terça-feira, 29 de julho de 2008

Doleiros ligam Satiagraha a caso Banestado

Operação Satiagraha Jornal Folha de São Paulo - São Paulo, domingo, 27 de julho de 2008
Doleiros ligam Satiagraha a caso Banestado
Nova fase da investigação vai rastrear remessas de doleiros que alimentaram o fundo Opportunity, nas ilhas Cayman
Polícia Federal convocou 2 especialistas em Banestado para ocupar a linha de frente da apuração que resultou na prisão de Daniel Dantas RUBENS VALENTE


DA REPORTAGEM LOCAL

A próxima fase da Operação Satiagraha, que levou à prisão o banqueiro Daniel Dantas, recorrerá a dados de uma investigação longa, complexa e igualmente marcada pelo afastamento do principal delegado da investigação, o caso Banestado.No final de 2002, o delegado da Polícia Federal José Castilho deixou a investigação em meio a denúncias de falta de diárias e de apoio institucional para continuar inspecionando em Nova York, com a ajuda dos peritos Renato Barbosa e Eurico Montenegro, os arquivos da filial do banco paranaense.De volta ao Brasil, a equipe seguiu fazendo planilhas com os dados que havia coletado em 74 dias de atividades nos EUA. O rumoroso afastamento de Castilho deu munição para a criação de CPI no Congresso.O caso Banestado, que tem suas origens em meados dos anos 90, é um desses intermináveis da crônica policial brasileira. A própria CPI acabou melancolicamente, no governo Lula, sem a aprovação de um relatório final. As descobertas da Polícia Federal e do Ministério Público, contudo, espraiaram-se por grandes operações da PF nos últimos anos: Farol da Colina (doleiros), Paulo Maluf, "comendador" João Arcanjo (de Mato Grosso), Jorgina de Freitas (acusada de fraudes contra o INSS) e, finalmente, a Satiagraha.

A engenharia aplicada pelos fraudadores no Banestado demorou a ser compreendida. Uma curta explicação possível: doleiros brasileiros abriram empresas em paraísos fiscais para, com elas, abrir e movimentar contas no Banestado em Foz do Iguaçu (PR).

Dessa agência fizeram milhares de remessas (estima-se R$ 120 bilhões entre 1996 e 2002) para outras contas abertas na filial do Banestado de NY. De lá, o dinheiro seguia para outros bancos e contas, dentro e fora dos Estados Unidos (os investigadores da Promotoria de Nova York, alertados pela equipe de Castilho, também se interessaram pelo assunto e prenderam e processaram diversas pessoas sob acusação de "retransmissão ilegal de fundos").O que justificava essas remessas era o sigilo. Os milhares de brasileiros que usaram os doleiros não queriam que o Banco Central rastreasse e identificasse os donos do dinheiro. Pelo que a PF concluiu até agora (milhares de inquéritos foram abertos em todo canto do Brasil, como desdobramentos do inquérito original), todo tipo de dinheiro transitou por aquele canal chamado "sujo": de caixa dois das empresas a corrupção pura e simples.No final dos anos 90, o delegado Protógenes Queiroz, o mesmo que agora saiu do comando da Satiagraha, investigou as remessas de Foz do Iguaçu. Ele dizia, na época, que "90%" do dinheiro que saiu por lá era fruto da corrupção.As remessas passavam por vários bancos e contas antes de parar no destino final. Cada conta, na gíria dos policiais, era uma "camada da cebola". Houve "cebolas" com nove camadas. Para romper o sigilo conta a conta, banco a banco, era necessário um paciente trabalho. A coisa, concluíram os investigadores, era projetada para ser assim mesmo. A maior parte do dinheiro que saiu do Brasil nunca foi inteiramente rastreada até o final.

Nas diversas camadas, um banco logo se destacou. O MTB Bank, de Nova York, abrigava tantos doleiros e empresas de fachada que ganhou a alcunha de "Banestado americano". Foi no MTB que se enxergaram as primeiras pegadas do Opportunity. Os mesmos doleiros que movimentaram milhões dentro e fora do Brasil apareciam remetendo para o fundo que o banqueiro Daniel Dantas criou e geriu nas ilhas Cayman.

