domingo, 14 de novembro de 2010

Logo será esquecido como o baque do Panamericano pode acontecer num ramo que se supunha saneado

Não há explicação para as auditorias não flagrarem as fraudes e a fiscalização do BC ter sido menos frequente ou rigorosa do que se supunha

12/11/2010 - 18:05 - Antonio Machado

A fraude de R$ 2,5 bilhões detectada no Banco Panamericano, do empresário Silvio Santos, logo estará soterrada no noticiário por fatos mais quentes. É da vida que as notícias sejam efêmeras.

E, no entanto, o que poderia ser um escândalo, cuja propagação não interessa ao governo, ao mercado financeiro e aos empresários do setor bancário, é também a oportunidade para que sejam revistas as condicionantes que permitiram um baque dessa magnitude num ramo da economia que se supunha saneado e a salvo de trambiques.

O evento que levou o empresário a entregar todo o seu patrimônio, do SBT à rede de lojas do Baú da Felicidade, como garantia para o empréstimo que resgatou o seu banco da ruína certa tem implicações que transcendem o próprio caso, começando pelo modelo de salvação.

Desde que o Banco Central apurou a fraude no Banco Panamericano, no início de agosto - basicamente devido à venda de carteiras de crédito para outros bancos e fundos de direitos creditórios sem dar baixa dos contratos de empréstimos cedidos, gerando assim uma receita fictícia -, o governo se concentrou em minimizar o pepino.

Duas preocupações foram à mesa. A do BC, por suposto, envolvia a melhor forma de tratar a insolvência do Panamericano com mínimos danos à economia. É da missão dos bancos centrais prevenir tudo o que possa implicar riscos sistêmicos à atividade bancária.

Ao governo preocupava os desdobramentos da necessária intervenção sobre o Panamericano. As eleições estavam chegando e a candidatura de Dilma Rousseff poderia ser cobrada, já que no fim de dezembro a Caixa Econômica Federal comprara por R$ 739 milhões 49% do capital votante, equivalente a 36,6% do capital total, do Panamericano.

A crise do banco de Silvio Santos expunha um fato inquestionável: a autoridade monetária do país, além de responsável pela saúde do sistema financeiro, e um dos três grandes bancos federais levaram bola entre as pernas.

Não ameniza saber que firmas conceituadas de auditoria, como Deloitte, que assina os balanços do banco, e KPMG, contratada para checar a contabilidade antes que a Caixa fechasse o negócio, também tomaram frango. Em última instância, a garantia da higidez bancária é do BC. E a Caixa é quem aprovou a compra.

Um atraso conveniente

Não procede, por tudo isso, a informação de que o presidente Lula desconhecesse o problema ao receber o empresário-apresentador no fim de setembro, no Palácio do Planalto. Silvio Santos, segundo um amigo, foi a Lula para confirmar que cederia seus bens em garantia do empréstimo salvador, conforme a solução anunciada esta semana.

Dê-se o desconto de que a fórmula usada era original, sem chance de aplicação imediata. Mas foi também conveniente, já que a demora do trâmite para resgate do Panamericano deu tempo a que passasse a eleição presidencial e o caso não fosse aproveitado pela oposição.

A preocupação de Lula

Em vez da intervenção direta, o BC negociou para que o FGC (Fundo Garantidor de Créditos), criado em 1995 exatamente para ressarcir os depósitos de correntistas e aplicadores até R$ 60 mil por CPF, jogasse a bóia salvadora.

A empresa holding de Silvio Santos, dona de todos seus negócios, emitiu debêntures em valor equivalente ao furo do Panamericano, e elas foram subscritas pelo FGC.

A idéia era evitar que o governo aparecesse socorrendo banqueiro. Os recursos do FGC são dos próprios bancos, provenientes de uma taxa compulsória sobre os depósitos bancários. “A grande conclusão é que o problema foi solucionado sem o uso de um único centavo de dinheiro público”, saudou o presidente do BC, Henrique Meirelles.

Mistérios insondáveis

Dinheiro público não houve, mas a sociedade é que vai pagar pelos malfeitos do Panamericano. A retenção ao FGC é custo aos tomadores de empréstimos, já que incluída pelos bancos como item do “spread” - diferença entre o juro pago na captação e o cobrado do devedor.

Já o empréstimo a Silvio Santos foi de pai para filho: ele terá dez anos para pagar em parcelas semestrais sem juros, três anos de graça e correção pelo IGP-M. Para não parecer deboche, ele deveria ficar proibido de recitar o seu bordão: “Quem quer dinheiro?”.

Com a poeira assentada, ficam abertos os motivos de as firmas de auditoria não flagrarem as fraudes contábeis, a fiscalização do BC ter sido menos frequente ou rigorosa do que se supunha, e este grande enigma: o que fez a Caixa se interessar por um banco miúdo, caudatário da imagem de seu dono, que está completando 80 anos? Os mistérios do subprime nacional, como os dos EUA, são insondáveis.

Reforço do oligopólio

É tempo de o governo retomar a discussão iniciada no fim de 2008, auge da crise global do crédito, e depois largada, sobre o futuro dos bancos pequenos num setor que tende ao oligopólio no mundo. A concentração dos ativos e empréstimos no país é de 75% em apenas cinco bancos. Oligopólio implica, normalmente, baixa concorrência.

Aos pequenos caberia levar o crédito às parcelas da sociedade não atendidas pelos grandes bancos. Foi assim enquanto a liquidez foi farta e propensa ao risco no mundo. Sem rede de captação, bancos pequenos repassam dinheiros tomados emprestados de outros bancos e grandes investidores, sobretudo institucionais.

Tal recurso hoje é restrito e vai encolher devido às normas prudenciais mais austeras em exame pelos países do Grupo dos 20. É só questão de tempo.

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