segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Gestão de capitais nos bancos

VE

24/1/2011 10:39:31

Reveste-se da maior importância a minuta colocada em audiência pública pelo Banco Central (BC) dispondo sobre a implementação da estrutura de gestão de capital pelas instituições financeiras, em especial, dos bancos. A estrutura de gestão de capital, segundo os preceitos e diretrizes do Comitê de Basileia, diz respeito ao gerenciamento do risco, da avaliação da necessidade de capital e da divulgação de informações das atividades empreendidas pelos bancos na intermediação e transmutação financeira. Ou, em outras palavras, como manter a conduta dos agentes financeiros em níveis prudentes? A recente crise de 2008-2009, que ainda ecoa nos mercados europeus, mostra que o assunto é sério.
Em essência, a minuta propõe repensar o conceito do capital dos bancos. Definindo a gestão de capital como um processo contínuo de monitoramento e controle, pretende forçar os bancos a avaliar constantemente a necessidade de capital e a planejar metas e objetivos estratégicos, com base no mutante cenário econômico. Há, portanto, a mudança de uma postura reativa para uma visão mais proativa. Evidente que há grandes conglomerados financeiros que já difundiram essa cultura, mas é certo que o mercado ainda não está afinado com a visão de que identificar problemas antes que eles ocorram, é sempre melhor do que remediar uma solução ex-post facto.
A forma de pensar em políticas de estrutura de capital num horizonte de mais longo prazo (na minuta, a proposta é de três anos) abrange um "Plano de Capital", de mecanismos de governança interna e de transparência, além da obrigatória implementação de procedimentos e parâmetros relativos à implementação do Processo Interno de Avaliação da Adequação de Capital (ICAAP) para as instituições financeiras que possuam ativos superiores a R$ 100 bilhões.
Finalmente, a minuta conclui que a estrutura de gestão de capital deve indicar um diretor responsável pela organização, assim como o seu departamento; seis meses depois, apresentar a definição de processos e procedimentos de sistemas necessários à sua implementação, que deve ocorrer até o final de 2012.
Minuta propõe contínuo monitoramento e planejamento de metas, com base no mutante cenário econômico
Os mercados mundiais aprendem com as crises. Simulações de condições extremas, os chamados testes de estresse não eram práticas usuais numa indústria coberta pelo segredo e pela aguda discrição. No auge da crise, pouca credibilidade tiveram, já que os mercados desconfiaram de seus critérios e agora precisam se reinventar. Neste sentido, a minuta avança e está na vanguarda, já que contempla, de forma ampla e macroscópica, sem os ranços dirigistas do passado, um modelo que procura transparência e responsabilidade, além da necessária disciplina de mercado.
Mesmo assim, é importante invocar as lições do passado. Bancos não são negócios comerciais comuns, por uma razão muito singela, apontada por David Ricardo, e citada por Walter Bahegot: "A característica distintiva do banqueiro, afirma Ricardo, inicia-se enquanto ele usa o dinheiro dos outros; enquanto usa o seu próprio dinheiro, ele é somente um capitalista."
Por serem negócios especiais, é que é preciso haver supervisão bancária intensa e eficiente. Ainda que a atual regulação de patrimônio liquido exigível seja mais rigorosa aqui do que no exterior, é uma ilusão acreditar que práticas de mercado substituem a boa e velha supervisão bancária e o nosso Banco Central, a despeito de todas as críticas (nem sempre justas), tem exercido esta função de modo eficiente e abrangente, e, principalmente, de modo coeso, abandonando de vez a ideia de que segregar a fiscalização da autoridade monetária. Mas é preciso mais recursos, treinamento e sistemas; intercâmbio de pessoas com outros bancos centrais incrementariam e aprofundariam o arsenal supervisório.
O sistema financeiro vive de precificar risco. Risco tem sinônimo com "álea", mas ao mesmo tempo um sentido diverso, já que risco é calculável. Álea tem sua origem no latim alea, que, naquela língua, tem, como substantivo, um significado preciso: "dado de jogar". Um bom resumo da noção de risco está exatamente na noção de jogo - não jogos de azar, mas simplesmente jogo. Em qualquer jogo, como se sabe, convivem, em igualdade de condições, e com o cumprimento de regras determinadas, a probabilidade da perda e a probabilidade de ganho. Risco contém, portanto, álea, ou seja, aquilo que traz, ao mesmo tempo, a chance de prejuízo e a hipótese de lucro. No entanto, risco, como mostra a minuta em comento, pode ser amortecido com um eficiente estrutura de gestão de capital. Valendo-se da lição de Kindleberger, o grande teórico das crises bancárias, riscos só se sentem quando "se tornam graves, quando as flutuações no valor da riqueza contaminam os bancos" - e isto nem sempre é óbvio ou visível. Oxalá as propostas apresentadas, com o devido aperfeiçoamento dos agentes de mercado, contribuam de modo certeiro para assegurar a estabilidade do sistema financeiro.
Jairo Saddi - Pós-Doutor pela Universidade de Oxford. Doutor em Direito Econômico (USP). Professor de Direito do Insper (ex-Ibmec São Paulo). Escreve mensalmente às segundas-feiras.

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