sábado, 27 de junho de 2009

Chamada à razão

Correio Braziliense - Coluna Brasil S/A - Chamada à razão - 25-6-2009


Realismo do Banco Mundial expõe a febre financeira ainda ativa no mundo ao chocar os mercados

Por Antonio Machado
cidadesbiz.df.@diariosassociados.com.br


Os senhores do universo financeiro comeram bola ao bancar como permanente o crescimento da era de ouro encerrada com a ruidosa ruína do Banco Lehman Brothers em setembro, mas que já definhava desde meados de 2007, quando começaram a murchar as muitas bolhas de especulação nos EUA, começando pela de hipotecas e imóveis.

Eles acabam de comer outra bola, pois estavam dando como superada a grande crise ao antecipar até o nível do último pico de alta das bolsas o valor presente dos sinais de arrefecimento da recessão. O Banco Mundial acordou-os para a realidade ao ampliar o pessimismo sobre a economia global. De previsão de queda de 1,7%, a projeção piorou para retração de 2,9%. Agora, mostram-se tão surpresos como quando o Tesouro dos EUA entregou o Lehman Brothers aos leões.

Os mercados desabaram em todo mundo, do pregão de ações da Bolsa de Nova York ao mercado futuro de petróleo. Aqui, a Bovespa caiu abaixo dos 50 mil pontos, e isso quando já se previa escalada até 60 mil no fim do ano, depois de ter passado pelo recorde pós-crise de 54.486 pontos em 1º de junho. O dólar foi a mais de R$ 2, pela primeira vez desde 28 de maio, implicando ambos os movimentos, do câmbio e bolsa, a queda de 13% das ações em dólares desde o pico.

O que esperava quem surfava esta nova onda? Que fosse sustentada, mesmo com o governo de Barack Obama equilibrando-se em fio de aço para manter a confiança no dólar, a economia da Europa e Japão em parafuso, a China tentando reinventar-se para escapar da armadilha da dependência do mercado americano e da solvência dos EUA?

Antes de cair a ficha, o economista Paul Samuelson, Nobel de 1970, escreveu um artigo alertando para o perigo do otimismo exagerado. Do altar de sua experiência, preveniu que a recuperação continua assentada na emissão de papéis pelos EUA para serem comprados pela China, enquanto os chineses começam a mostrar irritação com a cor verde do dólar e ambos, além da economia global, estão em apuros.

E os mercados? Por pressuposto, antecipam os lucros empresariais já realizados e ainda não distribuídos. Mas, como antes, voltaram a antecipar a projeção de lucros a realizar depois que a recessão terminasse. É a terceira derivada de algo ainda hipotético. Por coisas assim é que a banca nos EUA e em quase toda a Europa foi à lona, levando a economia real no abraço de afogado.

O conselho do sábio
As explicações para a complexidade dos fatores que criaram esta crise monumental, comparável à depressão da década de 30 do século passado, podem ser simples. Complicado é fazer os EUA pegarem no tranco, aliviando a economia global para sair da pasmaceira.

O americano Samuelson, keynesiano até antes que o inglês Keynes ficasse famoso pelos seus estudos sobre como reerguer o mundo da depressão dos anos 30, ensina com a sabedoria de seus 94 anos. “Aos poucos, os americanos vão aprender que têm de poupar mais, e os chineses, a gastar mais. “Até lá”, aconselha Samuelson, “é melhor (manter) o otimismo cauteloso”.

Especulação em tudo
O quadro desenhado por Samuelson, semelhante ao pintado por gente também premiada como os colegas mais novos Paul Krugman e Joseph Stiglitz, pressupõe um ajuste de vários anos e muitas tentativas e erros. É parecido com o que se passou no Brasil após o crescimento acelerado do governo militar, que exauriu as finanças nacionais.

A rigor, superou-se o período de ajustes só do governo Lula para frente. E, ainda assim, graças à alta dos preços das commodities e matérias-primas, movidos pelo capital financeiro criado por dívida aplicada em estoques especulativos em papel, e até a demanda real, como as importações da China, se financiava nessa ciranda, já que resultado do endividamento do consumidor americano.

Otimismo de ocasião
A quebra dessa corrente é a base do ceticismo do novo cenário do Banco Mundial. Já o otimismo de ocasião dos mercados financeiros e das bolsas de valores revela que a velha cultura continua guiando as decisões sobre o hot money nas casas bancárias. Não será fácil a travessia nos EUA de uma economia fortemente amparada no consumo financiado por dívida para outra com maior poupança e orientada ao investimento. O caminho é esse, como dizem economistas laureados, apesar da contradição de o governo Obama tentar cortar caminho via mais dívida injetada na economia com dinheiro fiscal por meio dos bancos. O Brasil deve guardar prudente distância dessa confusão.

Solução à brasileira
Mais gastos fiscais, como fazem os EUA, Europa, é como a morfina: para a dor, mas não cura. Lá a economia parou de sangrar, embora a renda e o emprego sigam se esvaindo. O tratamento é superdolorido, se convencional. Menos traumática é a variante brasileira. Contra males assemelhados, entre os anos 80 e 90, aplicou-se o modelo do “esqueleto”, que ninguém assumiu como solução, mas que funcionou.

Parte dos passivos ilíquidos foi lançada na dívida pública, mas sem virar papel, e a cada ano um naco é pago com receita fiscal. O FMI rosnou, mas aceitou na ocasião. Pode servir aos EUA. Problema é que os economistas de lá não têm cintura mole como os daqui.

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