Segundo a base de dados do MTB, obtida pela Folha, só desse banco partiram US$ 16 milhões para o fundo.Os relatórios da Operação Satiagraha já demonstraram o interesse da PF em aprofundar a participação de doleiros no Opportunity Fund. Como Marco Matalon, chamado de "Velho" em ligações interceptadas pela PF, considerado um dos principais do país.

Uma das contas atribuídas a Matalon, a Depolo, recebeu ou remeteu US$ 1,7 bilhão só no MTB. A CPI do Banestado chegou a estimar em US$ 10 bilhões o giro total da Depolo.

Para ocupar a linha de frente das investigações da Satiagraha, a PF convocou dois especialistas em Banestado, a delegada Karen Marena, que foi procuradora no Banco Central, e o delegado Carlos Torres. Ambos conhecem o Banestado desde junho de 2004, no início da Operação Farol da Colina.Uma das primeiras tarefas do novo grupo de investigadores tem sido rastrear e cruzar a imensa base de dados do Banestado. Uma das mais longas investigações da história policial ainda não acabou. Caso Banestado é modelo em combate a crimes financeiros, diz ministro do STJ CLAUDIO DANTAS SEQUEIRADA REPORTAGEM LOCAL Coordenador-geral da Justiça Federal, o ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Gilson Dipp, 63, afirma que a Operação Satiagraha consolida um novo perfil de investigação de crimes financeiros. A lei sobre lavagem de dinheiro iniciou o processo, mas foi o caso Banestado que abriu caminho para a cooperação internacional e a consolidação de varas especializadas. FOLHA - Qual sua avaliação da operação Satiagraha?GILSON DIPP - Ela mostra que há uma nova feição da investigação de crimes financeiros. O processo penal chegou a pessoas importantes, com fortes ligações no meio político, financeiro e social. A investigação se sofisticou com o uso de meios invasivos, como a quebra do sigilo bancário e telefônico. FOLHA - Efeito da implementação das varas especializadas?DIPP - Sim. Nas varas se pratica hoje o mais moderno processo penal do país. O juiz preside o inquérito, se envolve mais com o Ministério Público e a Polícia, se especializa, o que garante julgamento mais justo. São crimes internacionais, em que as provas não são convencionais, tem a delação premiada. Toda a jurisprudência está nascendo no primeiro grau, sendo podada nos excessos e aperfeiçoada nas instâncias superiores. FOLHA - Explique.DIPP - Toda a formação jurídica no Brasil sempre foi voltada para o processamento e o julgamento de crimes simples, com vestígio, corpo de delito. Hoje a jurisprudência está nascendo no primeiro grau. São crimes transnacionais, com tecnologia melhor que as forças estatais.As provas precisam ser obtidas no exterior, o que pressupõe cooperação internacional. FOLHA - O caso Banestado foi um marco, não?DIPP - Emblemático! Ao desvendar as contas CC5, o caso produziu uma cultura nacional de enfrentamento aos crimes financeiros. Fez com que houvesse uma ampla coordenação interna entre PF, Ministério Público, Banco Central, Receita Federal, tudo encaminhado para o Judiciário julgar. Começou a ter, por parte da Justiça, a aplicação mais efetiva dos tratados internacionais e o auxílio jurídico direto, que passaram a ser usados em outras operações. Essa cooperação sempre foi feita por carta rogatória, que é um instrumento superado.Por isso, quando é possível, assinamos acordos de auxílio judicial direto. No caso do Banestado, com os EUA, foi possível a busca de inúmeras provas no exterior, quebra de sigilo, oitiva de testemunhas, citação de réus de forma mais rápida. O problema é que muitos juízes não têm a cultura da aplicação dos tratados internacionais, o que dificulta o trabalho. FOLHA - O Judiciário pode ser uma ponte ou uma barreira?DIPP - Sim. Em 2003, houve um pedido da Suíça para acesso a contas bancárias e apreensão de bens de suspeitos de tráfico de mulheres brasileiras. Mas o Supremo tinha a prerrogativa das cartas rogatórias e indeferiu os pedidos, baseado numa jurisprudência que negava caráter executório para rogatórias. Isso não acontece mais, porque o STJ pegou as cartas rogatórias.

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