terça-feira, 27 de outubro de 2009

2010 será todo da política, da produção a plena carga e do consumo fervendo. E 2011, da ressaca

Correio Braziliense – Coluna Brasil S/A – A grande história – 23/10/2009



Por Antonio Machado

machado@cidadebiz.com.br


Ainda que elogiado com fanfarras pelos investidores estrangeiros, a “grande história” de 2010, aposta o Financial Times repercutindo os interesses do capital globalizado que o tem como bíblia, música aos ouvidos do presidente Lula, o Brasil tem desafios maiúsculos a médio prazo. Não em 2010, que será todo da política, da produção a plena carga e do consumo fervendo. Logo depois, e até por isso.



A apreciação do real tende a exacerbar-se nessa toada, refletindo os ingressos de capitais e não só a fraqueza do dólar, parte pelas mazelas financeiras dos EUA, parte pela ação deliberada do governo Barack Obama de reconstruir a economia americana pelas exportações e pelo laxismo monetário, com juros negativos e emissões de moeda.



Ao sair da crise com poucos danos e economia roncando na largada, o Brasil se apresenta ao capital de arribação em fuga da débâcle do dólar como um “santuário”, além de promissor e menos concorrido que outros mercados preservados e em forte expansão como o chinês.



É o capital com asas, que pousa em ações e em ativos de dívida do Tesouro, que o governo tenta espantar com a tributação do IOF de 2%, ainda que tão relevante quanto o investimento direto de firmas estrangeiras, embora mais arisco — a qualquer risco levanta voo —, já que ajuda a preencher algo sempre em falta: poupança, sobretudo a pública, que o governo não acumula gerindo o orçamento fiscal.



Mais ainda neste renascimento econômico turbinado pelo consumo e com a retomada do investimento produtivo atrasado. Ao país faltam recursos de origem fiscal tanto para o Banco Central comprar para a reserva nacional os dólares dos exportadores, dos investimentos das multis e de aplicadores financeiros, como para o Estado bancar a expansão da infraestrutura (energia, estradas, hospitais etc)



O resultado é que a economia está plena de ficções contábeis. O superávit primário não é superávit, mas um desvio de receitas do orçamento fiscal para pagar um pedaço dos juros da dívida pública. O orçamento do governo há décadas fecha com déficit, coberto com a emissão de títulos do Tesouro, que expandem a dívida pública, cujo custo é referenciado pela Selic. E quanto mais juros, mais dívida.



Ela mesma, como relação do PIB, hoje de 44%, parece pequena, pois o que se informa é a dívida líquida, embora seja a dívida bruta a observada nas comparações internacionais, estando em 67% do PIB, o que equivale à dos EUA em apuros. A dívida cresce com os déficits e o aumento das reservas de divisas. Como não há superávit fiscal, a compra de dólares pelo BC corresponde a uma dívida do Tesouro.



Paradoxo das reservas



O BC enxuga os reais oriundos da conversão dos dólares que entram no país para que a expansão monetária não incendeie a inflação. O faz não com receita tributária, toda ela comprometida com o gasto público, que até o excede, mas com dívida emitida a um custo maior que o rendimento da aplicação dos dólares que recebe. Tem-se ai um paradoxo: o país toma dinheiro lá fora, para suprir o que falta de poupança aqui, e paga caro por isso, por que o faz endividando-se, ainda que o objetivo não seja este. Mais racional seria ter juros menores e bancar o grosso dos investimentos com poupança nacional.



Cambalachos contábeis



E cadê a poupança, a explicação do milagre chinês, que permite à China colar o renminbi ao dólar, sustentar reservas de argentário? Não há. Nem o tal fundo soberano, capitalizado em todos os países que o têm com excedentes cambiais ou fiscais autênticos, não com cambalacho contábil, como o brasileiro, formado com 0,5% do PIB de dinheiro desviado de um orçamento fiscal há décadas deficitário.



Essa é a vantagem do governo Lula: ele dispensou cuidados com tal situação das contas públicas. Trata-as como formalismo, e abriu o cofre. Mas isso depois da crise do ano passado, já que até 2007 o seu discurso era contido, as demandas salariais do funcionalismo, atendidas com parcimônia, e o investimento público... Bem, é menor do que aparenta ser e ainda se equipara ao que fez seu antecessor.



Problemas lucrativos



As sequelas vão surgindo. Não incomodam o capital porque ele se beneficia dos problemas (dos juros altos, subsidio cambial) e tudo é feito, apesar dos excessos e deficiências fiscais, com o cuidado de manter a solvência pública. O ônus é da sociedade. O BC tenta harmonizar com juros altos a expansão encavalada do gasto público com o gasto privado. Os títulos emitidos para a compra dos dólares são enfiados na goela da banca, segurando o crédito e, outra vez, aquecendo os juros. Os impostos não baixam. E assim vai.



Discussão no bastidor



Candidato algum fará a discussão do que sobrará para 2011, mas os seus assessores já a fazem. É impossível evitá-la. O financiamento dos investimentos bateu no teto. Nos bancos públicos, o crédito é espichado com aportes do Tesouro, que ampliam a dívida pública, ou emissão de dívida externa, que leva ao mesmo lugar. Virá inflação ou arrocho, o que muitos preveem que o BC fará depois da eleição.



Demandas sociais só crescem, sem folga fiscal para provê-las. O crescimento econômico forte é a solução. Mas se a produção avançar adiante do consumo, que precisa ser contido para prevenir inflação ou déficit externo insustentável. E o eleitor sem saber de nada...

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