domingo, 26 de dezembro de 2010

“IMF get out”: a versão europeia de um antigo drama brasileiro

ANDREI NETTO, de O Estadão
25 nov 2010

Na Irlanda, pesquisas de opinião e analistas políticos indicam que a maior parte da opinião pública não é contra o pacote de ajuda de € 85 bilhões, oferecido pela União Europeia e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) como vacina contra a bancarrota. Ainda assim, entre militantes de uma minoria nacionalista, que se diz “humilhada” e atingida em sua soberania, ecoa uma frase: “IMF get out”, a versão em inglês de um mantra bem conhecido dos brasileiros, o “Fora FMI”.
Entre janeiro e fevereiro, Atenas foi palco de greves, passeatas e confrontos violentos – inclusive com mortes. Entre setembro e outubro, Paris, Lyon e suas periferias incendiárias também assistiram a protestos e conflitos entre a polícia e manifestantes. Mas o 24 de novembro de 2010 talvez venha a marcar, no futuro, o início de uma insatisfação generalizada dos europeus contra as políticas de austeridade contra a crise das dívidas públicas.
Ontem, manifestações simultâneas e independentes deixaram quatro países em estado febril: na Irlanda, Grã-Bretanha, Itália e Portugal trabalhadores e estudantes foram às ruas contra as medidas de rigor adotadas pelos governos europeus – liberais e socialistas, diga-se. Até então, o fenômeno da insatisfação pública era menosprezado e atribuído aos gregos, “corruptos demais”, ou aos franceses, “mimados demais”. Agora, é cada vez mais difícil explicar por que os protestos tomam as ruas em países ordeiros e avessos a movimentos sociais, como a Inglaterra.
Há na Europa um temor crescente de que as medidas de socorro, como o Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FESF), inventado pelos líderes políticos em Bruxelas para auxiliar a Grécia em maio, não sejam suficientes para aplacar o risco de falência de países periféricos, como Irlanda e Portugal, ou nada periféricos, como Espanha e Itália. Afinal, nem a rica e estável Europa pode seguir pagando empréstimos de € 110 bilhões ou € 85 bilhões para socorrer cada país da zona euro.
No mercado financeiro, assim como nas universidades, especialistas em macroeconomia se perguntam qual é a solução para a crise das dívidas. Muito se fala na implosão do euro e no renascimento das moedas nacionais, como o marco, o franco ou a lira. Mas essa alternativa, sustentam economistas como Daniel Cohen, especialista em reestruturação de dívidas e acadêmico da Escola de Economia de Paris, não é realista, porque ninguém na Europa está disposto a arriscar a desintegração da UE, um projeto político maior do que tudo: o de garantir a paz. Cohen e outros entendem que os planos de austeridade pecam em um ponto: implodem o que resta do Estado de bem-estar social no momento em que o desemprego explode, o que só tende a aprofundar o fosso da recessão. Sem crescimento, não há equilíbrio fiscal, afirmam esses especialistas.
Para eles, a União Europeia só tem uma alternativa: coordenar suas políticas macroeconômicas e alinhar estratégias fiscais. Em síntese: integrar-se cada vez mais. O entrave está nos palácios, onde governos como o de Angela Merkel, Nicolas Sarkozy e David Cameron voltaram-se aos problemas internos sem entender o recado da crise: ou os países da Europa aceitam sua interdependência, ou serão cada vez mais dependentes do FMI.

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