segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Operador da Bolsa que afundou a Société Générale é convidado para dar aulas em Harvard

5/2/2009 - UOL Notícias / El Pais


Por: Antonio Jiménez Barca




Há um ano Jérôme Kerviel, um sujeito obscuro de inteligência média-alta, de 32 anos, com um certo ar de Tom Cruise, que não se destacou em nada, nem na escola nem em qualquer outro lugar, se transformava no personagem mais procurado da França. Em 24 de janeiro de 2008, quando a economia mundial começava a despencar, o presidente do banco em que Kerviel trabalhava, a Société Générale, confessou que o operador da Bolsa tinha criado um buraco de 4,9 bilhões de euros ao comprar e vender ações sem rede de segurança e sem autorização.

Um ano depois, Kerviel não é o mesmo homem desconhecido de ar confuso: mudou de advogado, enfrentou a instrução de seu caso, que está quase terminando, e acusou sua antiga empresa de fazer vista grossa e deixá-lo em paz enquanto ganhava dinheiro. Não só isso. Deixou-se retratar de braços cruzados e olhar desafiador, mais parecido que nunca com Tom Cruise. Além disso, recebeu ofertas de Harvard para dar cursos e de marcas de carros e de roupas para estrelar campanhas de publicidade.

Quem é ele na realidade? Como tudo começou?

Há alguns dias Kerviel confessou em uma longa entrevista exclusiva ao jornal "Le Parisien": "De agosto a dezembro de 2007 ganhei todos os dias. E isto criou uma espécie de vício. Perdi pouco a pouco a noção real das quantias que estavam em jogo. (...) Para mim, uma jornada de um milhão de euros não era nada. Às vezes conseguia lucros astronômicos, que me causavam um prazer quase orgásmico".

Ele começou no departamento de controle. Lá aprendeu os mecanismos dos bancos para vigiar seus funcionários. Depois saltou para a arena, para comprar e vender em um turbilhão de milhões que acabou o engolindo. Também, segundo ele conta, passou a ver o mundo reduzido a uma tela de números que subiam e desciam.

"No dia dos atentados de Londres, em julho de 2005, ganhei 500 mil euros para o banco, graças a ter operado com ações de uma seguradora dias antes. Era o prêmio gordo. E eu estava encantado. Mas depois percebi que estava me divertindo com algo que, no fundo, havia matado pessoas com bombas. Fui para o banheiro e vomitei", continua na entrevista.

Uma de suas práticas consistia em comprar enormes quantidades de ações de uma empresa em Tóquio ou em Hong Kong e revendê-las imediatamente depois em Paris ou Nova York, aproveitando pequenas diferenças de cotação, às vezes de centavos de euro por ação. Movimentava enormes somas de dinheiro de ida e volta, porque senão o lucro seria ridículo. Os bancos permitem que seus operadores façam essas transações desde que cubram as compras com as vendas quase no mesmo instante, para evitar riscos astronômicos.

"Quando deixei o controle e passei a operar, me cruzaram os cabos. Não existia outra coisa além do banco. Pensava nele de manhã à noite, não havia mais nada na minha vida. (...) Mudei de vida, me separei de minha namorada", acrescenta.

Também começou a burlar as regras. Comprava grandes pacotes de ações, mas depois não as vendia imediatamente. As segurava, confiando em seu faro financeiro e porque sabia como escondê-las. Não por acaso conhecia os controles que eram efetuados para evitá-los. Ele mesmo tinha passado anos vigiando os demais.

Acreditou que o mercado subiria. Mas não previa (ninguém previa) que a economia mundial caminhava para o abismo e que as Bolsas cairiam durante vários meses. Quando o mercado flutuava, isto é, subia e descia, os enxágues de Kerviel seguiam em frente. Mas com as Bolsas despencando, empurradas por uma crise incontrolável, era impossível sair ileso. Ele mesmo confessou isso na citada entrevista: "Meu problema é que não percebi que o período dos grandes ganhos tinha chegado ao fim".

Para tapar o imenso buraco que tinha nas mãos, empreendeu a fuga para a frente: embarcou no que dentro do mundo da Bolsa se chama mercado de futuros. Ali a pessoa se compromete em um prazo determinado, de semanas ou meses, a vender ou comprar um número enorme de ações. É como jogar o dobro, como apostar no já instável mercado de valores.

Kerviel arriscou sua mentira no futuro. Chegou a ter comprometidos 50 bilhões de euros, mais do que seu banco ganhava em dez anos. Uma soma que ele manejava na corda bamba quando foi descoberto em 18 de janeiro de 2008.

O banco comprovou com horror o alcance da brecha. E tentou consertar tudo vendendo a toda pressa as ações de Kerviel em um mercado em queda livre, que a decisão desesperada da Société Générale, por sua vez, contribuiu para afundar um pouco mais.

Na instrução do processo, Kerviel denunciou seus superiores por permitir seu desatino. "Era como se eu pilotasse uma Ferrari com um motor de foguete. Eu passo diante deles a 3 mil quilômetros por hora. Eles me vêem e não dizem nada. Quem acredita nisso?"

Seu superior imediato, Eric Cordelle, lhe disse em um confronto: "Estou farto de ter na minha frente um mentiroso". O advogado do banco considera obscuro o motivo último de Kerviel. Há quem suspeite que nas transferências de bilhões que durante meses ele teve nas mãos, às escondidas do banco, conseguiu desviar uma soma para uma conta secreta. Como bom ex-controlador, sabe bem apagar o rastro do dinheiro. Há outros que consideram que o ex-operador da Bolsa só pretendia aumentar os lucros do banco para embolsar a recompensa das porcentagens. O fato de que a polícia francesa não tenha encontrado ainda o dinheiro nas contas de Kerviel parece confirmar a segunda hipótese.

De qualquer maneira, esse homem enfrenta a possibilidade de uma sentença de até oito anos de prisão. Já passou um mês preso, quando se entregou, poucos dias depois de se transformar no homem dos 5 bilhões. Saiu em liberdade provisória, acusado de falsificação, invasão informática e abuso de confiança. Desde então se dedicou exclusivamente a elucidar o processo para encarar o julgamento que se aproxima. Também a estudar as ofertas que recebe para ser professor em Harvard ou estrela da publicidade.

Não é mais o que era um ano atrás. É ele quem diz: "Eu nasci de novo em 18 de janeiro de 2008, dia em que fui chamado pelo banco para me explicar".

Mas também não se transformou completamente, segundo afirma na única entrevista que concedeu: "O banco e minha atividade de corretor na Bolsa me fazem falta. Tenho saudade. Sobretudo com esta crise. Às vezes me surpreendo olhando para as cotações e dizendo: 'É preciso comprar isto ou vender aquilo'".

Nenhum comentário: