dos times de beisebol mais conhecidos dos EUA, e Mortimer Zuckerman, dono do jornal "New York Daily News". Mas ele também é formado por pequenos investidores, como Arnold Sinkin, 75, um vendedor aposentado de carpetes.
Madoff é acusado pelas autoridades americanas de montar um esquema Ponzi, em que oferecia retornos altos aos seus investidores usando dinheiro pago com a entrada de novos clientes, em vez de utilizar a receita obtida com as aplicações. Antes de ser preso, ele teria dito a funcionários que estava "acabado", que "não tinha mais nada" e que tudo não passava de "uma grande mentira".

Investigação
Uma das questões que investigadores e os órgãos reguladores terão que enfrentar nos próximos meses é como um esquema tão grande como o de Madoff conseguiu durar tanto tempo sem ser identificado.
Segundo pessoas próximas à investigação, as autoridades reguladoras norte-americanas não voltaram a inspecionar a empresa de assessoria em investimento de Madoff (que teve a sua liquidação ordenada pela Justiça dos EUA ontem) depois que ela foi submetida à vistoria há dois anos.
A SEC (órgão que fiscaliza e regulamenta o mercado de valores mobiliários) não examina os livros contábeis de Madoff desde o dia em que ele registrou a empresa no órgão, em setembro de 2006, disseram duas pessoas, que preferiram não ter seus nomes divulgados.
A SEC tenta inspecionar assessorias pelo menos uma vez a cada cinco anos, além de buscar examinar de perto empresas recém-registradas ao longo de seu primeiro ano de atividade, disseram ex-autoridades do órgão e advogados do setor de valores mobiliários.
"É difícil imaginar que uma fraude da magnitude que dizem ter sido essa não tenha sido acompanhada por problemas significativos e generalizados de cumprimento [da legislação]", afirmou Mercer Bullard, ex-advogado do setor de fundos mútuos da SEC.
Madoff foi assessor da SEC em regulamentação de mercados, além de ser um doador regular em campanhas políticas.
Com agências internacionais

análise
Caso expõe novo fracasso da fiscalização
JOANNA CHUNG
DO "FINANCIAL TIMES"
O fracasso em detectar o que pode ser a maior fraude da história, supostamente perpetrada pelo veterano assessor de investimentos Bernard Madoff, despertou novas questões sobre a competência da SEC (Securities and Exchange Commission), o órgão que fiscaliza o regulamenta o mercado de valores mobiliários dos EUA.
O caso também é um novo fiasco ao regime regulatório americano, alvo de críticas desde o começo da crise após a exposição de numerosas lacunas e exemplos de fiscalização insuficiente.
A suposta fraude aponta para um "fracasso sistêmico" e suscita "questões fundamentais" sobre a estrutura regulatória dos EUA, diz comunicado do Bramdean Alternatives, um fundo britânico que investia com Madoff.
"É espantoso que essa aparente fraude pareça ter se estendido por tanto tempo, talvez décadas, enquanto os investidores continuavam a investir dinheiro novo nos fundos de Madoff, agindo de boa fé", afirma o comunicado.
As dimensões da fraude, estimadas por Madoff em cerca de US$ 50 bilhões, não foram confirmadas por cálculos independentes, e os fiscais da SEC estão examinando os arquivos da empresa.
Mas as autoridades regulatórias também podem ter de explicar como um esquema dessas dimensões pode ter passado despercebido durante anos, especialmente porque os retornos consistentemente elevados de Madoff já haviam despertado suspeitas e provocado queixas junto à SEC. Havia outros indícios de potenciais problemas: falta de fiscalização por terceiros; o uso de uma empresa de auditoria muito pequena para uma operação de grande porte; uma operação de corretagem de títulos funcionando em paralelo na mesma empresa.
Parte da explicação pode se relacionar à abordagem utilizada para a fiscalização. Os fiscais da SEC estavam encarregados de regulamentar a corretora de títulos de Madoff. Mas foram as operações de assessoria de investimentos da empresa, registradas na SEC só em 2006, que supostamente ocuparam posição central na fraude.
Além disso, nem todos os assessores de investimentos registrados são fiscalizados pela SEC, em parte porque seu número cresceu demais nos últimos anos -em 50% de 2001 para cá, superando os 11 mil. Só 10% dos assessores registrados na SEC são fiscalizados a cada três anos.
A SEC já disse que seus funcionários conduziram duas investigações sobre a empresa de Madoff, em 2005 e 2007. Em 2005, identificou três violações da regra que exige que os corretores obtenham o melhor preço possível aos pedidos dos clientes. Em 2007, os inspetores não encaminharam o caso para ação judicial.
John Coffee, da Universidade Columbia, disse que a SEC tem de explicar o fracasso do processo. "Quase qualquer inspeção teria revelado uma deficiência de ativos, e a SEC também poderia ter percebido que os auditores eram desconhecidos. Se a SEC não é capaz de apanhar esse tipo de coisa, fica difícil imaginar o que eles apanhariam".
A suposta fraude, que pode afetar centenas de investidores privados e grandes fundos de investimento em todo o mundo, deve renovar os pedidos por regulamentação mais severa das corretoras e de entidades hoje não regulamentadas, como os fundos de hedge.
Tradução de PAULO MIGLIACCI

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