quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Os islandeses se adaptam ao duro regime pós-crise

26/11/2009

Le Monde
Gérard Lemarquis
Em Reykjavík (Islândia)

Os islandeses não terminaram de pagar a conta da crise financeira. Seu
nível de vida ainda deverá recuar 16,5% em 2010, segundo previsões do
Banco Central. Quase da noite para o dia, em outubro de 2008, com a
implosão de seu sistema bancário, a Islândia, uma das populações mais
ricas da Terra, liderando a lista dos melhores em desenvolvimento
humano, se tornou uma nação em colapso.

Mas os islandeses se adaptam, alternando apatia e revolta, desânimo e
esperança. É hora de acertar as contas com os responsáveis pelo
tsunami financeiro que transformou uma pequena nação luterana do Norte
no país mais endividado do mundo (todas as dívidas acumuladas). Também
chegou a hora de um recolhimento íntimo. De certa forma, nasceu um
nano-estilo de vida.

Em uma sociedade que não fala de nada além da crise, os islandeses, em
uma mesma conversa, manifestam desânimo, esperança de que volte a
prosperidade, remorso por terem sido ingênuos e raiva dos
responsáveis. Eles mencionam uma culpa latente por terem se deixado
levar e uma amargura em relação aos escandinavos pouco compassivos.

Os islandeses têm várias palavras para descrever a crise. "Kreppa"
designa o marasmo, a recessão. "Hrunid" exprime a queda e é utilizada
para comparar o antes e o depois. São raros os que ainda falam da
"revolução das panelas", o movimento que, em janeiro, derrubou o
governo, quando os manifestantes bateram em utensílios de cozinha dia
e noite diante do parlamento. E uma nova expressão nasceu para
classificar tudo que é chique, caro ou luxuoso: diz-se que "é tão
2007".

Nem todos sofrem do mesmo jeito com a crise. Nos vilarejos que vivem
da pesca, longe da capital, é quase uma euforia. Pelo mesmo preço em
euros, o peixe é vendido duas vezes mais caro em coroas islandesas. Os
salários estão congelados, mas a atividade se mantém. Que vingança
para uma população rural que, dois anos atrás, achava ter perdido o
trem da modernidade!

Os muito ricos? Eles já não moravam mais na Islândia. Moravam em
Londres ou em Copenhague, ou até em ambos os lugares, de onde davam
suas ordens à distância. Jovens enfurecidos emplastaram de vermelho os
4 x 4 e as mansões daqueles que se arriscaram a voltar, e a maioria
prudentemente permaneceu no exterior. Eles deixaram para trás as obras
inacabadas de residências de férias de várias centenas de metros
quadrados, lembrança de sua megalomania passada. Mesmos delírios de
grandeza no centro de Reykjavík, com o palácio da música em
construção. A cidade e o Estado decidiram terminar a grande obra, após
hesitarem em fazer dela um monumento em lembrança ao colapso.
Devolvida ao povo, é uma obra que supera em custos e em dimensões o
palácio de Ceausescu, em Bucareste, com a diferença de que, avançando
sobre o mar, não está substituindo uma antiga morada.

O islandês médio da população da capital (dois terços do país) inventa
soluções. Ele corta despesas e paga suas obrigações. São os mais ricos
em fuga que deixam dívidas.

As vendas de automóveis caíram 85% em um ano, e as de
eletrodomésticos, 60%. As pessoas fazem seus utensílios durarem mais,
se desfazem do segundo ou terceiro carro, ou do mais luxuoso, que
provavelmente já atravessou o oceano para ser revendido na Europa. As
hortas comunitárias voltaram, e os hábitos alimentares mudaram.

Em um imenso movimento de afirmação de identidade, no outono de 2008,
voltou-se a fabricar em casa linguiça de fígado ou salsicha de
cordeiro à moda antiga. Mas não passou de uma onda passageira, e a
linguiça muitas vezes permaneceu nos congeladores.

O McDonald's fechou na Islândia, o que revelou que toda a
matéria-prima era importada da Alemanha. Uma nova marca o sucedeu, e
atualmente utiliza a carne islandesa. Até o consumo de álcool diminuiu
sensivelmente, frustrando as previsões. A explicação, a ser
verificada, é que os islandeses fazem um vinho artesanal com suco e
levedura, e os mais ousados arriscam destilar álcool em alambiques
improvisados. A polícia, quase toda semana, apreende maconha cultivada
em estufas. Aqueles que se dedicam a essa atividade proibida são
denunciados por sua conta de eletricidade, pois nas noites de inverno,
uma iluminação artificial potente é indispensável.

Mas nem tudo é negativo. A desvalorização da coroa islandesa gera
oportunidades. O turismo atrai uma nova clientela, menos privilegiada.
As atividades de manutenção e de reparos, especialmente as navais,
poderão ser feitas no local. Os doentes da Groenlândia com tratamento
de urgência agora serão encaminhados para a Islândia, e não para a
Dinamarca. As distâncias são mais curtas e o custo é duas vezes menor!

Esperava-se uma diminuição ainda menor do consumo. Mas o governo abriu
o acesso às contribuições das aposentadorias complementares para que
os mais endividados evitem a falência pessoal. Foi a debandada de uma
população desorientada. Mal se ousa pensar no empobrecimento da
geração de futuros aposentados que deverá se contentar com uma magra
pensão de base.

Tradução: Lana Lim


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