quinta-feira, 4 de março de 2010

Instrumentos, mais instrumentos

Terça-Feira, 02 de Março de 2010 0


Ilan Goldfajn


Estou voltando da Coreia. São mais de 24 horas de voo. Tempo mais do que suficiente para escrever este artigo. Mas o jet lag, a fadiga do corpo por causa da viagem e da diferença de horário, parece um obstáculo quase intransponível. As propostas discutidas nos seminários internacionais na Coreia, nos últimos dias, também parecem sofrer de fadiga, mas da crise financeira e suas consequências. Como resolver o problema das dívidas e déficits dos governos após a crise? Como regular o sistema financeiro após o seu colapso? E as políticas regulatórias e macroeconômicas, como devem mudar ou ser aperfeiçoadas?

Dada a extensão dos problemas atuais, os participantes se esforçavam para apresentar propostas boas e originais. Mas, usando uma frase já folclórica entre os economistas: "Infelizmente, as propostas boas não eram originais, e as originais não eram boas."

Entre as originais, inclui-se a elevação das metas de inflação, proposta pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Entre as outras, o uso mais intenso de várias medidas para evitar bolhas e a necessidade urgente de divulgar planos de ajuste fiscal futuros para impedir a explosão das dívidas dos países avançados no longo prazo.

No papel de propostas nem boas nem originais se encontra a reavaliação do uso de controle de capitais pelo FMI. Em geral, a sensação é de uma busca frenética por mais instrumentos para resolver as agruras atuais, já que existem vários objetivos conflitantes (disciplina fiscal versus estímulo, juros baixos versus novas bolhas, evitar a crise futura versus sair desta).

Na questão fiscal, a dificuldade é evidente. Em um artigo do FMI, Carlo Cottarelli e Jose Viñals projetam que a dívida pública combinada dos países desenvolvidos irá subir de 73% do Produto Interno Bruto (PIB), em final de 2007, para 109% do PIB, em 2014 (usa-se aqui a dívida bruta, não a líquida ? que desconta da dívida os ativos dos governos. O número correspondente no Brasil seria de 63,8% do PIB hoje). Todos os países do G-7, com exceção do Canadá, teriam cada um uma dívida de pelo menos 85% neste ano.

Nem tudo é consequência da crise e do dinheiro público usado nos resgates. Uma boa parte do aumento se deve ao envelhecimento da população nessas economias (menos ativos para financiar mais aposentados) e às necessidades crescentes na área de saúde. A crise só piorou uma situação que já era delicada. O artigo calcula que, para conseguir estabilizar a dívida no valor de 60% do PIB, ao final de 2020, seria preciso um ajuste médio de 8% do PIB nos déficits públicos desses países. Para simplesmente evitar a explosão da dívida seria necessário um ajuste de 5% do PIB nos déficits, calcularam os autores na apresentação. O ajuste fiscal teria de ser uma combinação de corte de gastos correntes, inclusive redução dos benefícios previdenciários e de saúde esperados, e aumento de impostos.

Aqui não há solução de resgate entre os países desenvolvidos: a dívida mencionada é a soma do grupo, não muda seu tamanho se a Alemanha resgata a Grécia, Portugal ou Espanha. O problema é que todos os países (ou quase todos) desenvolvidos terão de fazer o ajuste fiscal simultaneamente. E se isso impactar muito o crescimento, a relação dívida PIB não cairá como deveria. Para um economista latino-americano parece o roteiro de um filme da década de 1980 (ou de um filme argentino mais moderno). O final termina em uma ou duas décadas perdidas.

De longe, a proposta mais polêmica foi a do economista chefe do FMI, Olivier Blanchard (num artigo com Giovanni Dell"Ariccia e Paolo Mauro), que sugere aumentar as metas de inflação dos países para pelo menos 4%. A ideia é não cair na próxima crise no piso dos juros nulos ? não se consegue reduzir os juros nominais para valores negativos ? mesmo quando a economia precisaria de mais quedas. Quanto maior a inflação, maiores os juros nominais e mais longe do piso estariam os países que adotassem essa meta.

A resposta do membro alemão do Banco Central Europeu à proposta foi um sonoro "não". O receio é a perda de credibilidade (por que não subir para 6% na próxima vez que precisar) e o risco de que nesses países venham a se desenvolver mecanismos de indexação já inexistentes. Além disso, há dúvidas se as medidas adotadas após os juros chegaram a zero ? como as emissões de moedas e compra de ativos podres não foram instrumentos suficientes na crise.

Ênfase foi dada ao uso de mais instrumentos na política macroeconômica. Não é necessário se concentrar na taxa de juros básica, controlada pelos bancos centrais, para resolver todos os problemas que surgem. Se há excesso de alavancagem (ou seja, excesso de risco), há que exigir mais capital, de preferência na hora do boom. Se há muita (ou, ao contrário, pouca) liquidez, modifiquem-se as razões de liquidez exigidas aos bancos. Quando houver bolha no mercado imobiliário, o regulador deve exigir valores mais altos de sinal na compra, em relação ao empréstimo tomado do banco. Se os mercados acionários parecerem destoar da realidade e dos fundamentos, exigem-se mais margens depositadas para efetuar as transações.

Todos esses instrumentos são falíveis, mas a ideia é que façam parte de um arcabouço macro-prudencial que possa diminuir a incidência e o custo das crises futuras.

E, para o Brasil, qual é a lição desses debates internacionais? A mesma dos países avançados: é quando a situação está sob controle que regras e programas de longo prazo devem ser desenhados. Por exemplo, está na hora de aprovar regras de controle de longo prazo no crescimento dos gastos correntes, rever a situação atuarial da Previdência (o Brasil não será um país jovem para sempre) e abrir espaço para o investimento (público e privado). Nada original, mas bom o suficiente.

Ilan Goldfajn é economista-chefe do Itaú Unibanco

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