terça-feira, 15 de julho de 2008

AINDA SOBRE A PRISÃO DE DANIEL DANTAS

Esquenta o clima no Judiciário




CB

15/7/2008 08:19:11





Caso Daniel Dantas provoca uma onda de discussões sobre a decisão de Gilmar Mendes de soltar o empresário

Izabelle Torres e Alessandra Pereira

Da equipe do Correio



Fotos: Robson Fernandjes/AE

Fausto de Sanctis (D), durante manifesto de juízes em seu apoio: "O respeito deve-se a todas as instâncias. Inclusive à primeira"



Mendes: "É natural que os procuradores fiquem contrariados"



Setores do Judiciário deram início a uma verdadeira ofensiva contra o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes. Entre atos de protestos e declarações isoladas de críticas à decisão do ministro de soltar duas vezes o banqueiro Daniel Dantas, foi o da procuradoria da República em São Paulo que começou a surgir um movimento mais radical. A procuradora Ana Lúcia Amaral encaminhou um e-mail aos colegas no qual criticava a conduta do presidente do STF e falava sobre sua intenção de elaborar uma representação contra o ministro acusando-o de crime de responsabilidade. Se concretizada, a ação contra Mendes deverá ser apresentada ao Senado, a quem cabe processar e julgar os integrantes da Suprema Corte.



O presidente do Supremo disse que não teme a retaliação dos segmentos da Justiça porque as informações que constam na ação de habeas corpus representam o melhor argumento da sua defesa. "É natural que os procuradores fiquem contrariados com um eventual resultado de seu trabalho. Mas isso na verdade não justifica nenhuma outra medida. Não é natural que haja isso. Até porque temos uma estrutura hierarquizada de Justiça", comentou o presidente.



Mendes também atacou o ministro da Justiça, Tarso Genro, devido às declarações de que há riscos de o banqueiro Daniel Dantas fugir do país. "Ele não tem competência para opinar sobre a atuação do tribunal", concluiu. Depois das declarações do presidente do STF, Genro voltou atrás e disse que a polêmica em torno da prisão de Dantas é uma questão interna do Poder Judiciário. "A prisão preventiva do Dantas foi tão bem fundamentada quanto a ordem de soltura do ministro Gilmar Mendes", ponderou Tarso Genro.



Instância

O principal foco de ataque dos procuradores, segundo Ana Lúcia Amaral, é o de que Gilmar Mendes teria incorrido em crime de responsabilidade ao julgar o habeas corpus que beneficiou Dantas antes de o banqueiro recorrer à Justiça de primeira instância e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).



Para Ana Lúcia, o presidente do Supremo também errou ao criticar abertamente a postura do juiz federal Fausto de Sanctis de prender o banqueiro depois que a Corte concedeu o primeiro habeas corpus. Além disso, na avaliação dela, a situação se agravou quando Mendes decidiu encaminhar o texto da sua decisão aos órgãos de corregedoria, numa alusão à abertura de um processo de investigação da conduta do juiz de São Paulo.



As críticas e as observações de Ana Lúcia Amaral foram bem aceitas por grande parte dos procuradores da 3ª Região e começaram a ser discutidas também em outros estados. O Correio ouviu 10 colegas da procuradora dispostos a assinar o texto de representação. Todos eles, no entanto, ressalvaram que têm dúvidas a respeito do cometimento de crime de responsabilidade por Gilmar Mendes, mas disseram concordar com a ação como um sinal de protesto e uma declaração pública de que o presidente da Suprema Corte errou. "Somos a favor da representação. No entanto, sinceramente, não acredito que isso progrida muito. A discussão sobre o não-cumprimento das etapas previstas nas normas jurídicas pode ser discutida porque já havia um habeas corpus no Supremo apresentado pela defesa do réu meses antes. Mesmo assim, eu acho que nossa manifestação é válida e a discussão jurídica também", comentou um dos procuradores.



O presidente do Senado, Garibaldi Alves (PMDB), também não acredita no sucesso da representação. Para ele, a lei que prevê a punição aos ministros do Supremo por crime de responsabilidade não se aplicaria em um caso em que se está discutindo uma decisão judicial, e não um delito cometido pelos magistrados. "A não ser que quando chegar o documento, ele traga alguma referência ou consistência em relação a um crime de responsabilidade. Se não for isso, não vejo como uma representação prosperar.



Protesto

Ontem, enquanto a procuradora Ana Lúcia conversava com os colegas sobre o texto da representação, dezenas de juízes federais realizavam um ato de apoio ao juiz Fausto de Sanctis, responsável pelas duas prisões de Daniel Dantas. No manifesto lido durante o ato, os magistrados criticam mais uma vez a decisão de Gilmar Mendes de encaminhar cópias da sua decisão para os órgãos de corregedoria. "Deve ficar bem claro que não estamos discutindo o mérito de nenhuma decisão judicial, mas sim a determinação do presidente do STF de encaminhar cópias para órgãos correicionais ao final de decisão em habeas corpus. Não podemos concordar com o ataque desferido contra a independência funcional que representa a abertura de procedimento investigatório a partir do próprio conteúdo de uma decisão judicial", diz o manifesto. No fim do texto, uma frase traduz as dimensões da ofensiva ao presidente da Corte: "Hoje, ele não é só o juiz Fausto, hoje ele é a magistratura", conclui o manifesto.



Para o principal personagem das manifestações, Fausto de Sanctis, o movimento de indignação não surgiu apenas do fato isolado das discordâncias entre ele e o presidente do Supremo. "Esse fato representa, na verdade, a gota d`água. Acho que está na hora de colocar os pingos nos ‘is'. O respeito deve-se a todas as instâncias. Inclusive à primeira", comentou.

Colaboraram Tiago Pariz e Lilian Tahan

entenda o caso

Idéias antagônicas



A discussão sobre a possibilidade de o presidente do Supremo, Gilmar Mendes, ter incorrido em crime de responsabilidade gira em torno especificamente de um fato: o da concessão do habeas corpus pelo STF antes de o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ter decidido a questão. De um lado, juristas alegam que o Supremo deveria ser a última instância a qual o banqueiro deveria apelar, visto que não houve recurso contra a prisão na Justiça Federal e tampouco no STJ. Essa linha acredita que apenas depois de o banqueiro ter o pedido de liberdade negado pelas instância inferiores poderia recorrer à Suprema Corte



Do outro lado, o presidente do Supremo e outros tantos juristas afirmam que o STF poderia sim julgar o pedido, visto que a decisão de Mendes foi uma resposta à uma petição apresentada a um pedido de habeas corpus preventivo que já estava no Supremo desde 11 de junho. A ação apresentada pelos advogados do banqueiro estava com o ministro Eros Grau à espera de julgamento. Até a prisão de Daniel Dantas, Grau apenas havia pedido informações à 6ª Vara da Justiça Federal sobre as acusações que já constavam no órgão e pediu parecer ao Ministério Público sobre o caso. Assim, a petição analisada por Gilmar Mendes pedia o julgamento imediato do habeas corpus. Na segunda vez que decidiu soltar o banqueiro, o presidente do STF analisou um recurso apresentado à mesma ação apresentada em junho pelos advogados.

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