quinta-feira, 7 de maio de 2009

Estudo distribui a culpa pela crise subprime

O relato sobre o naufrágio do mercado de crédito imobiliário de segunda linha (suprime, em inglês) lembra a leitura de "Assassinato no Orient Express". Tal como no romance, onde todo mundo teve alguma participação no assassinato, a história do subprime americano envolve praticamente todos os centros de poder - como o governo Bush, o Fed (banco central dos EUA) e o Partido Democrata.


Consideremos Roland Arnall, fundador e CEO da Ameriquest Mortgage, companhia com sede na Califórnia que ganhou mais de US$ 80 bilhões com os financiamentos habitacionais de quitação incerta entre 2005 e 2007 e que se descreve como "patrocinadora do sonho americano".


A Ameriquest foi várias vezes responsabilizada por agências regulamentadoras e tribunais por práticas de financiamento abusivas. Em 2006, aceitou pagar uma multa de US$ 325 milhões, após a comprovação de que ludibriou mutuários, falsificou documentos e pressionou avaliadores a que inflassem os valores dos imóveis.


A empresa, que já fechou, doou US$ 263 mil para a campanha de George W Bush. Arnall, que morreu no ano passado, virou então embaixador de Bush na Holanda. Para manter as coisas equilibradas, sua empresa doou US$ 1,57 milhão ao Partido Democrata.


Entre 2005 e 2007, pico dos empréstimos subprime, as 25 maiores empresas de financiamento imobiliário ganharam quase US$ 1 trilhão em empréstimos concedidos a mais de 5 milhões de mutuários, muitos dos quais tiveram suas residências retomadas, diz o Center for Public Integrity (CPI), um organização de jornalistas ativistas baseada em Washington.


Esses empréstimos, muitos deles considerados predatórios, inflamaram o rastilho que levou ao colapso financeiro mundial. O Fed, que repetidamente recusou-se a tornar mais rigorosa a regulamentação dessas empresas não bancárias, por ser encarregado apenas da fiscalização direta de bancos, disse ao Congresso que seria excessivamente dispendioso estabelecer tal monitoração.


Em outubro passado, Alan Greenspan, ex-presidente Fed, disse a uma comissão do Congresso: "Aqueles de nós que confiávamos em que o auto-interesse das instituições financeiras protegeria o valor dos acionistas - em particular eu próprio -, estão em estado de choque ou descrença". Mas a resistência à regulamentação foi mais profunda do que as objeções ideológicas de Greenspan.


A investigação da CPI, que começou em setembro, revela que a maioria das financeiras gastou milhões de dólares em campanhas de lobby em Washington de meados até o fim da década de 90, em boa parte para evitar novas leis que tornaria mais rigorosas as restrições aos empréstimos subprime.


O setor financeiro gastou US$ 3,5 bilhões na década passada com lobbies em Washington e fez doações de campanha no montante de US$ 2,2 bilhões, diz o Center for Responsive Politics, um organismo fiscalizador independente.


O estudo da CPI mostra que, pelo menos 21 das 25 principais financeiras de contratos subprime, a maioria hoje falida, pertenciam ou eram fortemente financiadas pelos maiores beneficiários do pacote de socorro Troubled Asset Relief Funds (Tarp), como Citibank, Bank of America, Wells Fargo e JPMorgan - também os maiores doadores políticos nos EUA.


"Os maiores bancos americanos e europeus tornaram a bolha de empréstimos subprime possível financiando-a, para que pudessem colher os enormes benefícios da securitização e da venda de títulos lastreados nesses financiamentos", diz Bill Buzenberg, que conduziu a investigação. "Washington foi advertida repetidas vezes, na década passada, de que esses empréstimos de custo elevado criavam um risco sistêmico para a economia. É difícil acreditar que os grandes bancos não soubessem o que estava acontecendo ou as consequências que isso poderia trazer.


Uma das outras grandes financeiras foi a New Century Financial, acusada por investigadores, durante o processo de falência em 2007, de ter recorrido a práticas agressivas que elevaram os riscos para níveis perigosos e, em última instância, fatais. Seu maior respaldo financeiro veio do Goldman Sachs, que recebeu US$ 10 bilhões do pacote de ajuda Tarp.


Uma das poucas operadoras que continuam em atividade é a Wells Fargo Financial, pertencente ao banco de mesmo nome, que ganhou US$ 51 bilhões em empréstimos subprime entre 2005 e 2007 e gastou quase US$ 18 milhões em doações eleitorais e lobby junto a políticos, também neste caso quase igualmente entre democratas e republicanos. Barack Obama foi o maior beneficiário individual, com US$ 201 mil entrando como verba para sua campanha.


Segundo a CPI, todas as leis que ajudaram a criar a crise do subprime continuam em vigor. Desde o final dos anos 90, houve várias tentativas de endurecer a regulamentação mediante novas leis. Mas todas essas tentativas foi derrubada.


O relatório destaca o projeto de uma nova lei, patrocinada por Barney Frank, congressista democrata, que criaria cláusulas" tornando os securitizadores de crédito imobiliário responsáveis por abusos embutidos nos financiamentos originados. Se essa lei estivesse em vigor mais cedo, diz a CPI, a crise do subprime poderia nunca ter acontecido.


Fonte: Valor Econômico - Edward Luce/Financial Times - 06/05/09

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