segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Os banqueiros não têm a menor ideia

16/01/2010

The New York Times

Paul Krugman

A Comissão de Investigação da Crise Financeira -o grupo oficial que
pretende ser uma versão moderna da Comissão Pecora dos anos 30, cujas
investigações abriram o caminho para a regulamentação dos bancos do
New Deal- começou a ouvir os depoimentos na quarta-feira. Em seu
primeiro painel, a comissão examinou quatro figurões do setor
financeiro. E o que nós aprendemos?

Bem, se você estiver esperando por algum momento Perry Mason -uma cena
na qual as testemunhas dizem: "Sim! Eu admito! Eu fiz! E estou
feliz!"- a audiência foi decepcionante. O que tivemos, em vez disso,
foram testemunhas dizendo: "Sim! Eu admito! Não tenho a menor ideia!"

Ok, não em tantas palavras. Mas o depoimento dos banqueiros mostrou um
fracasso impressionante, mesmo agora, em entender a natureza e
extensão da crise atual. E isso é importante: isso nos diz que
enquanto o Congresso e o governo tentam reformar o sistema financeiro,
eles devem ignorar o conselho que vem dos homens supostamente sábios
de Wall Street, que não têm nenhuma sabedoria a oferecer.

Considere o que aconteceu até o momento: a economia americana ainda
está lidando com as consequências da pior crise financeira desde a
Grande Depressão; trilhões de dólares em renda potencial foram
perdidos; as vidas de milhões foram prejudicadas, em alguns casos
irreparavelmente, pelo desemprego em massa; outros milhões viram suas
economias eliminadas; centenas de milhares, talvez milhões, perderão
atendimento de saúde essencial pela combinação de desemprego e cortes
draconianos por parte dos governos estaduais carentes de fundos.

E este desastre foi totalmente autoinfligido. Não foi como a
estagflação dos anos 70, que teve muito a ver com a alta dos preços do
petróleo, que, por sua vez, foi resultado da instabilidade política no
Oriente Médio. Desta vez, nós estamos em apuros totalmente graças à
natureza disfuncional de nosso próprio sistema financeiro. Todo mundo
entende isso -todo mundo, ao que parece, exceto os próprios
financistas.

Dois momentos na audiência de quarta-feira se destacaram. Um foi
quando Jamie Dimon, do JPMorgan Chase, declarou que uma crise
financeira é algo que "acontece a cada cinco a sete anos. Nós não
deveríamos ficar surpresos". Resumindo, coisas acontecem, é
simplesmente parte da vida.

Mas a verdade é que os Estados Unidos conseguiram evitar grandes
crises financeiras por meio século após a Comissão Pecora e o
Congresso aprovar grandes reformas bancárias. Foi apenas quando
esquecemos essas lições, e desmontamos uma regulamentação eficaz, é
que nosso sistema financeiro voltou a ser perigosamente instável.

Além disso, também foi surpreendente ouvir Dimon reconhecer que seu
banco nunca nem mesmo considerou a possibilidade de um grande declínio
nos preços dos imóveis residenciais, apesar dos muitos alertas de que
estávamos no meio de uma monstruosa bolha imobiliária.

Mesmo assim, a falta de noção de Dimon empalidece diante da de Lloyd
Blankfein, do Goldman Sachs, que comparou a crise financeira a um
furacão que ninguém poderia prever. Phil Angelides, o presidente da
comissão, não achou graça: a crise financeira, ele declarou, não foi
um ato de Deus; ela resultou de "atos de homens e mulheres".

Blankfein foi apenas inarticulado? Não. Ele usou a mesma metáfora em
seu depoimento preparado, no qual pediu ao Congresso que não
pressionasse demais por uma reforma financeira: "Nós temos que
resistir a uma resposta (...) que visa apenas nos proteger de uma
tempestade que só acontece a cada 100 anos". Essa crise financeira
gigante foi apenas um acidente raro, de forma que não devemos reagir
exageradamente.

Mas não há nada de acidental na crise. Do final dos anos 70 em diante,
o sistema financeiro americano, livre da desregulamentação e de um
clima político no qual a ganância era considerada algo bom, saiu
completamente de controle. Havia recompensas cada vez maiores -bônus
além dos sonhos de cobiça- para banqueiros capazes de gerar grandes
lucros de curto prazo. E a forma como obtinham esses lucros era
acumulando cada vez mais dívida, tanto empurrando os empréstimos para
o público quanto empregando alavancagem cada vez maior dentro do setor
financeiro.

Cedo ou tarde, esse sistema descontrolado ruiria. E se não promovermos
mudanças fundamentais, acontecerá tudo de novo.

Os banqueiros realmente não entendem o que aconteceu ou apenas dizem o
que lhes interessa? Não importa. Como eu disse, o importante agora é
parar de dar ouvido aos financistas a respeito da reforma financeira.

Os executivos de Wall Street dirão que o projeto de lei de reforma
financeira, aprovado na Câmara no mês passado, debilitaria a economia
com excesso de regulamentação (na verdade, ele é bem brando). Eles
insistem que o imposto sobre as obrigações dos bancos, recém proposto
pelo governo Obama, é uma concessão rudimentar ao populismo tolo. Eles
alertam que uma ação para tributar ou frear a remuneração no setor
financeiro é destrutiva e injustificada.

Mas o que eles sabem? A resposta, até onde posso dizer, é: não muito.

Tradução: George El Khouri Andolfato

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