terça-feira, 15 de julho de 2008

IMPUNIDADE X ESTADO POLICIAL

Impunidade X Estado Policial




JBRA

15/7/2008 09:11:54





Descomplicando a Política - Margrit Schmidt



Lendo o noticiário sobre o caso Daniel Dantas depara-se com um inusitado "Fla - Flu" entre os jornalistas e colunistas na cobertura do caso. E o ponto nevrálgico da disputa acirrada acaba sendo a decisão do ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal, em conceder hábeas corpus ao nosso candidato a Al Capone tupiniquim, Daniel Dantas. A coisa está de tal modo aferventada de paixões, a ponto de o simples fato de defender o resguardo dos direitos mais básicos do estado de direito democrático - a presunção de inocência e a concessão de hábeas corpus - sofrer ataques daqueles que, em nome do combate à corrupção, querem a qualquer custo engaiolar Dantas.



Posições extremadas não costumam ser boas conselheiras. E a discussão que precisa ser feita e que está longe de ser concluída é dos porquês, das razões profundas do fenômeno da impunidade no Brasil. O Brasil é um País injusto, trata desigualmente direitos iguais. Isso é notório na aplicação das leis nos casos de "colarinho branco", ou melhor dizendo, nos casos de corrupção envolvendo agentes públicos. Milhares de vezes já nos indignamos com a leniência para com os crimes envolvendo ricos e a severidade de tratamento aos pobres quando cometem crimes. Não é nenhuma novidade, infelizmente. O que há de especial no caso de Daniel Dantas para que as baterias estejam tão carregadas de acusações de todos os lados? Os tentáculos da atividade empresarial de Daniel Dantas e sua audácia cobriram um número imenso de atividades, executivo, legislativo, judiciário e a imprensa. Descortinar o que é criminoso do que é simplesmente contato profissional legítimo é essencial, até para que levianamente reputações não sejam enlameadas injustamente.



Por isso a ideologização contida no relatório da PF, nas declarações e entrevistas do ministro da Justiça mais contribui com a impunidade reinante no País do que uma suposta linha dura com os criminosos das elites. Há um terreno extremamente perigoso sendo asfaltado aí. Os grampos indiscriminados parecem ser realizados sem controle algum. Em certos despachos de juízes autorizando-os, há coisas como "autorizo o monitoramento dos números tais e tais e outros..." Nesse "outros" vai o ato ilegal e discricionário junto com o restante legalmente autorizado.



Levando em consideração o viés autoritário que nos acompanha, pois a democracia ainda não criou raízes muito profundas na nossa sociedade, é conveniente ficarmos agarrados, cada vez mais às leis e às instituições. Além da nossa falta de prática democrática, ainda temos no comando do país um partido cuja fé na democracia é relativizada pelo viés do "politicamente correto" cujo farisaísmo já é suficientemente conhecido para querer evitar sua intensificação.

O professor e cientista político, Bolívar Lamounier, co-autor do livro "Cultura das Transgressões no Brasil" já citado aqui, vai ao alvo: "As normas morais no Brasil, sempre foram fraquíssimas.



Comparado à Europa, tivemos, por exemplo, uma Igreja muito fraca. O Direito até há muito pouco tempo, não chegava a boa parte do País". A visão da Igreja, segundo ele, que passou de conservadora e reacionária no passado quando defendia a propriedade e o latifúndio, para adotar hoje uma postura com base no bom selvagem de Rousseau, é um exemplo. "Essa visão de que o povo é essencialmente bom, mas corrompido pelo ambiente se espalhou por todos os setores da sociedade. É uma mentalidade que impede a aplicação da lei", argumenta o professor. Ao contrário, os americanos cultuam Thomas Hobbes, para eles as pessoas são más. Lá se acredita que a vigilância é vital, justamente por isso, porque não somos esses anjinhos "rousseaunianos". O monstro "hobbesiano" que habita em nós pode vir a tona. Enquanto aqui um grupo que defenda seus interesses é considerado imoral. A palavra "interesse" soa suja, sugere um indivíduo calculista, diz ele.



É preciso cumprir a lei, polícia não foi feita para achar que as pessoas são boas ou más. Nem ministro da Justiça foi feito para pré julgar nenhum suspeito. Se as autoridades e as instituições privilegiarem o espetáculo dos holofotes de fácil assimilação pela opinião pública, em detrimento do cumprimento das regras, vamos ficar atolados entre a impunidade reinante e a inquisição pura e simples. Nenhum dos dois modelos nos levará a uma sociedade mais justa e equilibrada. Se não nos fixarmos obsessivamente no método da democracia caminharemos para a barbárie, não mais edulcorada pelos atrativos de um país tropical e cordial, mas a barbárie das máfias organizadas em estados autoritários e o povo (tão bonzinho) como refém.

Nenhum comentário: